Trevon 6 (parte 2)
Segunda parte
Desde que decidiu descer ao interior de Trevon e desbravar o desconhecido, Órion tinha noção de que sua investigação possivelmente era um caminho sem volta. Mas diferentemente da missão desempenhada por Uiliam, anos atrás, o disfarce de A-348 justificava uma necessidade de saber mais a respeito de Júpiter e seu bando, que além de possuir um laboratório impressionantemente moderno e equipado perto de uma cachoeira potável, também tinha o incrível poder de controlar robôs do Comando e invadir o sistema do CCC, constantemente monitorado. Ou seja, o que quer que outrora tivesse motivado a colega a se fingir de civil era besteira perto do que Órion investigava agora, pelo simples fato de que não havia nada mais grandioso do que isso.
Sua
decida não foi exatamente conforme o planejado, tampouco chegou ao alvo da
forma que pretendia, mas ainda assim obteve êxito e desde que Júpiter havia
chegado estava claro que para ter todas as respostas que buscava, Órion teria
que segui-la no escuro, literalmente. A insurgente demonstrou que falava sério
ao afirmar que não carregaria nada e deixou para trás, no laboratório, até
mesmo sua minúscula lanterna. Não levou nada além da própria roupa no corpo e
seguiu descalça escuridão adentro, assim como Órion, com a diferença de que ela
conhecia muito bem o chão que pisava.
As
duas caminharam em silêncio a mesma trilha utilizada anteriormente para acessarem
o laboratório, com o som da cachoeira aumentando gradualmente a cada passo,
assim como a luz trêmula da fogueira, que de um pontinho brilhante se
transformou em uma enorme pira cintilante que contrastava com a umidade da água
barulhenta e incessante. O chão, inicialmente forrado por pedriscos duros e
pontiagudos, alguns metros adiante virou uma lama bastante confortável que cobria
a rocha por onde pisava e amortecia o espaço entre os dedos do pé, conforme
Órion avançava. O ar fresco a fez a fechar os olhos ao respirar fundo, sem
perceber que Júpiter a observava.
– É melhor você umedecer a sua
roupa antes de partirmos – Júpiter recomenda, parando de repente e se banhando
com a água límpida da cachoeira. Primeiro ela se molhou de maneira um pouco tímida,
depois se segurou nas pedras e enfiou o topo da cabeça careca debaixo da queda d’água
molhando o corpo inteiro, atraindo a atenção das rebeldes que permaneciam por
ali – Para onde nós vamos é necessário seguir por uma trilha que passa por uma
região que é muito quente, então quanto mais molhadas estivermos até lá, melhor
– complementou, ainda debaixo da água, falando um decibel mais alto.
Órion
não teve tempo de responder porque no mesmo instante uma corrente de ar frio envolveu
todo o seu corpo, fazendo a pele arrepiar até debaixo do gesso feito de lama
dura. Que por sinal era outro motivo para impedi-la de copiar os movimentos da
subversiva submersa na água transparente e gelada. Jamais que ela colocaria em
risco uma atadura tão necessária, inclusive antes mesmo de saírem dali. Ossos
quebrados expostos doem demais!
Júpiter
se permitiu ficar alguns segundos debaixo da água que caía com uma força
implacável, formando em volta de seu corpo uma cortina úmida de neblina e vapor.
Imóvel, permaneceu apoiada em duas pedras lisas que serviram de corrimão,
segurando-se para não ser nocauteada por uma série de golpes aplicados por
punhos congelantes e incansáveis. Primeiro a cascata enxaguou sua cabeça por
quase um minuto, depois os ombros receberam uma massagem natural, relaxando os
músculos que a distância se mostravam retesados.
Órion
desejou ter o poder de ler sua mente, pois adoraria saber no que ela pensou
enquanto se manteve ali. Pareceu ser algo bom porque ao se virar em sua
direção, com a fogueira à sua direita, seu rosto era de uma paz admirável.
Embora aquele fosse um ambiente completamente hostil, era nítido o quanto
estava relaxada após o banho.
– Já está pronta para ir? – Cael
perguntou, caminhando contra a correnteza. Ao contrário de Júpiter, que veio até
a beirada da cachoeira erguendo bem as pernas, afundando os joelhos no chão,
ele andou chutando a água, despreocupado se com o gesto acabaria molhando
Órion, ou seu curativo – Você vai com ela? Sério? – o menino de peruca
perguntou, sem que ninguém dissesse nada. Seu tom foi divertido e combinou com
o olhar que direcionou à Órion antes de se virar às amigas – Ninguém jamais poderia
imaginar um desfecho desse! – Cael complementou, parecendo que conversavam por
alguma frequência que Órion obviamente não acessava.
– Preparei alguns mantimentos para
você levar – Íris informa, agindo como se a companhia de Órion junto a Júpiter
fosse mero detalhe, totalmente desimportante – É pouca coisa e Gilles vai
gostar.
– Tá bom, vou me esforçar para fazer
chegar até lá – Júpiter responde, aproximando-se mais de Órion, carregando no
tecido quase transparente de sua roupa um punhado de água, que escorreu pelo
caminho como se fosse uma peneira.
Sem
dizer nada, Júpiter despejou o que restou do líquido gelado contra a camiseta
de Órion, que não esperava por aquilo e se assustou, dando um passo para trás.
Primeiro, se espantou com o gesto em si; sentiu-se atacada, ainda que apenas
com água (muito, muito gelada). O líquido a atingiu em cheio no peito e desceu
impiedosamente pela barriga, acomodando-se no cós de sua calça apertada.
Depois, a
policial reagiu à sensação despertada pela água gelada, propriamente, uma vez
que cada gota pareceu ser uma agulha feita de gelo, penetrando profundamente em
sua pele, enviando arrepios por todo o corpo e contraindo todos os músculos
instantaneamente. Com o frio, o bico de seus seios ficou eriçado, bem marcado
no tecido encardido colado à pele, armado na direção de Júpiter.
Por fim,
Órion se assustou com o choque provocado pelo contraste do frio da água com o
calor que repentinamente incendiou o interior de seu corpo inteiro, em especial
nas partes baixas. Inesperadamente, sentiu-se queimar exatamente como a
fogueira ao seu lado, só que de maneira muito mais inflamável. E o combustível
que deu todo o toque para a combustão generalizada foi a mão gelada de Júpiter
deslizando por seu corpo molhado.
A
rebelde repetiu o gesto e a molhou novamente, agora a partir do pescoço, imperturbada
quanto ao teor dos pensamentos de Órion. Ou o fez exatamente porque era capaz
de escutar tudo aquilo que a mulher pensava. E sua mente naquele momento se ardeu
em conteúdos altamente libidinosos porque inevitavelmente Órion se lembrou da
sensação da língua macia e molhada de Júpiter encostando na sua. Mais: se
recordou quando, ao lamber sua boca, Júpiter encaixou os seios e roçou a
cintura na dela, esfregando os ossos do púbis nos seus. O contato, tão sutil, mesmo
breve foi capaz de deixá-la molhada de um jeito que cachoeira nenhuma jamais seria
capaz de deixar.
Iluminada
pelo clarão da fogueira, embora estivesse séria, Júpiter pareceu sorrir quando
deslizou novamente as mãos molhadas pela camiseta de Órion, colando ainda mais o
tecido desgastado na pele arrepiada, que por instinto se ouriçou outra vez diante
do toque. De baixo para cima, umedeceu primeiro a barriga de Órion, depois os
ombros, antes de se direcionar para a lateral dos seios e costelas, passando
ainda as mãos ao longo de suas costas, numa espécie de abraço, tomando cuidado
para não molhar a atadura dos braços.
Ao terminar
de deixá-la acesa e molhada, Júpiter ainda parecia sorrir quando puxou uma
pedra qualquer do leito da cachoeira e cortou a lateral da calça apertada de
Órion, que soltou um suspiro assim que a costura parou de esganar sua cintura.
– É preciso tomar bastante cuidado
porque o Comando não desistiu e continua no nosso encalço – Dien comenta,
observando Júpiter improvisar um extensor na calça de Órion – Eles perderam o
sinal, mas isso não os impede de reencontrar.
– Será que dá tempo de chegarmos ao
Fosso da Morte antes da Polícia nos achar? – Júpiter pergunta, parecendo querer
apenas puxar papo com a amiga. Seu rosto não transparecia nem um traço de
preocupação.
– Talvez... talvez não – Dien
responde, parecendo sincera. Levou alguns segundos até olhar para Órion, a
fitando por um longo instante.
– Vai dar tudo certo – Júpiter diz,
quebrando o silêncio, como se visualizasse o campo mental da rebelde, permeado
de inquietude – Em último caso, vocês sabem o que devem fazer – ela
complementa, amarrando nas costas a trouxa com os mantimentos separados por
Íris.
– Espero que não seja necessário,
então por favor se cuide – Cael pede, abraçando a amiga.
– Pode deixar, você também –
Júpiter responde, dentro do abraço – Se cuidem todas – ela abraçou brevemente
Dien e Íris, que acenou com a cabeça para Órion, numa espécie de despedida
informal – Avisem assim que estiverem em Trevon ou diante de qualquer novidade.
– Combinado! Faça tudo brilhar,
Júpiter! – Íris exclama, se despedindo também do moço de peruca – Vamos fazer
história!
Aparentemente
a debandada seria geral e simultânea, e apenas Cael permaneceria por ali, junto
da cachoeira, o laboratório e a peruca de Uiliam. Todas enfrentariam a partir
de agora desafios para poder se deslocar, fosse em direção à Trevon ou à
superfície, lá fora, mas isso nem de longe significava que ficar sozinho em um
local inóspito e escuro como aquele era algo mais fácil de lidar.
Muito mais
do que mero gozo à liberdade, ser marginal exigia uma dose cavalar de ousadia,
mas também de determinação e coragem para encarar uma rotina recheada de
situações fatigantes. Um preço altíssimo para quem decidia não seguir às leis
que, ali, pareciam só um conjunto de normas bobas e sem sentido. Afinal, o que
é o Corpo de Comando e Controle quando se tem a chance de se afastar alguns
quilômetros das sirenes de Trevon?
No caso,
Órion estava longe o suficiente para conseguir perceber que a vida significava
muito mais do que ela acreditava dias atrás. E isso pareceu suficiente quando considerou
que talvez não chegasse ao ponto de descobrir a real motivação de Júpiter (que
tipo de lugar se chama “Fosso da Morte”, afinal de contas?), mas tudo bem porque
bastava, já sentia-se satisfeita. Nenhum outro motivo parecia ter o poder de ser
mais importante que o existencial.
Interrompendo
o fluxo de seus pensamentos, Júpiter fez um gesto em direção a uma trilha que
nascia no canto esquerdo da cachoeira, que até então Órion não havia reparado.
O fato é que muitos detalhes passaram despercebidos pelo simples motivo de que
havia milhares deles ali, desde caminhos escondidos a tesouros naturais que ela
não teve tempo de analisar e catalogar mentalmente, embora o tempo todo tenha se
esforçado para absorver cada minúcia, cada elemento do ambiente mais incrível
que já conheceu em vida.
Órion
seguiu Júpiter com a roupa molhada e a pele doendo de frio, mas já nos
primeiros esforços para acompanhá-la o calor surgiu em forma de gotículas de
suor que se acumularam primeiro na testa, depois acima do lábio, formando um
bigode. O chão era extremamente escorregadio, o espaço por onde entraram consistia
num caminho estreito e abafado, e o fato de não poder contar com os braços
dificultava ainda mais a travessia, que já começou com nível alto de
dificuldade.
Para
piorar, Órion tinha escoriações em ambas as pernas, que se arranharam no
contato com as rochas assim que a claridade da fogueira ficou para trás e junto
com Júpiter ela mergulhou numa escuridão absolutamente silenciosa. Mesmo com o
tecido fino da calça a protegendo parcialmente, Órion seguiu com as canelas de
fora e os tornozelos foram os primeiros a se rasgar pelo caminho composto
inicialmente por uma ladeira íngreme, com muitas pedras soltas e pontudas. Sim,
para subir, antes elas precisaram descer. Ainda mais.
Se valendo
da força dos músculos inferiores, especialmente os da coxa, Órion se concentrou
em não agravar suas lesões enquanto se contorcia e se espremia por passagens
apertadas, atrás de uma rebelde que caminhava logo à frente em uma constância
rápida e num silêncio perturbador. Por sorte, embora fosse um rota cheia de
obstáculos, Júpiter ficou mais fácil de ser rastreada a partir do instante em que
não havia mais som para distrai-las. Na quietude da escuridão, ouvir a
respiração da subversiva foi a missão de Órion durante os primeiros metros.
Para tanto,
ela esticou o braço engessado (o esquerdo, que doía menos), para evitar de
bater com o rosto em alguma encosta ou parede de pedra. Como os ombros iam
praticamente raspando no teto do túnel, dava para sentir com o corpo quando
havia alguma curva mais acentuada, ou algum desvio. Sem conseguir enxergar, Órion
precisou inclinar a cabeça para o lado, de modo que a audição a guiasse.
As duas
seguiram quietas por um atalho quente que serpenteava embaixo da terra, envolto
numa escuridão quase palpável, que as engolia enquanto avançavam em direção ao
centro da Terra. Em dado momento, Órion sentiu-se enterrada viva, perdida num
labirinto subterrâneo que se estreitava mais e mais a cada passo, enquanto
avançavam por um buraco que ela não fazia ideia de onde ia terminar.
Anos e anos
de treinamento impediam que a claustrofobia a enlouquecesse, mas mesmo assim naquele
momento o desespero surgiu incauto em seu encalço, despertando ao redor um odor
metálico provocado pela ansiedade. O ar úmido e empoeirado começou a pesar nos
pulmões e mesmo se esforçando para afastar a sensação de pânico prestes a
dominá-la, o túnel apertado parecia esmagá-la, o que combinava com a pressão
que sentia no peito.
Sua
respiração se acelerou e ficou imediatamente entrecortada, e nem foi por causa
do esforço físico. Embora não fosse sua primeira crise de ansiedade, era
inédito vivenciar a experiência sem o uniforme da Polícia, que nessas horas
acabava servindo como escudo e proteção. Em desespero, além de tudo, Órion
sentiu-se vulnerável.
– Nós vamos precisar correr –
Júpiter avisou, virando-se de repente, parecendo alheia à situação que ocorria
logo atrás – Você está preparada?
“Preparada
para o que, exatamente?”, Órion sentiu vontade de perguntar. Por acaso Júpiter
queria saber se ela estava pronta para correr até sabe-se lá onde, descalça e
com os dois braços quebrados? Ou sua dúvida era quanto a estar preparada para
morrer afundada no breu da angústia despertada por pensamentos terríveis, quase
incontroláveis, numa crise terrível de ansiedade?
– Órion, a Polícia está vindo, nós
precisamos correr e rápido – Júpiter insiste, a puxando pelo ombro.
O toque,
embora sutil, serviu para despertar Órion do transe, no mesmo instante em que sua
nuca começou a latejar, de um jeito bem dolorido, como se Aness acionasse
novamente o dispositivo de pedra, ou pior: como se o Comando a estivesse controlando
pelo chip. Maldita Uiliam!
Completamente
às escuras, Órion só teve tempo de esticar o braço duro e engessado e segurar
firme na mão de Júpiter, que saiu em disparada trilha adentro, mostrando-se exímia
conhecedora daquele território. A mulher correu a puxando atrás de si como se fosse
capaz de enxergar no escuro, ou tivesse dentro da cabeça algum sistema de GPS a
orientando a cada curva. Órion nem pensou nos incômodos que o tranco da corrida
causava em seu corpo machucado porque a cada segundo a dor na nuca piorava
consideravelmente, dando a impressão de que elas corriam em direção ao local ao
qual deveriam fugir.
– Eu não aguento mais – ela deixou
escapar, quando a tontura tirou a força de suas pernas, estremecendo o corpo
todo num espasmo, a derrubando no chão. A dor era tão insuportável que, ao cair
de joelhos, sentindo-se fraca e rendida, Órion se contorceu enquanto gemia – Socorro...
– murmurou.
– A gente não pode desistir –
Júpiter gritou, puxando-a para apoiá-la em suas costas. Logo ela, que disse que
não carregaria ninguém, sustentou o peso de Órion nos ombros e não parou de
correr.
Órion não
reparou em que momento desmaiou – se é que perdeu a consciência por completo. O
latejar em cima do chip implantado décadas atrás despertou memórias antigas,
bloqueadas por motivos de preservação, como parte do mecanismo de seu instinto
de sobrevivência. Enquanto era carregada ela conseguiu se lembrar da dor original
daquele implante e das contrações dolorosas que um único ponto disparava e
irradiava para o resto do corpo, num efeito cascata repleto de incômodo. Órion
tinha dias de vida, mas o trauma foi suficiente para uma existência inteira.
Tanto que mais tarde ela jamais se interessaria em se modificar. A cicatriz do
chip, embora antiga, encobria com o tempo uma ferida emocional que jamais foi
realmente curada.
E não era
só o incômodo do implante. Havia o desconforto do chip em si, que foi regulado
ao longo de seus primeiros três anos de vida e usado como método de controle e
punição. Não há birra ou malcriação que resista a castigos físicos, por
exemplo, choques corporais aplicados a distância por alguém cuja função é impor
disciplina para quem depois vem a exercer exatamente o mesmo papel com outras
pessoas – muitas delas igualmente inocentes, como um bebê.
E agora
todas as lembranças que durante a vida inteira Órion empurrou para debaixo do
tapete da consciência vinham à tona como se fossem uma lâmina afiada fatiando
sua mente, perfurando emoções e memórias com uma intensidade insuportável,
consumindo cada fibra de seu corpo. Ao mesmo tempo, a dor implacável crescia de
potência de um jeito quase enlouquecedor, em sintonia com as batidas cada vez
mais aceleradas de seu coração, que bombeava ondas de agonia para todo o seu
organismo, contaminando-o com um pânico bastante subjetivo e personalizado.
Apoiada nos
ombros de Júpiter, com os braços estendidos sobre o seu tronco enquanto a
mulher corria, em dado momento Órion deixou que o peso da cabeça cedesse e tombasse,
virando o rosto levemente para trás. Com os olhos semicerrados ela identificou,
projetada na parede do túnel, a luz azulada dos robôs do CCC e num primeiro
momento sentiu alívio. Levou alguns segundos para lembrar que o sistema
representava perigo, não amparo.
A
compreensão foi clareada ao som da respiração acelerada da rebelde, que sabia
mesmo ser rápida enquanto corria, entrando em caminhos que se abriam conforme
avançavam. Órion também ouviu a sinfonia metalizada provocada pelo zumbido
mecânico das articulações dos robôs, que naquele silêncio ressoavam pela trilha
de modo tão amedrontador quanto a sirene da Polícia.
Embora a
atmosfera daquela rede de túneis fosse sufocante, com a temperatura elevada e o
ar bastante úmido, não parecia se tratar de um conjunto de trilhas novas. Ao
contrário, davam a impressão de ser bastante antigas e abandonadas, cavadas nos
formatos antigos, bem estreitas. Talvez por isso o Comando estivesse na área:
para proteger um patrimônio desprezado pelo tempo.
Em todo
caso, fosse por motivos anteriores ou não, as duas agora eram consideradas
invasoras de uma área restrita, de propriedade do Corpo de Comando e Controle, eficiente
na arte de defender estruturas de cimento. Seus robôs realizavam sempre uma
abordagem tática e coordenada, valendo-se de sensores de movimento para
rastrear qualquer tipo de invasão, mesmo na escuridão de uma galeria
subterrânea. Tudo meticulosamente projetado e comandado por policiais humanos,
engenheiros de inteligência do CCC, que também criaram um tipo de comunicação
feita por transmissões codificadas.
O sistema, muito
complexo, era também bastante eficiente. Agora mesmo o pelotão compartilhava informações
sobre a localização das fugitivas enquanto traçava estratégias para
interceptá-las. Em tempo real! Por sorte, mesmo com Órion nas costas, Júpiter se
movia com agilidade pelo labirinto de túneis, desviando por atalhos e passagens
que pareciam secretas, algumas escondidas. Sua familiaridade com o ambiente
evitou que cruzassem os pontos de patrulha da Polícia, mantendo-se sempre um
passo à frente dos perseguidores.
Em dado
momento, as rochas foram substituídas por paredes de metal, que ecoaram de um
jeito assustador a movimentação dos policiais robôs, que passaram a bater os
cassetetes contra os escudos, provocando estrondos perturbadores que
reverberavam nas paredes frias. Os rastreadores infravermelhos brilhavam como
faróis, cortando a escuridão à medida que avançavam atrás delas.
Um pouco alheia
aos riscos que corriam, semiconsciente, Órion tinha a impressão de que o chip
sussurrava palavras de tormento diretamente dentro do cérebro, amplificando a
dor e penetrando profundamente em sua psique, desencadeando visões distorcidas como
se fossem pesadelos reais. Ela teve certeza de que seria seu fim.
Na batalha
desesperada para resistir ao colapso iminente de sua mente, quando a agonia
avassaladora a levou à beira da loucura, ao abismo de suas piores e mais
terríveis recordações, Júpiter parou de correr e a dor parou também. Assim, do
nada, de repente.
– Que foi, você morreu? – Júpiter
pergunta, sem deixar transparecer se era uma dúvida séria, cutucando a mulher desabada
no chão.
– O que você fez? – Órion se ouviu
perguntar, ainda se contorcendo. Os ecos da aflição continuavam gerando espasmos
e arrepios em sua pele. Do modo como tudo aconteceu, pareceu que Júpiter era a
responsável tanto por provocar a dor quanto por cessá-la.
– Como assim, o que eu fiz? Eu
salvei a gente! – a mulher responde, triunfante – Te carreguei até aqui e nos
trouxe em segurança para um lugar que aparentemente o CCC não nos vê – ela tosse,
harmonizando a respiração acelerada – O curioso é que até você chegar, o
Comando não tinha conhecimento da trilha em que estávamos... Então me diz: como
é possível que o seu chip não seja perceptível ao toque? – Júpiter interroga, apalpando
a nuca de Órion sem anunciar.
– Então você... – Órion balbucia,
incapaz de completar a frase.
Desde
quando ela sabia do chip e por que não disse nada? Do que mais saberia? E quem
mais sabia o que ela sabia? Órion quis xingar Júpiter e acusá-la de provocar
todo aquele mal-estar de propósito, por pura maldade, mas sentia-se fraca para
falar, então só afastou a mão da mulher, que permaneceu alisando sua nuca por
alguns segundos.
– Eu o quê? – Júpiter pergunta, com
ar divertido. Mesmo no escuro deu para perceber que sorria – Então eu sei do
seu chip? Ora, é claro que sei. Não me subestime, Órion... – ela tosse mais uma
vez, parecendo cansada – A Polícia só nos achou naquela trilha porque te
rastreou, isso é óbvio. E todo mundo em Trevon sabe que o radar do CCC só capta
quem é chipado. É procedimento normal do Comando meter chip em quem é
levado para interrogatório, eles fazem isso até como uma forma de opressão: raspam
a cabeça e deixam o queloide exposto. Mas o seu...
– Mas por que voc... – Órion diz. Incapaz
de concluir a pergunta, respirou fundo, como se também tivesse corrido. Sentia-se
esgotada!
– São muitas questões, eu sei –
Júpiter fala, após permanecer um tempo em silêncio – Vamos sair daqui e, se houver
tempo, conversamos. Quem sabe posso te dar algumas respostas se você me
fornecer outras, em troca. Vou te dar a oportunidade de me contar tudo.
Sem
dizer mais nada, Júpiter a puxou do chão, escorando-a na parede de rocha, a segurando
pelos ombros até que ela firmasse bem as pernas em pé. Órion sentia que sua nuca
ainda doía, mas mais como resquício daquilo que tinha provocado tamanha dor e que,
por algum motivo, não causava mais. Restava saber o que teria interrompido a frequência
da agonia. Ou o porquê.
– Sinceramente, acreditei que
teríamos mais tempo até o Comando nos encontrar, a minha roupa ainda nem
secou... – Júpiter se lamenta com um muxoxo, caminhando agora bem devagar. Ela
falou de um jeito como se a umidade de sua camiseta fosse alguma referência de
tempo ou espaço – Mas já avançamos bem, mesmo com o desvio forçado. Agora precisamos
atravessar o Fosso da Morte e chegar lá do outro lado, até a base daquele
penhasco, mais adiante – explicou, encostando a mão de leve em seu ombro.
Com o
toque, Órion quase conseguiu enxergar a geografia do local em que estavam,
apesar do manto que cobria tudo na mais profunda escuridão. Ela vislumbrou
inclusive o túnel que haviam atravessado, sendo carregada no final, num trecho
até que considerável do que parecia ser uma fábrica desativada. Mais à frente
visualizou um campo aberto e uma parede de rocha enorme ao final de um espaço
descampado, com cerca de 1,5km de extensão. Avistou também uma torre bem alta,
quase em linha reta de onde se encontravam, e entendeu que passariam por ali
para chegarem à próxima trilha.
A
visualização durou poucas frações de segundos, mas pareceu manchar sua vista
porque mesmo depois de Júpiter tirar a mão, Órion ainda foi capaz de ver a rota
por onde teriam que seguir. Honestamente, não pareceu nada demais considerando
o percurso que já haviam trilhado até ali, com as dificuldades encontradas no
caminho ladeirento, envolvendo até a Polícia. Além do mais, subir provavelmente
seria mais fácil do que descer, especialmente se não fossem perseguidas de
perto pelos robôs do Comando.
– Não se iluda porque a subida vai
ser mais desafiadora que a descida – Júpiter fala, como se claramente tivesse
capacidade de ler os pensamentos de Órion – Mas vamos nos focar em uma coisa de
cada vez. Antes de mais nada, temos que chegar ao lado de lá, com cuidado,
porque essa é uma área altamente vigiada pelo CCC.
O
comentário permitiu que Órion contemplasse diversas linhas de contenção
invisíveis, próximas ao chão, como se estivesse usando o capacete da Polícia e pudesse
enxergar os limites que o Comando impunha aos moradores de Trevon. Com os olhos
físicos ninguém via nada, mas com a tecnologia certa os esquadrinhos se
revelavam, como armadilhas feitas de laser meticulosamente alinhados, prestes a
afugentar presas fáceis em barreiras praticamente intransponíveis.
Os raios de
luz laser à sua frente formavam diversos quadrantes que lembravam um enorme
tabuleiro de xadrez, que em verdade representava uma legítima sentença de morte.
Refletir sobre isso fez a adrenalina pulsar novamente em suas veias, enquanto
estudava a melhor maneira de chegar até o outro lado, atravessando aquele campo
minado.
Ciente de
que qualquer erro poderia ser seu fim, e o de Júpiter, e o de seu plano ainda
incipiente, Órion respirou profundamente o ar denso que vinha do centro do
desfiladeiro, carregado de uma atmosfera opressiva e sombria. Ainda como se
pudesse enxergar sob efeito da miragem produzida pelo toque de Júpiter, a
policial reparou que toda a área ao redor daquela enorme garganta geográfica formada
pelo vale de duas encostas de rocha era cercada e magnetizada, criando uma intrincada
rede de segurança que cobria cada centímetro do perímetro, impedindo que
qualquer movimento passasse despercebido pelos sensores do Comando. Então só
havia uma direção a seguir e talvez fosse prudente correr porque parecia
impossível desviar no escuro de todos os feixes de luz invisível escondidos pelo
caminho.
– Dá para chegar do outro lado
desviando dessas linhas de monitoramento – Júpiter diz, como se os pensamentos
de Órion fizessem parte da conversa – Mas não é tão difícil atravessar, faz de
conta que é uma brincadeira de criança. Vem comigo – ela chama.
Ao
circundá-la, Júpiter encaixou o corpo atrás de Órion, colando o peito quente e
úmido em suas costas. Com os braços bem presos em sua cintura, demonstrou qual
era sua intenção ao empurrar o joelho de Órion com a perna, pulando com o pé
direito e depois com o esquerdo, alguns centímetros adiante. Juntas, as duas se
movimentaram com suavidade e destreza, como se estivessem jogando amarelinha.
Ou dançando.
Devido
à ausência de luz era impossível enxergar um palmo que fosse diante do nariz,
mas mentalmente Órion traçou todo o espaço do Fosso, baseando-se na
visualização que Júpiter a permitiu ter, pintando na mente a paisagem perigosa pontilhada
por ameaças invisíveis, mergulhada na mais completa escuridão da Terra. Se
valendo de todos os sentidos exceto a visão, Órion sentia o deslocamento de ar
conforme Júpiter avançava, as conduzindo de pulo em pulo, como se seguisse
cegamente aos movimentos de alguém que bailava com graça em meio a um local com
potencial de explosão, flutuando no ar por um breve momento e depois aterrissando
num impacto suave e controlado, mais adiante. De olhos fechados, foi como se
conseguisse vê-la.
A
distância entre os espaços vazios parecia enorme, mas ainda assim Júpiter
seguiu saltando cada vez mais alto e mais longe, determinada e destemida, como
se desafiasse a própria gravidade, brincando com a sorte. Cada salto era
praticamente um teste de sua agilidade e coragem, copiado milimetricamente por
Órion, que se deixou ser conduzida e junto com a rebelde encenou uma espécie de
balé perigoso no centro daquela arapuca.
Concentrada
e ciente do risco que corriam, Órion se esforçou para manter-se em silêncio,
atenta às movimentações de Júpiter para poder copiá-la, mas a cada salto
correto deixava escapar sem querer um suspiro de alívio, mais sonoro quando descia
com uma das pernas, pois seu joelho direito doía mais que o esquerdo. Talvez estivesse
até rachado ou fissurado em algum ponto do osso, considerando o inchaço ao
redor e sua aparência, um pouco disforme. Para não pensar na dor e se focar no
objetivo da missão, Órion considerou que cada passo a mais significava um passo
a menos em direção ao destino final. Que, a propósito, ela ainda desconhecia
completamente, mas que por algum motivo já considerava como o local em que
fatalmente descansaria. Fosse de um jeito ou de outro.
Foram
longos minutos de um deslocamento tenso, porém suave, com Órion se esforçando
ao máximo para evitar que qualquer passo em falso disparasse algum alarme ou liberasse
uma armadilha. Por conhecer muito bem o sistema, sabia que a ausência de robôs no
local indicava que havia outras formas de contenção policial que envolviam
desde redes que disparavam choques à liberação de gás paralisante, passando por
fossos que podiam se abrir no chão de repente, engolindo os mais desavisados em
crateras profundas, além de outras estratégias e armadilhas cruéis elaboradas
pelo Comando.
Contudo, mais
do que confiar nos reflexos afiados de Júpiter e na sincronização perfeita de
seus movimentos enquanto pulavam juntas, Órion se viu testada a também controlar
seus pensamentos em um nível jamais exigido. Era a primeira vez que ficava
tanto tempo em contato pele a pele com outra mulher e isso a desnorteava mais
do que estar perdida embaixo da terra correndo risco de vida.
Com
o tronco da subversiva colado às suas costas, separadas apenas por uma fina
camada de tecido úmido, a proximidade de seus corpos suados era carregada com a
eletricidade da adrenalina imposta pelo desafio de atravessarem o tal Fosso da
Morte, repleto de perigos. Todavia, mesmo em risco era inevitável não sentir a
pressão corporal a cada salto, que com o impacto do esforço gerava uma sensação
de intimidade avassaladora e bem-vinda, ainda que totalmente fora de hora. O
conjunto de sensações desconhecidas criou um turbilhão de emoções dentro de
Órion, estimulado pela sincera energia do tesão.
Também,
pudera, seu corpo era acostumado à solidão. Agora naturalmente apenas reagia ao
calor da pele de outra pessoa contra a sua, com o contato se transformando em
uma descoberta sensorial, uma explosão que despertou partes adormecidas de sua
alma. Mesmo sob risco de morte, Órion sentiu-se viva como nunca!
– Espera, não podemos mais continuar
nessa direção – Júpiter alerta, interrompendo a constância dos pulos. Pelo
retorno do eco de sua voz, estavam próximas do paredão final – Vamos caminhar,
não precisa mais pular. Conta cinco-sete-nove.
Júpiter
segurou firme na lateral de sua cintura e com movimentos regulares e cadentes arrastou-as
para a esquerda, contando: um, dois, três, quatro e no quinto passo parou. Seus
dedos pressionaram a carne dos flancos de Órion, como se as parabenizasse pelo
feito. Aí caminharam sete passos para a frente, começando com o pé direito, seguido
pelo esquerdo logo na sequência, parando na sétima passada. Um segundo depois
contaram nove passos novamente para a esquerda, fazendo Órion pensar em quantas
vidas teriam se perdido até chegarem àquela sequência. Certamente um passo
errado comprometia a saída do local, que tinha o sugestivo nome relacionado à
morte.
– Faz muitos anos que o Comando
tenta nos controlar e faz o mesmo tanto de tempo que a gente tenta fugir –
Júpiter diz, ao soltá-la. A ausência de seu corpo atrás de Órion a fez sentir
frio, mesmo suando – Em algum momento esse lugar foi descoberto, assim como tantos
outros que até hoje servem como mina terrestre, prontos para explodir alguém.
Muita gente precisou andar (e morrer) para que hoje a gente pudesse correr. Não
por acaso, dizemos que o futuro é ancestral.
Impactada
com a fala, pensando nas pessoas como uma sociedade organizada ao longo da
História, e não individualizada como era a estrutura da Polícia, Órion avistou
ao longo de todo o campo atrás delas centenas de corpos, ou o que restou deles.
Havia pilhas e pilhas de ossos em praticamente todos os quadrantes cercados
pelo laser invisível no chão, impiedoso ao longo de vários anos e muitas
gerações. A cena era tão chocante que Órion compreendeu porque Júpiter não lhe
mostrou antes de atravessarem.
– Aqui costumava ser uma fábrica de
queima de combustíveis fósseis – Júpiter diz, com a voz ecoando no paredão
natural, enquanto caminhava devagar – Quer dizer, isso no passado, centenas de
anos atrás. Depois, para tentar resolver as coisas, o CCC converteu o espaço em
uma usina de produção de energia de antimatéria. Esses lugares ficaram famosos
por terem longas torres enterradas com sistemas de captura e armazenamento de
carbono. É por lá que vamos subir.
Em
silêncio, Órion segurou na barra de sua blusa e a seguiu breu adentro, sem
precisar se valer do esforço para escutá-la – o que seria muito mais difícil
agora, considerando que a respiração de Júpiter encontrava-se tranquila,
provavelmente porque estavam perto do fim desta parte da jornada, e o terreno era
plano.
Incapaz
de ver por conta do escuro, era perceptível mesmo assim que à volta havia
maquinários antigos cercando a estrutura metálica e concreta que se erguia
diante delas como um monumento solitário em meio ao cenário desolador de um
mundo em colapso, que obviamente falhou na transformação daquele lugar. Ao
pararem, depois de alguns metros, a policial sentiu com a ponta dos dedos a
superfície áspera da torre, desgastada pelo tempo. O som duplo de uma tranca
pesada foi seguido por outro rangido, mais alto e mais longo, quando uma porta
de ferro se abriu, dando passagem ao interior da torre abandonada. Assim que
entraram, Órion foi invadida por uma sensação que há muito tempo não sentia.
Ficou feliz!
Apesar
de não estar diretamente conectada à superfície, a qualidade do ar dentro da
torre era consideravelmente diferente devido às tecnologias de captura de
carbono outrora em operação. Mesmo desativado, o sistema de filtragem e
purificação de ar mantinha a atmosfera deliciosamente respirável, livre de
poeira ou qualquer tipo de poluente.
– Vamos nos esgueirar pela borda,
use esse corrimão como guia – Júpiter diz, tirando a mão de Órion de sua cintura
e a apoiando num guarda-corpo gelado de metal – Vamos ter que subir vários
degraus, mas não precisamos ter pressa. Porém, também não podemos demorar
porque essas torres ainda costumam entrar em operação eventualmente, não
sabemos por quê.
O
que seriam vários degraus para Júpiter? Cem? Mil degraus? Órion quis perguntar,
mas estava concentrada no som que a mulher fazia, já ascendendo pela escadaria
enferrujada que serpenteava a torre. O som de seus passos ecoava pelo vazio
cavernoso do interior da estrutura, com o metal rangendo sob seus pés a cada degrau,
numa demonstração sonora da ação corrosiva do tempo.
– Você já esteve no fosso de um
elevador do CCC? – Júpiter questiona. Pelo volume de sua pergunta, estava
vários metros adiante, escada acima.
– Eu, não... – Órion responde, finalmente
encontrando o primeiro degrau, ao tropeçar nele. Por que alguém conheceria a
cava de um elevador?
– Ah, que pena. Subir por aqueles
buracos é uma experiência... única – Júpiter demorou a encontrar o adjetivo que
buscava. Sua voz soou mais próxima agora – Aqui me lembra muito o fosso de um
elevador do Comando, com a diferença de que lá não tem escada – ela ri, como se
tivesse acabado de contar uma anedota.
– Mas aqui não há o risco de sermos
esmagadas, há? – Órion pergunta. Não tinha entendido a piada – Digo, nenhum
elevador vai despencar a qualquer momento lá do alto... Vai?
– Não, mas se você despencar, o seu
corpo se esmaga lá embaixo – a resposta foi imediata.
Órion
não teve tempo de contra-argumentar porque um clique fez uma luz forte acender
lá embaixo, iluminando o interior da torre como dois sóis. Desacostumada com a claridade
e sentindo que seus olhos ainda não estavam totalmente curados dos golpes da maçaneta
de seu dormitório, mesmo parcialmente cega viu que Júpiter estava perto, apenas
dois degraus acima e exibia no rosto um sorriso maroto, que se desvaneceu assim
que a luz se acendeu.
– Se segura! – a rebelde gritou,
jogando-se de costas contra parede da torre, que pareceu rodopiar quando um tipo
de ventilador industrial foi acionado, fazendo um barulho extremamente alto. De
repente, uma enorme massa de ar se movimentou.
Com
o acionamento muita poeira foi levantada, revelando que, embora não parecesse,
aquele era um lugar inabitado que acumulava em seu interior muito do passado,
inclusive sujeira. Órion se cortou com um pedrisco atirado contra o rosto e se
sentiu enfrentando um vendaval de areia enquanto se esforçava para se manter
firme naquele corrimão. O vento uivante ecoava no interior da torre criando uma
cacofonia de sons agudos e estrondosos que reverberavam no espaço vazio.
Através das fendas na estrutura, o ar sugava o que podia do buraco lá fora e
cuspia de volta contra elas lá dentro.
Lutando
para manterem-se a salvo e não serem atiradas lá embaixo contra a vontade, as
duas foram surpreendidas pelo som agudo de um sensor sendo ativado em algum
lugar bem acima delas. Imediatamente a corrente de ar se intensificou ainda
mais, transformando-se em uma tempestade realmente furiosa que as empurrou com
força em direção ao chão. Órion esticou os braços engessados na escada, buscando
meios para se segurar. Seu cabelo voava em todas as direções, chicoteando a
testa e espalhando sangue, enquanto o corpo todo era sacudido pela força do
vento.
– Nós precisamos sair daqui –
Júpiter diz.
Quer
dizer, ela não disse, ao menos não verbalmente, mas foi como se dissesse,
dentro da cabeça de Órion. Falou da mesma forma que Uiliam, só que sem os
óculos intermediando a comunicação.
Numa
demonstração, a rebelde ficou em pé e escorou-se completamente na parede da
torre, mostrando que desta maneira era possível se locomover e continuar a
subida, mesmo que devagar. Com a luz acesa, deu para perceber que já haviam
subido quase metade da escada, o que acabou servindo como estímulo.
Com
cautela, Órion rolou no chão e com muito esforço conseguiu se levantar, num empenho
descomunal porque, além do vento forte, seus braços imobilizados não eram de
muita ajuda. O ar, anteriormente agradável para respirar, se transformou numa
névoa suja e pesada de poeira, dificultando ainda mais suas ações e ela só se
ergueu depois de várias tentativas.
Cada
degrau se tornou uma batalha contra as rajadas intensas de vento que ameaçavam
arrastá-las para trás, enquanto Júpiter e Órion se agarravam firmemente aos
corrimãos e às paredes da estrutura da torre para evitar de serem jogadas em
direção ao abismo lá embaixo. A primeira, notadamente acostumada a enfrentar
obstáculos e desafios de todos os tipos, inclusive aquele, seguiu tão confiante
que inspirou a segunda, que mesmo com limitações físicas manteve-se perto
durante a subida inteira, de modo que em nenhum momento a perdesse de vista. A
luz se apagou e o vento parou assim que Órion venceu o 480º e último degrau.
O
ambiente que acessaram era úmido e cavernoso, o limbo entre o mundo subterrâneo
de Trevon e a Terra lá fora. O ar úmido
e fresco, com aroma extremamente terroso, impregnava tudo ao redor.
– Se prepara porque você está
prestes a ver algo incrível! – Júpiter anuncia, ao entrar dentro de um buraco, num
tom carregado de contentamento. Parecia cansada, mas a alegria se sobressaiu em
sua voz.
Órion
a seguiu, sem conseguir imaginar o que poderia encontrar adiante. Depois da
última declaração do tipo, Júpiter a levou para conhecer o incrível laboratório
das rebeldes, então aparentemente tudo era passível de ser encontrado por ali.
De
repente, a turbina da torre voltou a ligar. Com o acionamento, alguns feixes
invadiram o espaço fechado onde estavam, criando um cenário de meia-luz que
adicionou uma aura de mistério ao local, produzindo um efeito com as partículas
de pó que oscilaram como se fossem fadas bailarinas. Filtrados pelas fendas na
terra, os raios de luz lançavam sombras irregulares e indistintas que dançavam
nas paredes da apertada cova, ao gosto do vento que movimentava tudo na torre,
logo atrás. Com a claridade foi possível ver que a área era particularmente
pequena e se comprimia alguns passos adiante, até o buraco. Ou seja, para sair
seria preciso engatinhar.
Tentando ao
máximo não encostar as mãos no chão, Órion se agachou e se moveu lentamente.
Seu corpo inteiro doía, principalmente o lado direito, e teve dificuldades em
encostar o joelho no chão também porque o tecido da calça apertada limitava
bastante seus movimentos.
Depois
de atravessar o buraco ela só percebeu onde estava quando pôde se levantar
novamente alguns metros à frente e aí se viu simplesmente dentro do tronco de
uma árvore enorme, milenar. Que infelizmente estava morta, por isso
encontrava-se complemente oca, mas ainda assim permanecia majestosamente em pé,
com resquícios de vida. Órion nunca tinha entrado em uma árvore, muito menos
rastejado por dentro de uma raiz. Achou a experiência sublime!
A atmosfera
ali era densa e carregada de umidade, como se a própria essência da floresta se
recusasse a abandonar o santuário da árvore morta. A temperatura era agradável,
tendendo a um clima mais abafado por conta do que pareceu ser um tipo de
orvalho que gotejava lá de cima, da copa. Havia também um leve odor de
decomposição vegetal no ar, diferente, que Órion não conseguiu identificar. Um
cheiro de mata.
Com a sola
dos pés, sentiu que o chão ali era mais gelado, quase úmido, forrado por um
emaranhado de raízes menores que deixavam o solo irregular. Certamente era o
mais diferente de todos que havia pisado até aqui. Combinava com a textura
áspera e fria do tronco, percebido com a ponta dos dedos, depois que ela não se
conteve e esticou o braço esquerdo para poder tocar. Órion se perguntou quantas
outras mãos tiveram a oportunidade de encostar em algo tão especial e desejou
ter a chance de um dia conhecer uma árvore viva.
Júpiter não
disse nada, mas seu silêncio desta vez pareceu ter outro significado. Quieta,
apoiou as duas mãos no interior do tronco e fechou os olhos por um momento,
como se estivesse meditando ou se comunicando com algum antepassado. Seus dedos,
marcados pelas agruras da vida, se curvaram levemente em torno das imperfeições
da madeira morta, parecendo buscar uma conexão com a história gravada nas rugas
daquela árvore. Concentrada,
a subversiva parecia absorver a força de todo o lugar, ao mesmo tempo em que recebia
orientações, ou se recarregava.
Embora o
ambiente estivesse parcialmente escuro, a energia concentrada naquele ponto
quase iluminava, tamanha potência. Por isso foi fácil ver quando Júpiter
atravessou o diâmetro da árvore ainda em silêncio e se esgueirou pelo outro
extremo da raiz, que dali certamente as levaria para o mundo lá fora.
O interior
da árvore era realmente incrível, assim como Júpiter havia prometido, mas o
lado externo conseguia ser ainda melhor, pelo simples fato de não ser subterrâneo.
Constatar isso deixou Órion aliviada, assim que se pôs em pé perto do buraco da
enorme raiz por onde saiu. Suja, com a roupa cheia de terra e vestígios do
sangue que ainda escorria de sua testa, quis pular de alegria quando percebeu
que tinham saído debaixo do chão, mas se conteve, pois estava cansada e ferida.
Se deslocar exigiu muito de seu corpo e pensar nisso reforçou seu lado humano,
fazendo com que sentisse fome também.
Porém,
ainda que não fosse exatamente uma convidada não quis atrapalhar sua anfitriã a
interrogando com detalhes bobos, por exemplo, que horas se alimentariam ou se Júpiter
pretendia dormir em algum momento. O mundo lá fora estava escuro, como sempre
esteve, só que mais claro do que era lá embaixo, e na ausência das sirenes,
Órion não tinha noção de que horas poderiam ser. Seu estômago roncando indicava
que era algo perto do toque das cinco da tarde.
– É perigoso ficarmos aqui –
Júpiter diz, anunciando com a fala também sua intenção de se deslocar – Mas agora
falta pouco, não estamos muito longe – complementou na sequência, sem
especificar o destino ou a distância. No mesmo instante o zumbido de um drone
foi percebido, sobrevoando bem perto dali.
Órion
não fazia a menor ideia de onde estavam, tampouco para onde iriam. Considerando
a fiscalização aérea, calculou que também haveria no entorno algumas câmeras de
segurança espalhadas e com certeza radares do Comando, capazes de detectar seu
chip. Mesmo que corressem escondendo-se nas sombras, no meio do caminho poderiam
facilmente se deparar com sensores de movimento móveis, que tinham capacidade de
alertar e mobilizar patrulhas robóticas que sem dificuldade se apresentariam
ali em menos de um segundo.
Lá fora elas
estavam infinitamente mais expostas do que nas galerias clandestinas de Trevon,
especialmente Órion, que há dias representava um ponto piscante e luminoso no
radar do CCC – algo que não seria um problema se por acaso Uiliam tivesse
seguido seu pedido de desligá-la do sistema.
– Eu preciso que você se mantenha
focada e corra – Júpiter diz, como se novamente falasse dentro da cabeça da
policial – Não vou me desculpar por isso – emendou, sem explicar ao que se
referia.
Imediatamente
após a fala, Órion sentiu a nuca latejar mais uma vez, da mesma maneira como
aconteceu quando precisaram correr dentro do túnel. A sensação serviu de
prenúncio para a dor que veio logo depois, quase tão intensa quanto a primeira.
– Ah, droga... De novo não... –
Órion resmunga, frustrada por antecipação. Se por acaso não estivesse com os
braços imobilizados e alcançasse o próprio pescoço, nesse momento teria tentado
tirar o chip na mão. Arrancaria na unha!
– Precisamos correr. Agora, rápido!
– Júpiter grita, saindo em disparada.
Mesmo
descalça, os pés da rebelde produziram um som ao entrar em contato com o chão,
indicando uma velocidade que Órion achou improvável de conseguir acompanhar. Seu
corpo era inteiro alvejado por um mal-estar generalizado e até andar seria
difícil, que dirá correr.
A dor que
se irradiava pela nuca apertava seu pescoço como a mão invisível do Corpo de
Comando e Controle, e esganava também sua cabeça e comprimia seu peito,
afetando o fluxo sanguíneo de um jeito que os membros ficavam adormecidos, com
um formigamento intenso e doloroso.
Embora
houvesse um comando interno ordenando que corresse, até porque havia o sério risco
de morrer se ficasse parada ali, Órion foi incapaz de se mover. Novamente ela
não soube dizer se desmaiou, porque nessas horas sentia-se acometida por uma confusão
mental que misturava passado e presente com devaneios do futuro, ao tempo em
que seu corpo paralisava, ou criava vontade própria, considerando os espasmos
que o chacoalhavam reiteradamente.
Mas ao
menos desta vez, talvez por estar em uma área aberta e não comprimida embaixo
do chão, Órion manteve-se minimamente consciente do que ocorria à sua volta porque
pôde perceber o momento exato que Júpiter voltou e se reaproximou. No meio da balbúrdia
cerebral que a deixou fisicamente travada ao lado da enorme árvore morta,
sentiu o cheiro da rebelde quando ela voltou para resgatá-la.
– Eu não acredito que você vai me
fazer te carregar... de novo! – Júpiter reclama, acomodando-a em suas costas. Ela
trançou os braços engessados de Órion na frente da barriga, travando os
curativos de um jeito que deixou seus corpos bem próximos, com o rosto da
policial colado em seu pescoço. O lábio de Órion se depositou em cima de uma
veia que pulsava num ritmo frenético. Provavelmente por causa do esforço porque
Júpiter não fazia o tipo emocionada.
A
corrida não durou muitos minutos, mas Órion perdeu a noção do tempo enquanto
era transportada. Tanto que instantes depois de ter sido apoiada sobre o corpo
ágil de Júpiter, logo já sentiu o afastamento entre as duas, com o frio se
apossando do espaço onde a rebelde havia produzido calor, assim que foi posta
no chão. Do mesmo modo como na ocasião anterior, a dor na nuca foi embora tão
rápido quanto chegou, como se tivesse sido ligada e depois desligada, sei lá, através
de um interruptor.
– Estamos seguras aqui – Júpiter
anunciou, como se estivessem de alguma forma protegidas. Pareciam localizar-se
na encosta de alguma montanha, considerando o eco de sua voz, que revelou a
geografia do lugar. Porém, a entrada da caverna dava a impressão de ser bem ampla,
com acesso fácil para qualquer tipo de invasor ou sensor.
Ao
fundo, um som bem longe, quase despercebido, sincronizou-se com as batidas do
coração de Órion. Era a sirene do Comando, anunciando o fim do dia em Trevon.
Um ruído simultâneo foi emitido de dentro de seu âmago, num rugido faminto de
quem estava há muito tempo sem comer.
– Tá, já entendi, você está com
fome – Júpiter resmungou, emendando um suspiro contrariado – Espera aí que vou
ver o que temos por aqui...
Seus
pés produziram um sussurro conforme se afastava, demonstrando que a caverna era
muito maior do que parecia. Sozinha, valendo-se apenas dos músculos do abdômen
para se levantar do chão e gemendo involuntariamente de dor, Órion só conseguiu
se sentar depois de despender um grande esforço. E ela nem teve tempo de
esboçar nenhum tipo de reação quando, de repente e sem se anunciar, alguém surgiu
sorrateiramente no meio do escuro e cravou algo afiado em cima de sua jugular.
Imediatamente um fio de sangue quente desceu em direção à gola de sua camiseta
desfiada e embora não pudesse ser visto, o rastro vívido e vermelho-escuro pôde
ser sentido enquanto Órion tentava entender o ataque sofrido.
Diferentemente
de seu caminhar inaudível sobre o piso frio e liso antes de dar o bote, a
respiração pesada de quem arremetia contra Órion era fácil de ser detectada e
percebida. A proximidade a permitiu ouvir cada inspiração profunda e cada
expiração ofegante, num som áspero e agitado. Longe de aparentar irritação, o
agressor parecia era estar tomado por uma fúria desmedida.
– Faça um único movimento e eu juro
que acabo com você em uma piscada – a pessoa disse, num tom feroz. A fala saiu
entre os dentes, num contraste com seu timbre, de menina. Revelando se tratar
de uma mulher, Órion não reconheceu como sendo a voz de ninguém do bando de
Júpiter.
Imóvel,
ela nem teria como fazer algo para se defender, já que seus braços pesavam
vários quilos com a atadura feita por Alec, mais cedo. Por isso obedeceu e
ficou quieta, sentindo a ardência no pescoço aumentar de intensidade. A mulher
permanecia pressionando o que parecia ser uma faca em sua garganta.
– Identifique-se! – ela ordenou,
rosnando.
Antes
que sequer pudesse abrir a boca para responder algo, uma luz alaranjada
iluminou todo o ambiente, revelando que a gruta, cravejada de milhares de pedras
coloridas, era bastante ampla e profunda. Assim como Órion supunha, sua entrada
era estranhamente devassada e no mesmo nível do chão, de modo que qualquer
pessoa ou robô realmente conseguia entrar, se quisesse.
– É a Polícia! – a agressora
gritou, tão logo o rosto de Órion se iluminou, junto com o ambiente.
Em um
movimento rápido e preciso, a mulher chutou o peito de Órion com força,
derrubando-a de costas no chão. Arfando, sem ar, instintivamente a policial
levantou o braço direito para se defender, quando a mulher feroz virou o punhal
em direção ao seu estômago, onde ficava o comando central dos robôs do CCC.
– Não! – Órion gritou, parecendo em
vão – Thaian! – ela então chamou, ao reconhecer quem era a responsável por
carregar o foco de luz. No caso, a amiga de Júpiter segurava um dispositivo que
lembrava um graveto e emitia uma cintilação artificial parecida com a de uma
fogueira.
A
menção ao nome certamente foi útil para frear a mulher enfurecida, que entretanto
manteve a pedra que servia como arma suspensa no ar, numa posição que conservou
a intenção do gesto e também a força aplicada. Pela expressão explícita em seu
rosto ela parecia convencida estar diante de uma humanoide e disposta a
desligar seu suposto sistema com apenas uma única pedrada, certeira.
– Gilles – Júpiter chama, com a voz
serena, do fundo da gruta.
Esse
chamado, sim, desarmou a rebelde em cima de Órion, que se desmontou assim que reconheceu
a voz de Júpiter, embora não tenha se movido nem um milímetro. Rendida e sem ar
por causa do pontapé que tinha levado, Órion considerou que um segundo de
atraso certamente teria sido fatal e, ao respirar fundo, suspirou de alívio.
Era só o que faltava, chegar tão longe para morrer agora!
Thaian
manteve-se imóvel, estática, parada na entrada da caverna, com os olhos
refletindo a luz que trazia na mão. Em nenhum momento não disse nada que
pudesse barrar a ação da colega. Se por acaso Júpiter não aparecesse de
repente, ela provavelmente teria deixado que a tal de Gilles acabasse com sua
vida, sem tentar impedi-la. Nada novo, de novo.
Iluminada pela
luz que ela mesma carregava, a rebelde parecia ainda mais perigosa no claro do
que quando Órion a viu pela última vez, na cachoeira, lá embaixo. Seu rosto era
salpicado de manchas escuras de sujeira e poeira, e inúmeras cicatrizes cortavam
sua face quase inteira, dando-lhe uma aparência bastante hostil. Sob as
sobrancelhas sujas, os olhos de Thaian brilharam com uma intensidade ferina ao
cruzarem-se com os olhos da policial. De alguma forma, a mulher também parecia
pronta e sem dúvida alguma disposta a acabar com a vida de Órion, talvez até
mais rápido do que num simples piscar.
Ainda posicionada
pronta para o ataque, Gilles ostentava a cabeça raspada, assim como Júpiter, e seu
rosto não era conhecido – Órion até tentou resgatar na memória, mas em vão. E ela
certamente se lembraria de alguém como aquela mulher, que tinha a lateral do
crânio achatada, provavelmente por ter sido vítima de um golpe brutal e
certeiro aplicado com alguma barra de ferro ou o cassetete da Polícia. Sua
aparência, por causa disso, era um pouco desfigurada, com a testa e parte da maçã
do rosto afundadas como se tivessem sido pressionadas para dentro, com a ação
da pancada. Surpreendentemente ela ainda estava viva.
E
igualmente admirável era o fato de Gilles ter sido capaz de reconhecer Órion –
e visualmente, considerando que enquanto estava escuro, até que Thaian
surgisse, ela pareceu acreditar que se tratava de uma pessoa qualquer, uma
invasora. Sob a luz, contudo, ao ver o rosto de Órion, Gilles imediatamente a
acusou de ser do CCC. E pelos movimentos que fez, revelou acreditar que a
policial era algum robô.
– Encontrei esse protótipo no nosso
esconderijo – Gilles exclama, exibindo dentes manchados – Você prometeu que
aqui era seguro...
– E é seguro – Júpiter responde,
impassível – Ela não é um robô, Gilles. Robôs não sangram – a rebelde aponta
para o pescoço de Órion, sujo por causa do corte feito pela mulher.
Robôs
também não beijam e Júpiter tirou essa prova mais cedo, a beijando. O que mais será
que pretendiam fazer para confirmar que Órion era bem humana?
– Fui eu que a trouxe até aqui –
Júpiter então explica, aproximando-se delas.
– Mas... – Gilles resmunga,
contrariada, olhando para Thaian por um breve instante.
A
mulher com a cara deformada encarou Órion com hesitação, como se procurasse em
seu rosto pistas que denunciassem algo mecânico, de alguma forma não humano. Só
então ela finalmente tirou a pedra de seu pescoço, abaixando-se para cheirar a
região cortada. Não satisfeita, esfregou um dos dedos no rastro vermelho de
sangue, cheirando mais uma vez. Fez isso sem desviar dos olhos da policial.
– Não entendo como é possível... –
Gilles volta a resmungar e seu olhar torna-se repentinamente opaco, como se ela
mergulhasse fundo dentro de si mesma. Ou conversasse com Júpiter em alguma
frequência mental.
– Ainda acho que é muito capricho
para o tanto de risco... A gente conseguiria sozinha, sem a ajuda dela – Thaian
resmunga também, mas seu tom foi muito mais zangado. Se havia algum diálogo
acontecendo por ali, ela com certeza era capaz de acessá-lo.
– Partimos quando? – Gilles pergunta,
enfim saindo de cima de Órion, com os olhos voltando à aparência mais vívida. O
que quer que tivesse sido falado entre elas foi suficiente e pareceu
convencê-la.
– Antes da próxima sirene – Júpiter
responde, postando-se atrás de Órion e ajudando-a a se sentar – Precisamos
chegar até o fim antes do amanhecer.
– Certo. Estivemos bem perto de lá
durante o protesto de 05 de maio – Gilles revela, sentando-se também. Seu
gestual mostrava o quanto era capaz de ignorar a presença de Órion naquela
caverna, bem ao seu lado – Na ocasião a Thaian até comentou que da próxima vez que
voltássemos seria já para a etapa final. Quando fôssemos concluir o plano – ela
comenta, fazendo um aceno para Thaian se aproximar.
– E foi tudo tranquilo, sem
novidades? – Júpiter interroga, sentando-se entre Gilles e Órion que, embora à
parte, permanecia ali.
– Sem novidades, tudo tranquilo –
Gilles rebate, imediatamente – Mas a gente ficou morrendo de vontade de ver os
robôs dançarem – ela dá uma gargalhada alta, que ressoa nas paredes da gruta.
– É, Cael disse a mesma coisa –
Júpiter sorri, um sorriso cansado, enquanto desamarrava a trouxa das costas –
Mas está tudo filmado, um dia podemos combinar de assistir, todos juntos. Por
ora, fico feliz que embora tenham perdido vocês tenham conseguido avançar
enquanto distraíamos o CCC lá na praça. Esse ano foi muito melhor que o ano
passado.
– Mas desta vez nem teve o gato –
Gilles ri, conferindo os itens enviados por Íris e outros ingredientes que
Júpiter pegou na própria caverna.
– Ai, ainda bem que não – Júpiter
ri também, mais relaxada – Imagina, no meio daquele caos, com bomba e tiro de
polícia para tudo quanto é lado, quando viro, do nada me aparece o gato no meio
da praça... Ainda bem que o CCC não consegue ver – ela ri mais alto.
– É, nem eu sei como é que ele foi
parar lá... – Gilles confessa, agora sorrindo porque Thaian sentou-se perto
delas – Nossa sorte é que na hora não tinha nenhum guarda humano para vê-lo porque
com certeza um gato levantaria muitas suspeitas.
Então era isso. Uiliam já havia lhe mostrado, mas com o avançar da investigação, a informação acabou ficando meio de lado. Mas antes de descer, Órion já sabia que no protesto do ano passado, enquanto a Polícia avançava contra os manifestantes, Júpiter se abaixou no meio da praça e guardou um gato dentro da própria roupa. O fato não foi compartilhado com ninguém porque a imagem foi mostrada por Uiliam instantes antes de Órion descer infiltrada, o que de certa forma era bom porque ninguém da Polícia jamais acreditaria se ela mencionasse a possibilidade da existência de um gato.
Agora, o que lhe causava estranheza era o fato de “o CCC não conseguir ver”, como Júpiter havia revelado, o que indicava alguma mudança na configuração das câmeras e dos robôs que os impediam de detectar qualquer felino. Por isso não existiam registros recentes. Ainda assim, porém, Uiliam conseguiu o feito de mostrar a ela. Como?
Por outro lado, hackear o sistema de vídeo pode ser simples, se com as ferramentas corretas. E aquelas mulheres pareciam ter uma coleção delas e inteligência suficiente para sabotar qualquer tipo de programa.
Animais antigos,
os gatos foram exterminados da Terra há vários anos; Órion mesma nunca tinha
visto um pessoalmente. Quer dizer, até onde se sabia, não existiam mais gatos
no mundo, ao menos não em Trevon. Mas Júpiter e seu bando aparentemente tinham
um. Como isso era possível, ela não fazia a mais remota ideia, mas as rebeldes
tinham até plantação de alho, cachoeira potável e, claro, um laboratório bem
equipado. Ao que tudo indica, o mais difícil em se ter um gato era só a parte
de mantê-lo longe dos olhos físicos do Comando.
Gilles
ainda tagarelava sobre o protesto que não pôde ver quando Júpiter e Thaian
encenaram a cena de maior intimidade vista até aqui. Mesmo notadamente durona,
Thaian demonstrou o auge da delicadeza ao limpar o rosto de Júpiter que, assim
como Órion, também se feriu com os estilhaços disparados enquanto subiam a
torre abandonada.
Mais
cedo, Júpiter havia revelado que somente Gilles e ela tinham chegado até o tal
“final”. Ou melhor, até o “fim”. A rebelde usou este termo, duas vezes: agora e
anteriormente, em sua conversa com Aness, quando ela lhe perguntou sobre o “souvenir”
de Ptônio Niavva. A peruca de Cael. O DNA de Uiliam que perambulava com o grupo
de subversivas embaixo da terra.
Agora
as três estavam ali, juntas, prontas para concluir o plano. Júpiter e Gilles
conheciam os passos para chegar “até o fim”, e se Thaian estava com elas era por
ser dotada de algum tipo de prestígio. Pelo cuidado limpando o rosto de
Júpiter, Órion desconfiou qual seria.
Foi
assim que a policial percebeu que os testes contra ela, demasiadamente humanos,
impostos por Júpiter e sua turma, envolviam tesão despertado por um beijo
molhado, sangue provocado por facada na veia e agora ciúmes, que a queimou por
dentro mais do que a fome que já a devorava.
Com
raiva, mas incapaz de desviar o próprio olhar, Órion só resistiu a se atirar no
drama que começou a se criar dentro dela porque um barulho subitamente a
despertou. O som, vindo da entrada da gruta, se assemelhava a um pequeno motor
que foi aumentando de volume sem que nada indicasse nenhum tipo de
movimentação. Todas se calaram ao escutar aquilo, mas ninguém transpareceu o
menor traço de preocupação.
– A barreira de contenção da
caverna é toda feita por uma matriz avançada de nanorrobôs dispersos no ar, nos
camufla até dos olhos físicos, robô nenhum nos detecta, câmera alguma nos vê, mas
o gato sempre passa pelo bloqueio, é impressionante – Gilles puxa o animal para
o colo. O bicho notadamente era o responsável por emitir aquele som, que tinha
o incrível poder de acalmar – Você é foda, cara – ela beija o bichano e espirra
duas vezes.
– É, Ostrac e Niavva podiam
perfeitamente gostar de cachorro, de peixe, de minhoca... – Júpiter foi
listando nos dedos – Minhoca teria sido muito apropriado! Mas não. Foram gostar
logo de um ser indomável como um gato – ela acaricia o bichinho, rajado de
amarelo.
– Não, quem gostava de gatos era a
Uiliam – Gilles corrige.
– Uiliam? – Órion se ouviu dizer.
Ao perceber que perguntou em voz alta, emendou um pigarro e tentou tossir.
Inutilmente, porque todas a escutaram perfeitamente.
– Uiliam, a amante de Ptônio Niavva
– Thaian responde, com os olhos brilhando de satisfação. Ela escolheu um tom ardiloso
para falar, como se soubesse que aquele era um ponto sensível de Órion.
– Uiliam é uma policial que
trabalhou infiltrada em Trevon, alguns anos atrás – Júpiter também responde,
quase ao mesmo tempo. Ao contrário da amiga, escolheu um tom mais ameno e
informações muito mais relevantes para compartilhar – Ela foi designada a
investigar o suposto sequestro de um bebê do Comando quando conheceu o Niavva. Os
dois se apaixonaram perdidamente e, junto com Idélia Ostrac, construíram o
laboratório que você conheceu lá embaixo.
Uauuuuu!,
Órion gritou. Mas desta vez conseguiu que fosse uma manifestação estritamente
mental.
– Ela não ajudou a construir –
Thaian corrige, impaciente – Quando os dois se conheceram, o laboratório já
existia.
– Sim, mas com a ajuda da Uiliam,
Ostrac e Niavva não foram denunciados e por isso o laboratório existe até hoje
– Júpiter emenda, erguendo os ombros. Seu corpo dizia que aquele era um detalhe
meramente semântico.
Imediatamente,
infinitas perguntas surgiram na cabeça de Órion, em forma de enxurrada. Uiliam por
acaso saberia para onde estava indo quando a Comandante ordenou que a
acompanhasse por Trevon? Porque certamente Aira Acachi conhecia o histórico
dela. Ou haveria algo que não passasse pelo conhecimento da maior patente do CCC?
Órion desconfiava que não, o que a levou a crer que sua comunicação foi toda gravada,
inclusive enquanto permaneceu sem sinal.
Longe de
ser um teste para Órion, sua missão parecia agora representar na verdade uma
prova para Uiliam, por seu histórico com aquele lugar. E ela discretamente não
deixou transparecer, em momento algum, a pessoalidade que guardava com o caso, mas
ainda assim deu sinais. Por exemplo, quando mencionou a respeito da peruca. Por
que será?
Talvez por
isso a policial tenha negado constantemente os pedidos de Órion para desligar
seu chip e desativá-la do sistema. Se a Comandante do Comando estava realmente na
frequência, copiada na conversa entre elas, uma atitude como essa acarretaria
punições incalculáveis para Uiliam, que já parecia estar sendo duramente castigada,
ao ter que trabalhar fisicamente confinada no prédio R. O “prédio das
aberrações”.
Pela
primeira vez, Órion ficou satisfeita por não pertencer mais à Polícia, mesmo
que legalmente continuasse vinculada ao CCC. Porque se as sanções contra Uiliam
já seriam duras, para o caso de ela desligá-la, a punição imposta contra Órion
por persuadir uma oficial a fazer isso seria muito pior.
Em outras
palavras, agora era ainda mais importante fugir dos radares do Comando, porque se
antes os robôs já a machucaram sem saber quem ela era, com certeza seriam muito
mais cruéis se a abordassem sob este comando. E eles agiriam exatamente assim, com
violência, Órion não tinha dúvidas.
– Às vezes, uma única resposta
dispara outras milhares de questões – Júpiter sorri. Ela sem dúvida lia os
pensamentos de Órion.
– Mas... – Órion fala, com um
pigarro. Não conseguiu se conter, tinha mesmo muitas perguntas, sentia-se quase
se afogando em meio a tantas indagações novas – O Niavva não era um cientista
do CCC?
– Tem muita gente disposta a mudar de
rumo quando descobre do que a vida é feita – Júpiter explica, num tom poético, porém
sincero – O fato de Ptônio Niavva ter sido criado e escravizado pelo sistema
não o impediu de ver que existia o outro lado. O lado humano. Ele e Idélia
Ostrac revolucionaram Trevon por causa disso. Uiliam também, ao seu modo.
– E o bebê? – Órion questiona – O
que houve com o bebê que Uiliam investigava, supostamente sequestrado, antes de
ela e Ptônio se conhecerem?
Júpiter
se limitou a responder erguendo novamente os ombros, como se aquilo fosse apenas
um simples detalhe. Pela expressão em seu rosto, não pareceu esperar por aquela
pergunta, havendo tantas outras que poderiam ser feitas no lugar. Talvez porque
detivesse todas as respostas.
Órion
não perguntou mais nada porque se deixou ser consumida pelos próprios
pensamentos. Enquanto se alimentava com as sobras descartadas pelo Comando
observando o gato comer o que pareceu ser uma ração enviada por Íris, sentiu
que a revelação de que Uiliam sabia da existência do laboratório serviu como a
ponta de uma linha que, ao ser puxada, revelou um novelo muito mais complexo do
que jamais imaginou ter que costurar. Nunca cogitou que sua missão estivesse tão
relacionada com a da colega!
A
questão era saber por que a Comandante decidiu enviá-la de volta a Trevon,
ainda que vendo o mundo pelos olhos de Órion. Aira Acachi não era do tipo que dá
ponto sem nó; absolutamente tudo sempre passava por ela, então ela simplesmente
sabia de tudo, sempre. Sabendo disso, que outra relação poderia haver entre
Órion e Uiliam, além da investigativa? Seu instinto gritava que com certeza havia
algo a mais.
Cansada,
assim que finalmente terminou de comer, Órion recostou-se numa pedra, longe de
estar satisfeita, mas pelo menos não sentia-se mais com tanta fome. Seus
pensamentos estavam compreensivelmente acelerados, mas seu corpo implorava por descanso.
A temperatura na caverna era propícia para isso, bastante amena e agradável, e
mesmo iluminadas as paredes projetavam um clima calmo de tranquilidade. Combinava
com o ronronar do gato, deitado bem ao lado, que serviu para embalar seu sono.
Exausta
depois de um dia extenuante, Órion cochilou sem perceber, mas reparou o momento
em que Júpiter se recolheu para dormir porque, para se aquecer, a mulher se
encostou em seu corpo. Ela deitou-se às suas costas, amoldou o quadril em sua
cintura e se aninhou, como se fosse uma peça de quebra-cabeça que faltasse.
Seus corpos ajustaram-se naturalmente, parecendo ter sido projetados para se
encaixar. Com os braços quebrados esticados para a frente, Órion permitiu-se
ser abraçada por um braço forte que, longe de pesar sobre ela, despertou um
sentimento gostoso de proteção e aconchego.
As pernas
da rebelde se engataram sobre as suas, trançando-se numa junção perfeita e
quentinha, coordenada. Com a respiração suave de Júpiter roçando seu pescoço,
Órion experimentou as horas de sono mais agradáveis que teve em toda a sua
vida, mas que infelizmente foram encerradas da pior maneira, no susto.
No
meio da madrugada, cobertas pelo silêncio enquanto todas dormiam, um estrondo
ensurdecedor irrompeu de repente no ambiente, estremecendo as paredes da gruta,
que tremeram junto com o chão. Tentando se segurar em algo, sem alcançar a mão
de Júpiter, Órion acordou confusa, com a impressão de que o mundo inteiro desmoronava.
Ou o CCC investia em algum ataque pesado, derrubando montanhas como aquela em
que se encontravam.
– Nós temos que sair daqui –
Júpiter grita, puxando Gilles e depois Thaian – A Polícia nos achou, vamos, precisamos
correr – ela insiste, tirando Órion do chão.
O
barulho alto e crescente do que pareceu ser um terremoto raivoso ecoou novamente
pelas paredes da gruta, causando uma melodia estranha com as rochas rolando e
se chocando enquanto tudo chacoalhava, afundava e cedia. Poeiras e detritos
começaram a chover do teto, que tremeu assim que se puseram a correr no escuro.
Pedaços de pedras enormes se soltaram e caíram velozes em direção ao chão,
causando uma troada que lembrava a explosão de um canhão. Mesmo com a lanterna
de Thaian acesa, a cortina de fragmentos rochosos rapidamente obscureceu a
visão de todas.
No
meio da confusão, Thaian vacilou por um segundo, parando durante a fuga. Aos
gritos, afirmou ter ouvido o miado do gato, que podia estar preso debaixo de
alguma pedra. Foi um breve momento de hesitação enquanto ela olhava para os
lados, mas tempo suficiente para ser atingida por um penedo do tamanho de uma nave,
que se soltou do alto, bem em cima de onde estava. Instantaneamente a massa firme
a esmagou sobre o solo rochoso, prendendo suas duas pernas.
– Não! – Gilles gritou, voltando em
sua direção, apesar dos tremores e perigos que envolviam a caverna em colapso.
– Vão, vocês precisam sair daqui –
Júpiter empurra Gilles e Órion para a direção contrária, voltando para resgatar
Thaian.
Valendo-se
de toda a sua força, Júpiter puxou os dois braços da amiga presa, que gritou junto
com ela por conta do esforço, ou de dor. O granito maciço nem se moveu, mesmo diante
do empenho para tirá-lo dali. As rochas continuavam caindo ao redor delas,
enchendo o ar com uma névoa cada vez mais densa, impregnada por um odor acre.
– Você precisa ir, mana... – Thaian
diz, claramente desistindo de lutar. Seu tom de voz foi de lamento e derrota –
Acabe com eles por mim, por todos nós, faça tudo brilhar!
– Thaian, não! – Gilles grita,
tentando também tirar a pedra de cima da amiga. Seus dedos cavaram
desesperadamente as fendas e saliências da rocha maciça, na tentativa
desesperada de encontrar alguma alavanca para libertá-la. Em vão.
– Gilles, vocês precisam sair daqui!
– Júpiter grita, puxando Thaian mais uma vez – Vai! – ela insiste, urrando após
a terceira tentativa de puxar Thaian debaixo da pedra imensa.
Forçada
a correr depois que Júpiter a empurrou mais uma vez, Órion seguiu o rastro de
Gilles, quase como se conseguisse enxergar, apesar do caos que reinava dentro daquele
lugar. Instintivamente desviou de pedras de variados tamanhos que caíram perto
de atingi-la e cada vez que uma rocha maior desabava próximo delas, o chão
tremia em dobro, dando a impressão de que em algum momento se abriria e as
engoliria com a gruta que despencava.
Junto com
um último grito sentido de Júpiter, Órion ouviu atrás de si o alvoroço
geográfico provocado quando a caverna ruiu e tudo desabou, formando uma nuvem imensa
de poeira que, lá fora, foi visível contra o céu poluído. O que se seguiu depois
disso foi um silêncio ensurdecedor.
(continua, aguarde...)
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