Faxina de Ano Novo (conto erótico)
Começo
e fim de ano são sempre datas consideradas propícias para limpeza, arrumação e organização,
seja de armários ou guarda-roupas, seja da sua casa ou até mesmo de sua própria
vida. Isso porque o término de um determinado ciclo automaticamente abre as
portas para a etapa seguinte, sem que tenhamos o menor controle sobre a
passagem do tempo, que diariamente nos leva de uma fase à outra, de maneira muitas
vezes imperceptível. Porém, o que diferencia o Réveillon dos demais feriados é
justamente essa noção de mudança; a percepção de virada faz até com que algumas
pessoas criem listas de resolução, por exemplo, e demais atividades do gênero,
o que inclui as faxinas especiais, como as citadas anteriormente.
Para
Raí, desenxovalhar cada cômodo de seu apartamento era quase um ritual, repetido
ano após ano, sempre na mesma época, em dezembro. Apreciava despertar no mês de
janeiro sem pendências de poeira, bagunça e sujeira, que para ela englobava até
mesmo objetos e roupas que já não usava mais, passado um ano, e que só ocupavam
espaço e acumulavam pó em suas prateleiras e gavetas apertadas.
Em
geral, este era um costume praticado apenas quando ela encontrava-se de bom
humor, porque se desfazer das coisas exige um certo grau de desapego e disposição
que combina com o estado de espírito necessário para uma boa faxina como essas,
de fim de ano. Do contrário, ficava com a impressão de serviço mal feito e se
via impelida a organizar arrumações semelhantes, já no primeiro semestre, o que
a frustrava profundamente.
Por
isso, o calendário de limpeza variava conforme seu humor e temperamento ao
longo do mês de dezembro, o que significa que essa arrumação podia acontecer na
primeira semana ou só na última. Porém, a única regra era limpar tudo antes dos
fogos de artifício, que os vizinhos começavam a estourar já na manhã do dia 30/12.
Ano
passado não foi diferente e ainda em novembro Raí já começou a se programar. Parece
que não, mas passados 360 e poucos dias desde a última arrumação, a impressão
que tinha é que seu apartamento havia se enchido de variados tipos de bagulhada
ao longo dos últimos meses. Em partes porque trazia serviço para casa e muito
do que vinha não era descartado depois. Raí trabalhava com paisagismo, então o
que não faltava era vaso de planta, saco de terra e fertilizantes de todos os
tipos. Sem falar nas ferramentas, e ela tinha várias.
Raí até
se esforçava para ser minimamente organizada, mas na correria do dia a dia as
coisas iam se atropelando e se acumulando pelos cômodos, mesmo contra a sua
vontade. Isso a forçava a depois ter que desviar das pilhas de materiais
diversos que se espalhavam aqui e ali, especialmente na varanda, perto da
entrada, esparramando terra em volta do que ficava empilhado por meses. Por
sorte era mulher de poucos amigos, extremamente antissocial e não tinha o
hábito de receber visitas, pois provavelmente as pessoas não entenderiam aquela
bagunça e a julgariam por viver em meio àquilo.
Que
fique claro: Raí costumava limpar a própria casa, com periodicidade semanal.
Varria o chão, por onde andava, eventualmente passava pano com cera,
desinfetante, lavava o banheiro, tirava pó. Mas o “grosso” mesmo, a bagunça, a
desorganização toda, aquele pequeno caos, isso só era resolvido no fim do ano. Porque
ela era muito ocupada, trabalhava bastante e nas horas vagas gostava de ficar à
toa. Também apreciava limpar a casa de Sabrina, que não era exatamente sua
namorada, embora as duas mantivessem um relacionamento que durava já alguns
anos. Ou seja, fazia lá o que deixava de fazer aqui. E engana-se quem pensa que
ela se arrependia de suas decisões porque isso não ocorria em nenhum momento,
pelo contrário. Arrumar a casa de Sabrina tinha muito mais ônus do que bônus.
E
quando finalmente o fim do ano chegava, inevitavelmente era Sabrina quem mais povoava
sua mente, praticamente alugando um triplex dentro de sua cabeça. Porque faxina
era um gatilho sincero e também devido ao fato de que, no mundo todo, só mesmo
Sabrina tinha capacidade e condições de poder visitá-la, antes de uma limpeza
pesada, sem depois sair falando mal. Talvez porque a amasse (esta era sua
versão favorita), talvez porque o fato de ser psicóloga a deixou acostumada a
fazer análises do que quer que fosse, e por isso disfarçava muitíssimo bem cada
um de seus julgamentos, ao ponto de fazê-la até mesmo acreditar que isso sequer
acontecia, o que possivelmente era o caso. De todo jeito, discrição era sua
palavra de ordem desde sempre. Desde o começo de tudo.
Até
aqui, Sabrina a havia visitado poucas vezes. Três, para ser exata, quando ainda
estavam se conhecendo, o que forçou Raí a mudar sua rotina de faxina pela
primeira vez, especialmente depois do primeiro encontro. Sabrina é do tipo de quem
gosta de comer no chão e com as mãos, e Raí apreciava servi-la bem para
servi-la sempre, o que fazia ainda melhor quando tinha a garantia de poder se entregar
nua num piso bem asseado – ainda que soubesse que, para Sabrina, alguma sujeira
era até que bem-vinda, provavelmente por ser algo que gerava incômodo e ela
adorava cutucar; era perita na arte de provocar e se valia de absolutamente
tudo para isso. Dona Sabrina sabia ser má.
Com o
tempo, os encontros passaram a acontecer no apartamento dela, ou em algum motel,
quando porventura envolviam uma terceira pessoa. Este foi inclusive um dos
motivos que fez Raí se oferecer, anos atrás, para limpar o local onde Sabrina
morava, no oitavo andar de um suntuoso prédio em Pinheiros: a estratégia era
uma forma de manter-se perto, consciente de ser uma privilegiada por estar ali,
uma vez que a mais ninguém era concedido esse tipo de permissão.
Por
causa disso, fazia a faxina sempre excitada. Varria, limpava e encerava cada
centímetro com dedicação, zelo e um capricho primoroso, ciente de que horas depois
se postaria de quatro naquele mesmo chão, porém brilhante, ou na posição que
melhor atendesse às vontades e caprichos de Dona Sabrina. E ainda que depois eventualmente
acabasse não se ajoelhando ou se esfregando em algum local do apartamento (afinal,
havia faxinas que se resumiam a apenas isso), era prazeroso demais deixar tudo
bem limpinho e brilhante para ela, servia quase como uma espécie de preliminar,
mesmo que sem o sexo depois. De qualquer jeito, era muito agradável agradar a
Sabrina.
Inevitavelmente,
por tudo isso, mesmo que estivesse em outro cenário e a vários quilômetros de
distância, toda vez que chegava o fim do ano e Raí puxava do armário o esfregão,
o balde e os panos de chão, Sabrina vinha junto, em lembranças impregnadas de
tesão. Isso criava em sua casa uma atmosfera única e particular, ao ponto de
Raí chegar até a ansiar pelo momento. Sua empolgação combinava com a serotonina
que a arrumação gerava e com a energia menos densa que depois pairava no ar, quando
ela encerrava a limpeza e respirava fundo em cômodos limpos e bem perfumados.
Havia
toda uma programação, digamos, engessada. Raí seguia uma lógica estabelecida há
vários rituais, ou melhor, há várias faxinas, que incluía uma ordem específica
para as limpezas especiais de dezembro, o que a fazia começar se livrando de
tudo o que estava em desarmonia com a decoração local. Levava quase um dia
inteiro nisso, separando o que iria para o lixo, o que podia ser reciclado, o
que voltaria para O Jardim, onde trabalhava, e o que merecia ser acrescido à
sua coleção de itens aleatórios. Nesta primeira e importante etapa, Raí fazia
uma rigorosa seleção também do que já possuía e no fim jogava bastante coisa
fora.
Sem as
pilhas de tranqueiras amontoadas pelos ambientes, era hora da primeira limpeza
no chão. Ela então puxava com a vassoura montinhos de sujeira pela casa para na
sequência vir juntando tudo, com a mesma pá. Gostava de ver o lixo se encher,
mas não era detalhista na limpeza neste primeiro momento porque virar o ano era
sinônimo de faxinar também suas plantas (e ela tinha várias, mesmo morando num
lugar tão pequeno) e mexer com terra inevitavelmente produz sempre uma sujeira
enorme.
Raí à
primeira vista morava sozinha, mas a verdade é que tinha muitas colegas de
quarto, para não dizer inquilinas. E cada uma, com sua própria personalidade,
exigia dela cuidados específicos: mais ou menos poda, mais ou menos rega, mas
todas unanimemente ávidas por substratos, húmus e até mesmo algumas minhocas, sempre
bem-vindas em qualquer jardim. Isso tudo facilmente consumia mais um dia
inteiro, às vezes até dois, porque este era o momento de também lavar as
plantas no apertado box do banheiro, uma por uma. Era um processo trabalhoso e
demorado, mas se havia algo que deixava no ar uma sensação maior de
refrescância, ela desconhecia.
Há
muitos anos Raí era responsável pela sua própria compostagem, num minhocário
tamanho M que ficava acondicionado na estreita área de serviço que tinha ao
lado da cozinha, no canto que fazia sombra. Como era ali que concentrava a
maior parte da bagunça com a organização e limpeza de seu jardim doméstico, era
por ali que começava a faxina na sequência, assim que finalmente cumpria a
etapa das plantas. Dali seguia para a cozinha, então para a sala, até chegar no
quarto, onde investia metade de um dia inteiro arrumando as gavetas do
guarda-roupa. Sim, porque fazia parte de sua faxina de ano novo se livrar do passado,
pois enxergava nesse acúmulo também um certo tipo de sujeira.
Geralmente
nesse momento surgiam peças e mais peças de roupa suja, não se sabe de onde (uma
vez que tinha por hábito ser regrada nesse tipo de cuidado, inclusive com dias
específicos para trocar os lençóis, fronhas e toalhas de banho), mas vale dizer
que essa dinâmica de lavagem era quase um jogo para Raí. Quando o ciclo da
máquina se encerrava, com o silêncio finalmente invadindo o apartamento, ela contava
o número de vestimentas que tinham sido lavadas e separava a quantidade
adequada e teoricamente correspondente de pregadores, que prendia na barra da
bermuda, de acordo com a disponibilidade de varetas do varal (apenas oito). Não
havia prêmios quando acertava, muito embora tirasse sarro de si mesma sempre
que errava a conta e lhe faltavam prendedores na hora de estender a roupa.
Já
perto do fim da arrumação, era hora de varrer o apê novamente, agora com um comprometimento
maior que da vez anterior. Na sequência ela fazia a última rega, que sempre espirrava
um pouco de água, por isso era importante que o chão estivesse limpo. Raí
secava tudo com um pano enrolado em volta do rodo, embebido em desinfetante, de
tempo em tempo o lavando na água corrente do tanque encardido. Antes de passar
cera, varria tudo de novo uma última vez porque pó é um elemento incansável que
adora se agarrar aos cotões que os panos deixam, como se fosse um tipo de atestado
sujo de limpeza.
Raí deixava
para finalizar sua faxina ritualística sempre com o banheiro, que permanecia um
verdadeiro caos enquanto a arrumação durava e que de propósito ela deixava por
último, pois apreciava concluir suas obrigações de um ano inteiro com um
merecido banho em seu banheiro dedicadamente limpo por ela e para ela. Era o
mínimo, depois de tantos dias de empenho, e geralmente esse momento acontecia
ao som dos fogos de artifício que anunciavam a chegada de mais um Ano Novo.
E no
ano passado tudo teria dado certo se não tivesse dado errado, pois mesmo
comprometida a encerrar o ano da mesma maneira de sempre, Raí teve um dezembro
atípico, com um aumento anormal de trabalho que começou ainda em novembro, dobrando
de volume no mês seguinte. Ainda que não tivesse o perfil de viciada em
trabalho (em verdade, trabalhar era algo que só fazia por obrigação), ela tinha
comprometimento com Alessandra, a paisagista que todo mês pagava seu salário. Manter
o emprego era fundamental para garantir suas contas em dia, mas principalmente
porque a chefe lhe fornecia um ambiente de trabalho perfeito, com zero contato
com as pessoas, e encontrar outro ofício assim é algo difícil de se conseguir.
Por
isso, fez hora extra. Várias delas. Trabalhou aos fins de semana e nos feriados
(no de Finados, exaustivamente, e no da Proclamação da República). Foi sem
folga até dia 23/12, sabadão, quando bateu o cartão tarde da noite. E retornou já
na manhã de 26 de dezembro, e foi direto até o sábado seguinte, o último do
ano, quando fechou a loja já perto das 22h. Encerrou 2023 sem o recesso de
sempre, entre o Natal e o Réveillon (que foi adiado para a semana seguinte), e
sem a faxina que deixava sempre explícita essa troca de ciclos.
Para
uma pessoa normal, uma mudança de planos não é nada perto do que isso
representa para quem é sistemática, como Raí. Não cuidar de sua casinha como
costumava fazer representou uma crise crônica de mau humor que perdurou a
primeira semana do ano inteirinha. De folga, se permitiu só gastar as horas
deitada na frente do ventilador, rolando o feed de uma rede social
qualquer, até se perder nos comentários de estranhos que ela jamais conheceria,
sem se importar com a louça acumulada em cima da pia ou com as bolas de sujeira
que voavam pelo chão de madeira, semelhantes a amarantos-do-deserto, aquelas
plantas típicas dos filmes de velho oeste.
Quando
se inspirou a levantar, ao seu tempo, dias depois, obviamente transgrediu o
combinado interno que tinha com ela mesma e mudou toda a ordem daquilo que
seria sua limpeza atípica de verão. Desde o ano passado que não organizava uma
arrumação, então achou por bem começar pelo que mais gostava de fazer: investiu
o primeiro final de semana de janeiro cuidando de suas plantas. Tirou as folhas
ressecadas de cada um dos 348 vasos, podou, lavou e adubou cada uma de suas
companheiras. Distribuiu húmus e minhoca e 15 quilos de terra preta em todas as
dependentes que moravam com ela, que tinham nomes (algumas até sobrenome) e
amor para dar. Raí era capaz de sentir a troca a cada toque e até mesmo a
distância, porque essa é uma energia intensa e quem é mais sensível sente mesmo.
Ao
final do fim de semana, sentiu-se grata porque mesmo com atraso foi
satisfatório poder se dedicar a seres tão especiais, tão queridas. E o verde
bem verde das plantas serviu como resposta e um agradecimento, o que a inspirou
a seguir adiante, sem pressa alguma.
Raí voltou
ao trabalho no dia 08, como a maioria das pessoas, e no retorno lamentou não
ter ganhado a Mega da Virada, como muitos também fizeram. Resignada, se dedicou
à labuta que tampouco a faria milionária, apenas porque era um meio digno de
sobrevivência. Seu lema nessas horas era “alguém com certeza tem um emprego
pior que eu”, o que bastava para consolar, em grande parte das vezes.
Em seu
primeiro sábado de folga, após ter sobrevivido à dura volta da rotina, Raí
prosseguiu na meta de fazer tudo ao contrário e decidiu arrumar as gavetas de
seu guarda-roupa. Tirou tudo, dobrou tudo e guardou tudo. O que não foi
guardado terminou separado para doação, ou foi direto para a lata de lixo
porque há coisas que nem o apego sentimental salva. Ela achava importante abrir
caminho para o novo, que só chega quando o que é velho sai de cena.
Um
truque que Raí não compartilhava com ninguém, pelo motivo de que ninguém lhe
perguntava, era reaproveitar os restos de sabonete: quando ficavam muito
pequenos, impróprios para o banho, ao invés de jogar fora ela colocava nas
gavetas, entre uma camiseta e outra, no meio das bermudas, enrolados nas
toalhas etc. Isso deixava tudo o que ficava guardado sempre muito cheiroso,
além do aroma de sabão em pó e amaciante. E um sinal de que sua arrumação tinha
sido exitosa era sempre constatar, ao final, que as gavetas tinham mais
sabonete do que roupa. Sentia que vencia na vida quando isso acontecia; se
desprender é importante, inclusive (e principalmente) das pequenas coisas.
O
apego domina, mas este era um assunto que ela preferia deixar de lado, embora
fosse algo que Sabrina adorasse trazer à tona, dando sempre um nó na cabeça de
Raí. Mas invariavelmente era algo que pensava quando, por exemplo, colocava na
pilha de roupas para doação um pijama antigo, confortável no passado até ser
substituído por outro, com elástico bom. Raí se desapegava de conjuntos de
short e camiseta de mesma estampa para não se desprender de apegos maiores, por
assim dizer, mas estas decisões eram tomadas de maneira inconsciente, segundo Sabrina.
No
domingo, Raí optou por jogar fora muitas das coisas que trouxe dO Jardim ao
longo de todo o ano anterior, organizou com zelo sua bancada de trabalho (se
desfazendo de tudo o que não servia mais) e deliberadamente só varreu o chão.
Ao invés de passar pano, com desinfetante e cera, preferiu simplesmente beber
uma cervejinha gelada sentada em sua varanda limpa, acompanhando o movimento
dos carros lá embaixo, iluminados pelo pôr do sol, e sem nenhum peso na
consciência tacou o foda-se para o banheiro, que ainda não tinha sido
contemplado com sua dedicação de faxina sazonal.
Talvez
por isso tenha começado pelo fim, passados sete dias. Ainda que bastante cansada
por causa do trabalho e do calor dos últimos dias, Raí acreditava que não tinha
como relaxar quando tudo permanecia sujo, embora agradavelmente organizado. Aí,
agindo como uma rebelde anarquista transgressora que não segue às ordens, no
sábado, bem cedinho, resolveu limpar o banheiro antes de passar cera no chão,
sentindo-se uma verdadeira subversiva, já que era a primeira vez na vida
que não finalizaria a faxina lavando privada e box.
Isso
obviamente a deixou pensativa, tão reflexiva que fez tudo com a cabeça lá na
lua, longe, longe. Enquanto esfregava os rejuntes dos ladrilhos da parede,
ficou pensando em quantas vezes tinha simplesmente invertido a ordem de algo
porque quis, se permitindo viver experiências diferentes. No momento em que
começou a sentir um barato vindo da água sanitária borbulhando em cima do ralo
ela constatou, apoiada na pia, com a pressão baixa, que a última vez tinha sido
talvez a primeira, que poderia também ter criado novas possibilidades, mas ela
se fechou para isso. Essa Porta da Esperança chamava-se Luana e, tão recorrente
quanto Dona Sabrina quando o assunto era faxina, Luana também sempre surgia nos
pensamentos mais sacanas de Raí. Talvez porque era uma grande gostosa, a
companhia mais agradável de Dona Sabrina de todos os tempos, talvez porque,
assim como ela, a publicitária também tinha cartão verde para os aposentos da
dominatrix e por isso Raí tinha aprendido a gostar de Luana; por Sabrina.
O fato
é que o gemido dela ecoava em seus ouvidos sempre que Raí buscava uma
inspiração para a masturbação à noite, antes de dormir. Luana tinha um gemido
gostoso, meio rouco, quase sempre entrecortado por sua constante respiração
acelerada. Era uma combinação tão agradável que eriçava os pelos da nuca de
Raí, sempre que ouvia. E às vezes escutava bem de perto.
Fazia
parte do pacote um olhar sacana, de quem literalmente gosta do que está fazendo
e ao que está se submetendo – que pode ser absolutamente qualquer coisa quando
o assunto é Dona Sabrina, que sabe ser bastante criativa. E não à toa Luana a
instigava a sempre ser original, surpreendendo até mesmo Raí, que a conhecia há
tanto tempo.
Com
Luana, Raí finalmente entendeu o tesão que Sabrina sentia ao mandar mulheres
nuas e molhadas se empinarem, de quatro no chão. Mulheres que, além de
obedecer, também gostavam de apanhar. Luana, por exemplo, escorria. Ficava
linda excitada e mesmo com venda ou amordaçada, a bicha sempre sorria. Uma
delícia, haja autocontrole!
Não
que Raí não gostasse de apanhar, não é isso. Vindo de Dona Sabrina ela aceitava
absolutamente tudo. Tudo. Até experimentar em primeira mão cada item de sua
extensa e variada coleção de chicotes, palmatórias e chibatas, embora não fosse
nem de longe sua parte preferida do rolê. Mas de algum jeito tinha o toque da
Dona e principalmente havia o depois, quando Sabrina cuidava das marcas que ela
mesma se orgulhava de ter provocado.
Sabrina
obviamente tinha conhecimento disso. É claro que tinha, como também sabia que
Raí adorava obedecê-la, mesmo que para atividades que não apreciava, pelo
simples fato de querer agradá-la. Isso a excitava! Não ter o controle das
coisas pode ser um tesão para muita gente. Por isso Raí se submetia a sessões
de tortura que a provocavam de diferentes formas, até quando as duas estavam
distantes. Quem sabe fosse até este o motivo de numa certa tarde Sabrina ter
convidado uma qualquer, como Luana, para ir ao seu apartamento. Se tudo é parte
de um jogo, a única regra é ela sempre ganhar. E Dona Sabrina sempre ganha.
Por
sorte, além de ser uma delícia, Luana também era gente boa. “Sorte” porque ela
começou a frequentar a casa de Dona Sabrina numa frequência admirável, inédita,
inclusive em momentos em que Raí não estava presente. Virou o pet de estimação
preferido, pode-se dizer, muito embora seja chamada de “Caramelo”, como se
fosse só uma simples vira-lata. E Luana detestava usar coleira, reclamava o
tempo todo, fazendo questão de comprovar sua completa falta de modos e pedigree.
Ao
contrário de Raí, Luana não pedia pouca intensidade nas surras. Com fio,
chicote ou com a mão, ela transparecia o prazer que sentia com dor, então era
razoavelmente fácil entender de onde vinha o fascínio de Dona Sabrina. Até Raí
a achava um tesão!
E Raí
poderia ter se divertido de outras formas se tivesse aceitado aos convites de
Luana, que sempre a chamava para sair. Já tinha proposto de irem juntas num
barzinho, jantar num restaurante e até assistir um filme qualquer no cinema, o
que era sempre recusado, de variadas formas, com diferentes motivos, sendo a
maioria inventados na hora. É que Raí achava enfadonho tudo o que envolvia
interações sociais, mesmo com gente que já conhecia, como Luana, porque no
fundo elas não se conheciam de verdade. Raí tinha preguiça de conhecer gente e
mais preguiça ainda de se deixar conhecer. Sabrina certamente colocaria tudo
isso em outros termos, caso falasse a respeito.
E tudo
estava muito certo dentro dela até acontecer esta faxina de Ano Novo. Até Raí inventar
de inverter a ordem de suas atividades de arrumação e começar a pensar nas
oportunidades perdidas por puro comodismo, por completa inércia e ócio. Se
tinha gostado do resultado da limpeza, mesmo antes de terminar o serviço, por
que não experimentar novas possibilidades também em outras áreas, fora de casa?
Pensar
nisso a animou e terminar de limpar o banheiro foi fundamental para que parasse
de respirar a combinação química visivelmente tóxica provocada pela mistura de
produtos de limpeza, que a deixou um pouco zonza, embora bastante consciente de
seu corpo. Quando enfim iniciou a última etapa da faxina que deveria ter
terminado no ano passado, Raí percebeu que estava excitada antes mesmo de pegar
o rodo e os panos de chão.
Luana
aparentemente tinha esse poder sobre as mulheres e Raí sorriu ao pensar que
poderia ser interessante constatar se isso se expandia para além daquelas que
conhecia. Se excitou a imaginando flertando com outras mulheres e se excitou mais
ainda quando se imaginou sendo flertada por ela em público. Era raro encontrá-la
vestida e Raí desejou vê-la assim. Quem sabe até passeariam de mãos dadas.
Enquanto
passava pano na sala, se perguntou: será que Sabrina aprovaria as duas juntas,
como um casal? Será que ficaria enciumada em algum ponto, mesmo que só de
levinho? Teria mais ciúmes dela ou de Luana? Raí não soube responder nenhuma
das indagações porque a simples menção mental à sua existência transformou todo
o rumo do que vinha pensado, porque Dona Sabrina era como um furacão, passava
sempre por cima de tudo. E também porque as memórias de Raí que envolviam
Sabrina e Luana juntas eram as mais excitantes de todas, então era difícil
manter o foco de qualquer jeito.
Ela
deu uma risadinha ao pensar nisso porque no mesmo instante deslizou com o rodo encharcado
de desinfetante no espaço curto na frente da porta, perto do sofá. Ali era onde
Sabrina gostava de mandá-la ficar, com a bunda virada para o corredor, sempre
agitado perto dos elevadores. Ninguém podia vê-la atrás da porta, mas qualquer
um conseguia escutá-la e Sabrina adorava fazê-la gemer ali, mesmo sem querer.
Fosse com uma carícia ou um tapa.
Quantas
vezes ela voltou a se agachar ali, sozinha, para se masturbar no ponto
preferido de Sabrina? Muitas, e Dona Sabrina depois adorava saber dos detalhes de
cada siririca, em especial aquelas em que estava presente, mesmo sem estar. Apreciava
comprovar o quanto ela também gostava daquela parte de seu apartamento, tão
vulnerável em relação à vizinhança, sempre tão ocupada com seus afazeres que
provavelmente nem percebia os sons que vinham de lá. E Raí relatava cada
detalhe, cada pormenor, descrevia cada suspiro e cada som feito pelos vizinhos,
que na cabeça dela provavelmente a consideravam uma tarada esquisita,
antissocial.
Terminar
a arrumação de Ano Novo no dia 20 de janeiro foi um tesão, pois mesmo com bastante
atraso foi satisfatório demais concluir o que havia se proposto a fazer porque,
ao finalizar a sala, Raí não tinha mais nada para limpar, uma vez que o
banheiro já tinha sido lavado, e principalmente porque pensar em Sabrina, em
Luana, e em Sabrina e Luana tinha um poder inebriante, capaz de excitá-la até
mesmo se fosse frígida.
Por
isso, antes de entrar debaixo do chuveiro, Raí já sabia de que maneira aquele
banho terminaria: com uma justa homenagem às mulheres que a deixaram molhada por
causa de uma faxina.
Raí se
despiu e se banhou com o mesmo capricho de sempre, mas com o adendo de aquele
ser seu “banho de fim de ano”, então era mais especial, mesmo que ocorrendo bem
depois do Natal. Ainda assim, sem pressa nenhuma ela lavou o cabelo, ensaboou todo
o corpo e escovou os dentes sentindo a água morna escorrer do alto da cabeça
até o pé, levando embora pelo ralo limpo todo tipo de sujidade, até a mental.
Ao final, antes de fechar a torneira, escorou as costas na parede úmida, abriu
as pernas e puxou o chuveirinho que ficava ali pendurado.
Para
tanto, havia todo um esquema, que começava já na angulação correta das pernas,
que tinham um grau certo de abertura. O limite era imposto pelas próprias
paredes do banheiro, que era estreito, mas tinha cada palmo mapeado por Raí. No
canto do box, com as omoplatas encostando na parede gelada, ela colocava a água
na temperatura correta, ajustando a torneira como se fosse uma senha de cofre
de banco. Aí, com o indicador e o dedo médio da mão esquerda, Raí puxava os
dois lados de sua vulva para cima, se abrindo, se deixando bem exposta, e com o
indicador da mão direita pressionava a saída da água, tornando o jato mais
forte e direcionado, em cima do clitóris.
Em
questão de um minuto sentia que o grelo já começava a ficar duro, inchado de um
jeito que com a mão nunca ficava (ao menos não tão rápido). Ela contraía enquanto
a água estimulava seu ponto mais sensível, numa massagem gostosa, e costumava
pausar três ou quatro vezes para respirar e relaxar todos os músculos. Quando
sentia que o orgasmo começava a surgir, interrompia o fluxo, do jeito que sua
dona gostava, numa tortura perigosa que tinha o potencial de desarmar qualquer
tesão antes da hora, num orgasmo meia-bomba. Mas era um perigo que Raí amava se
arriscar, até por considerar como um exercício de autoconhecimento. Conhecia
bem seus limites nessas horas.
A
tortura era terrível quando imposta por Dona Sabrina, que ao contrário dela,
gostava de sempre ir mais além, arriscando colocar tudo a perder. E colocava,
às vezes, mas se compensava depois, lhe dando outros orgasmos, até mais
intensos que o primeiro, frustrado, como uma espécie de prêmio de consolação. Raí
adorava, tinha vez que até torcia para isso acontecer, pois era um sofrimento
delicioso. Inexplicável.
Com a
água estimulando seu corpo inteiro, a partir do meio de suas pernas, Raí se
lembrou das vezes em que se exibiu para Dona Sabrina se masturbando assim, só
que no banheiro branco da casa dela. A cara que Sabrina fazia era única nessas
horas, seus olhos até brilhavam enquanto percorriam o corpo de Raí de um jeito
que a deixava mais molhada do que só com a água. Sentir-se desejada é muito
excitante, ainda mais por alguém como Dona Sabrina, que pode ter qualquer
mulher que quiser.
Raí gozou
depois da terceira interrupção, quando já estava na beiradinha do limite, ouvindo
os próprios gemidos ecoarem numa parede limpa até o teto, isenta de poeira e sujeira.
Deixou o último jato molhar a buceta já sem pressão por alguns poucos segundos,
passando a mão para ajudar a escorrer parte do tesão, concentrado naquele ponto
que agora latejava em pulsações muito agradáveis. Suas pernas imediatamente
ficaram ainda mais moles, a forçando a se enrolar na toalha para ir se deitar.
Antes
de sair do banheiro, aproveitou o espelho embaçado e se deixou um recado:
“feliz ano novo”, escreveu, com uma letra de forma imitando um texto digitado.
Gostou da história? Lê a Novelinha!
Você pode saber como tudo começou em O contrato, mas Raí, Luana e Sabrina se encontram em A exceção. Há também um tal baile a fantasia que Luana e Sabrina aparecem, mas eu jamais te jogaria lá de maneira desavisada, por motivos de: spoiler.
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