Faxina de Ano Novo (conto erótico)

Começo e fim de ano são sempre datas consideradas propícias para limpeza, arrumação e organização, seja de armários ou guarda-roupas, seja da sua casa ou até mesmo de sua própria vida. Isso porque o término de um determinado ciclo automaticamente abre as portas para a etapa seguinte, sem que tenhamos o menor controle sobre a passagem do tempo, que diariamente nos leva de uma fase à outra, de maneira muitas vezes imperceptível. Porém, o que diferencia o Ré­veillon dos demais feriados é justamente essa noção de mudança; a percepção de virada faz até com que algumas pessoas criem listas de resolução, por exemplo, e demais atividades do gênero, o que inclui as faxinas especiais, como as citadas anteriormente.

Para Raí, desenxovalhar cada cômodo de seu apartamento era quase um ritual, repetido ano após ano, sempre na mesma época, em dezembro. Apreciava despertar no mês de janeiro sem pendências de poeira, bagunça e sujeira, que para ela englobava até mesmo objetos e roupas que já não usava mais, passado um ano, e que só ocupavam espaço e acumulavam pó em suas prateleiras e gavetas apertadas.

Em geral, este era um costume praticado apenas quando ela encontrava-se de bom humor, porque se desfazer das coisas exige um certo grau de desapego e disposição que combina com o estado de es­pírito necessário para uma boa faxina como essas, de fim de ano. Do contrário, ficava com a impressão de serviço mal feito e se via impelida a organizar arrumações semelhantes, já no primeiro semestre, o que a frustrava profundamente.

Por isso, o calendário de limpeza variava conforme seu humor e temperamento ao longo do mês de dezembro, o que significa que essa arrumação podia acontecer na primeira semana ou só na última. Porém, a única regra era limpar tudo antes dos fogos de artifício, que os vizinhos começavam a estourar já na manhã do dia 30/12.

Ano passado não foi diferente e ainda em novembro Raí já co­meçou a se programar. Parece que não, mas passados 360 e poucos dias desde a última arrumação, a impressão que tinha é que seu apar­tamento havia se enchido de variados tipos de bagulhada ao longo dos últimos meses. Em partes porque trazia serviço para casa e muito do que vinha não era descartado depois. Raí trabalhava com paisagismo, então o que não faltava era vaso de planta, saco de terra e fertilizantes de todos os tipos. Sem falar nas ferramentas, e ela tinha várias.

Raí até se esforçava para ser minimamente organizada, mas na correria do dia a dia as coisas iam se atropelando e se acumulando pe­los cômodos, mesmo contra a sua vontade. Isso a forçava a depois ter que desviar das pilhas de materiais diversos que se espalhavam aqui e ali, especialmente na varanda, perto da entrada, esparramando terra em volta do que ficava empilhado por meses. Por sorte era mu­lher de poucos amigos, extremamente antissocial e não tinha o hábito de receber visitas, pois provavelmente as pessoas não entenderiam aquela bagunça e a julgariam por viver em meio àquilo.

Que fique claro: Raí costumava limpar a própria casa, com pe­riodicidade semanal. Varria o chão, por onde andava, eventualmente passava pano com cera, desinfetante, lavava o banheiro, tirava pó. Mas o “grosso” mesmo, a bagunça, a desorganização toda, aquele pequeno caos, isso só era resolvido no fim do ano. Porque ela era muito ocupada, trabalhava bastante e nas horas vagas gostava de ficar à toa. Também apreciava limpar a casa de Sabrina, que não era exatamente sua namorada, em­bora as duas mantivessem um relacionamento que durava já alguns anos. Ou seja, fazia lá o que deixava de fazer aqui. E engana-se quem pensa que ela se arrependia de suas decisões porque isso não ocorria em nenhum momento, pelo contrário. Arrumar a casa de Sabrina tinha muito mais ônus do que bônus.

E quando finalmente o fim do ano chegava, inevitavelmente era Sabrina quem mais povoava sua mente, praticamente alugando um triplex dentro de sua cabeça. Porque faxina era um gatilho sincero e também devido ao fato de que, no mundo todo, só mesmo Sabrina tinha capa­cidade e condições de poder visitá-la, antes de uma limpeza pesada, sem depois sair falando mal. Talvez porque a amasse (esta era sua versão favo­rita), talvez porque o fato de ser psicóloga a deixou acostumada a fazer análises do que quer que fosse, e por isso disfarçava muitíssimo bem cada um de seus julgamentos, ao ponto de fazê-la até mesmo acreditar que isso sequer acontecia, o que possivelmente era o caso. De todo jeito, discrição era sua palavra de ordem desde sempre. Desde o começo de tudo.

Até aqui, Sabrina a havia visitado poucas vezes. Três, para ser exata, quando ainda estavam se conhecendo, o que forçou Raí a mudar sua rotina de faxina pela primeira vez, especial­mente depois do primeiro encontro. Sabrina é do tipo de quem gosta de comer no chão e com as mãos, e Raí apreciava servi-la bem para servi-la sempre, o que fazia ainda melhor quando tinha a garantia de poder se entregar nua num piso bem asseado – ainda que soubesse que, para Sabrina, alguma sujeira era até que bem-vinda, provavelmente por ser algo que gerava incômodo e ela adorava cutucar; era perita na arte de provocar e se valia de absolutamente tudo para isso. Dona Sabrina sabia ser má.

Com o tempo, os encontros passaram a acontecer no apartamento dela, ou em algum motel, quando porventura envolviam uma terceira pessoa. Este foi inclusive um dos motivos que fez Raí se oferecer, anos atrás, para limpar o local onde Sabrina morava, no oitavo andar de um suntuoso prédio em Pinheiros: a estratégia era uma forma de manter-se perto, consciente de ser uma privilegiada por estar ali, uma vez que a mais ninguém era concedido esse tipo de permissão.

Por causa disso, fazia a faxina sempre excitada. Varria, limpava e encerava cada centímetro com dedicação, zelo e um capricho primoroso, ciente de que horas depois se postaria de quatro naquele mesmo chão, porém brilhante, ou na posição que melhor atendesse às vontades e ca­prichos de Dona Sabrina. E ainda que depois eventualmente acabasse não se ajoe­lhando ou se esfregando em algum local do apartamento (afinal, havia faxinas que se resumiam a apenas isso), era prazeroso demais deixar tudo bem limpinho e brilhante para ela, servia quase como uma espécie de preliminar, mesmo que sem o sexo depois. De qualquer jeito, era muito agradá­vel agradar a Sabrina.

Inevitavelmente, por tudo isso, mesmo que estivesse em outro cenário e a vários qui­lômetros de distância, toda vez que chegava o fim do ano e Raí puxava do armário o esfregão, o balde e os panos de chão, Sabrina vinha junto, em lembran­ças impregnadas de tesão. Isso criava em sua casa uma atmosfera única e particular, ao ponto de Raí chegar até a ansiar pelo momento. Sua empolgação combinava com a serotonina que a arrumação gerava e com a energia menos densa que depois pairava no ar, quando ela encerrava a limpeza e respirava fundo em cômodos limpos e bem perfumados.  

Havia toda uma programação, digamos, engessada. Raí seguia uma lógica estabelecida há vários rituais, ou melhor, há várias faxinas, que incluía uma ordem específica para as limpezas especiais de dezembro, o que a fazia começar se livrando de tudo o que estava em desarmonia com a decoração local. Levava quase um dia inteiro nisso, separando o que iria para o lixo, o que podia ser reciclado, o que voltaria para O Jardim, onde trabalhava, e o que merecia ser acrescido à sua coleção de itens aleatórios. Nesta primeira e importante etapa, Raí fazia uma rigorosa seleção também do que já possuía e no fim jogava bastante coisa fora.

Sem as pilhas de tranqueiras amontoadas pelos ambientes, era hora da primeira limpeza no chão. Ela então puxava com a vassoura montinhos de sujeira pela casa para na sequência vir juntando tudo, com a mesma pá. Gostava de ver o lixo se encher, mas não era detalhista na limpeza neste primeiro momento porque virar o ano era sinônimo de faxinar também suas plantas (e ela tinha várias, mesmo morando num lugar tão pequeno) e mexer com terra inevitavelmente produz sempre uma sujeira enorme.

Raí à primeira vista morava sozinha, mas a verdade é que tinha muitas colegas de quarto, para não dizer inquilinas. E cada uma, com sua própria personalidade, exigia dela cuidados específicos: mais ou menos poda, mais ou menos rega, mas todas unanimemente ávidas por substratos, húmus e até mesmo algumas minhocas, sempre bem-vindas em qualquer jardim. Isso tudo facilmente consumia mais um dia inteiro, às vezes até dois, porque este era o momento de também lavar as plantas no apertado box do banheiro, uma por uma. Era um processo trabalhoso e demorado, mas se havia algo que deixava no ar uma sensação maior de refrescância, ela desconhecia.  

Há muitos anos Raí era responsável pela sua própria compostagem, num minhocário tamanho M que ficava acondicionado na estreita área de serviço que tinha ao lado da cozinha, no canto que fazia sombra. Como era ali que concentrava a maior parte da bagunça com a organização e limpeza de seu jardim doméstico, era por ali que começava a faxina na sequência, assim que finalmente cumpria a etapa das plantas. Dali seguia para a cozinha, então para a sala, até chegar no quarto, onde investia metade de um dia inteiro arrumando as gavetas do guarda-roupa. Sim, porque fazia parte de sua faxina de ano novo se livrar do passado, pois enxergava nesse acúmulo também um certo tipo de sujeira.

Geralmente nesse momento surgiam peças e mais peças de roupa suja, não se sabe de onde (uma vez que tinha por hábito ser regrada nesse tipo de cuidado, inclusive com dias específicos para trocar os lençóis, fronhas e toalhas de banho), mas vale dizer que essa dinâmica de lavagem era quase um jogo para Raí. Quando o ciclo da máquina se encerrava, com o silêncio finalmente invadindo o apartamento, ela contava o número de vestimentas que tinham sido lavadas e separava a quantidade adequada e teoricamente correspondente de pregadores, que prendia na barra da bermuda, de acordo com a disponibilidade de varetas do varal (apenas oito). Não havia prêmios quando acertava, muito embora tirasse sarro de si mesma sempre que errava a conta e lhe faltavam prendedores na hora de estender a roupa.

Já perto do fim da arrumação, era hora de varrer o apê novamente, agora com um comprometimento maior que da vez anterior. Na sequência ela fazia a última rega, que sempre espirrava um pouco de água, por isso era importante que o chão estivesse limpo. Raí secava tudo com um pano enrolado em volta do rodo, embebido em desinfetante, de tempo em tempo o lavando na água corrente do tanque encardido. Antes de passar cera, varria tudo de novo uma última vez porque pó é um elemento incansável que adora se agarrar aos cotões que os panos deixam, como se fosse um tipo de atestado sujo de limpeza.

Raí deixava para finalizar sua faxina ritualística sempre com o banheiro, que permanecia um verdadeiro caos enquanto a arrumação durava e que de propósito ela deixava por último, pois apreciava concluir suas obrigações de um ano inteiro com um merecido banho em seu banheiro dedicadamente limpo por ela e para ela. Era o mínimo, depois de tantos dias de empenho, e geralmente esse momento acontecia ao som dos fogos de artifício que anunciavam a chegada de mais um Ano Novo.

E no ano passado tudo teria dado certo se não tivesse dado errado, pois mesmo comprometida a encerrar o ano da mesma maneira de sempre, Raí teve um dezembro atípico, com um aumento anormal de trabalho que começou ainda em novembro, dobrando de volume no mês seguinte. Ainda que não tivesse o perfil de viciada em trabalho (em verdade, trabalhar era algo que só fazia por obrigação), ela tinha comprometimento com Alessandra, a paisagista que todo mês pagava seu salário. Manter o emprego era fundamental para garantir suas contas em dia, mas principalmente porque a chefe lhe fornecia um ambiente de trabalho perfeito, com zero contato com as pessoas, e encontrar outro ofício assim é algo difícil de se conseguir.

Por isso, fez hora extra. Várias delas. Trabalhou aos fins de semana e nos feriados (no de Finados, exaustivamente, e no da Proclamação da República). Foi sem folga até dia 23/12, sabadão, quando bateu o cartão tarde da noite. E retornou já na manhã de 26 de dezembro, e foi direto até o sábado seguinte, o último do ano, quando fechou a loja já perto das 22h. Encerrou 2023 sem o recesso de sempre, entre o Natal e o Réveillon (que foi adiado para a semana seguinte), e sem a faxina que deixava sempre explícita essa troca de ciclos.

Para uma pessoa normal, uma mudança de planos não é nada perto do que isso representa para quem é sistemática, como Raí. Não cuidar de sua casinha como costumava fazer representou uma crise crônica de mau humor que perdurou a primeira semana do ano inteirinha. De folga, se permitiu só gastar as horas deitada na frente do ventilador, rolando o feed de uma rede social qualquer, até se perder nos comentários de estranhos que ela jamais conheceria, sem se importar com a louça acumulada em cima da pia ou com as bolas de sujeira que voavam pelo chão de madeira, semelhantes a amarantos-do-deserto, aquelas plantas típicas dos filmes de velho oeste.

Quando se inspirou a levantar, ao seu tempo, dias depois, obviamente transgrediu o combinado interno que tinha com ela mesma e mudou toda a ordem daquilo que seria sua limpeza atípica de verão. Desde o ano passado que não organizava uma arrumação, então achou por bem começar pelo que mais gostava de fazer: investiu o primeiro final de semana de janeiro cuidando de suas plantas. Tirou as folhas ressecadas de cada um dos 348 vasos, podou, lavou e adubou cada uma de suas companheiras. Distribuiu húmus e minhoca e 15 quilos de terra preta em todas as dependentes que moravam com ela, que tinham nomes (algumas até sobrenome) e amor para dar. Raí era capaz de sentir a troca a cada toque e até mesmo a distância, porque essa é uma energia intensa e quem é mais sensível sente mesmo.

Ao final do fim de semana, sentiu-se grata porque mesmo com atraso foi satisfatório poder se dedicar a seres tão especiais, tão queridas. E o verde bem verde das plantas serviu como resposta e um agradecimento, o que a inspirou a seguir adiante, sem pressa alguma.

Raí voltou ao trabalho no dia 08, como a maioria das pessoas, e no retorno lamentou não ter ganhado a Mega da Virada, como muitos também fizeram. Resignada, se dedicou à labuta que tampouco a faria milionária, apenas porque era um meio digno de sobrevivência. Seu lema nessas horas era “alguém com certeza tem um emprego pior que eu”, o que bastava para consolar, em grande parte das vezes.

Em seu primeiro sábado de folga, após ter sobrevivido à dura volta da rotina, Raí prosseguiu na meta de fazer tudo ao contrário e decidiu arrumar as gavetas de seu guarda-roupa. Tirou tudo, dobrou tudo e guardou tudo. O que não foi guardado terminou separado para doação, ou foi direto para a lata de lixo porque há coisas que nem o apego sentimental salva. Ela achava importante abrir caminho para o novo, que só chega quando o que é velho sai de cena.

Um truque que Raí não compartilhava com ninguém, pelo motivo de que ninguém lhe perguntava, era reaproveitar os restos de sabonete: quando ficavam muito pequenos, impróprios para o banho, ao invés de jogar fora ela colocava nas gavetas, entre uma camiseta e outra, no meio das bermudas, enrolados nas toalhas etc. Isso deixava tudo o que ficava guardado sempre muito cheiroso, além do aroma de sabão em pó e amaciante. E um sinal de que sua arrumação tinha sido exitosa era sempre constatar, ao final, que as gavetas tinham mais sabonete do que roupa. Sentia que vencia na vida quando isso acontecia; se desprender é importante, inclusive (e principalmente) das pequenas coisas.

O apego domina, mas este era um assunto que ela preferia deixar de lado, embora fosse algo que Sabrina adorasse trazer à tona, dando sempre um nó na cabeça de Raí. Mas invariavelmente era algo que pensava quando, por exemplo, colocava na pilha de roupas para doação um pijama antigo, confortável no passado até ser substituído por outro, com elástico bom. Raí se desapegava de conjuntos de short e camiseta de mesma estampa para não se desprender de apegos maiores, por assim dizer, mas estas decisões eram tomadas de maneira inconsciente, segundo Sabrina.  

No domingo, Raí optou por jogar fora muitas das coisas que trouxe dO Jardim ao longo de todo o ano anterior, organizou com zelo sua bancada de trabalho (se desfazendo de tudo o que não servia mais) e deliberadamente só varreu o chão. Ao invés de passar pano, com desinfetante e cera, preferiu simplesmente beber uma cervejinha gelada sentada em sua varanda limpa, acompanhando o movimento dos carros lá embaixo, iluminados pelo pôr do sol, e sem nenhum peso na consciência tacou o foda-se para o banheiro, que ainda não tinha sido contemplado com sua dedicação de faxina sazonal.

Talvez por isso tenha começado pelo fim, passados sete dias. Ainda que bastante cansada por causa do trabalho e do calor dos últimos dias, Raí acreditava que não tinha como relaxar quando tudo permanecia sujo, embora agradavelmente organizado. Aí, agindo como uma rebelde anarquista transgressora que não segue às ordens, no sábado, bem cedinho, resolveu limpar o banheiro antes de passar cera no chão, sentindo-se uma verdadeira subversiva, já que era a primeira vez na vida que não finalizaria a faxina lavando privada e box.

Isso obviamente a deixou pensativa, tão reflexiva que fez tudo com a cabeça lá na lua, longe, longe. Enquanto esfregava os rejuntes dos ladrilhos da parede, ficou pensando em quantas vezes tinha simplesmente invertido a ordem de algo porque quis, se permitindo viver experiências diferentes. No momento em que começou a sentir um barato vindo da água sanitária borbulhando em cima do ralo ela constatou, apoiada na pia, com a pressão baixa, que a última vez tinha sido talvez a primeira, que poderia também ter criado novas possibilidades, mas ela se fechou para isso. Essa Porta da Esperança chamava-se Luana e, tão recorrente quanto Dona Sabrina quando o assunto era faxina, Luana também sempre surgia nos pensamentos mais sacanas de Raí. Talvez porque era uma grande gostosa, a companhia mais agradável de Dona Sabrina de todos os tempos, talvez porque, assim como ela, a publicitária também tinha cartão verde para os aposentos da dominatrix e por isso Raí tinha aprendido a gostar de Luana; por Sabrina.

O fato é que o gemido dela ecoava em seus ouvidos sempre que Raí buscava uma inspiração para a masturbação à noite, antes de dormir. Luana tinha um gemido gostoso, meio rouco, quase sempre entrecortado por sua constante respiração acelerada. Era uma combinação tão agradável que eriçava os pelos da nuca de Raí, sempre que ouvia. E às vezes escutava bem de perto.

Fazia parte do pacote um olhar sacana, de quem literalmente gosta do que está fazendo e ao que está se submetendo – que pode ser absolutamente qualquer coisa quando o assunto é Dona Sabrina, que sabe ser bastante criativa. E não à toa Luana a instigava a sempre ser original, surpreendendo até mesmo Raí, que a conhecia há tanto tempo.

Com Luana, Raí finalmente entendeu o tesão que Sabrina sentia ao mandar mulheres nuas e molhadas se empinarem, de quatro no chão. Mulheres que, além de obedecer, também gostavam de apanhar. Luana, por exemplo, escorria. Ficava linda excitada e mesmo com venda ou amordaçada, a bicha sempre sorria. Uma delícia, haja autocontrole!

Não que Raí não gostasse de apanhar, não é isso. Vindo de Dona Sabrina ela aceitava absolutamente tudo. Tudo. Até experimentar em primeira mão cada item de sua extensa e variada coleção de chicotes, palmatórias e chibatas, embora não fosse nem de longe sua parte preferida do rolê. Mas de algum jeito tinha o toque da Dona e principalmente havia o depois, quando Sabrina cuidava das marcas que ela mesma se orgulhava de ter provocado.

Sabrina obviamente tinha conhecimento disso. É claro que tinha, como também sabia que Raí adorava obedecê-la, mesmo que para atividades que não apreciava, pelo simples fato de querer agradá-la. Isso a excitava! Não ter o controle das coisas pode ser um tesão para muita gente. Por isso Raí se submetia a sessões de tortura que a provocavam de diferentes formas, até quando as duas estavam distantes. Quem sabe fosse até este o motivo de numa certa tarde Sabrina ter convidado uma qualquer, como Luana, para ir ao seu apartamento. Se tudo é parte de um jogo, a única regra é ela sempre ganhar. E Dona Sabrina sempre ganha.

Por sorte, além de ser uma delícia, Luana também era gente boa. “Sorte” porque ela começou a frequentar a casa de Dona Sabrina numa frequência admirável, inédita, inclusive em momentos em que Raí não estava presente. Virou o pet de estimação preferido, pode-se dizer, muito embora seja chamada de “Caramelo”, como se fosse só uma simples vira-lata. E Luana detestava usar coleira, reclamava o tempo todo, fazendo questão de comprovar sua completa falta de modos e pedigree.

Ao contrário de Raí, Luana não pedia pouca intensidade nas surras. Com fio, chicote ou com a mão, ela transparecia o prazer que sentia com dor, então era razoavelmente fácil entender de onde vinha o fascínio de Dona Sabrina. Até Raí a achava um tesão!

E Raí poderia ter se divertido de outras formas se tivesse aceitado aos convites de Luana, que sempre a chamava para sair. Já tinha proposto de irem juntas num barzinho, jantar num restaurante e até assistir um filme qualquer no cinema, o que era sempre recusado, de variadas formas, com diferentes motivos, sendo a maioria inventados na hora. É que Raí achava enfadonho tudo o que envolvia interações sociais, mesmo com gente que já conhecia, como Luana, porque no fundo elas não se conheciam de verdade. Raí tinha preguiça de conhecer gente e mais preguiça ainda de se deixar conhecer. Sabrina certamente colocaria tudo isso em outros termos, caso falasse a respeito.

E tudo estava muito certo dentro dela até acontecer esta faxina de Ano Novo. Até Raí inventar de inverter a ordem de suas atividades de arrumação e começar a pensar nas oportunidades perdidas por puro comodismo, por completa inércia e ócio. Se tinha gostado do resultado da limpeza, mesmo antes de terminar o serviço, por que não experimentar novas possibilidades também em outras áreas, fora de casa?

Pensar nisso a animou e terminar de limpar o banheiro foi fundamental para que parasse de respirar a combinação química visivelmente tóxica provocada pela mistura de produtos de limpeza, que a deixou um pouco zonza, embora bastante consciente de seu corpo. Quando enfim iniciou a última etapa da faxina que deveria ter terminado no ano passado, Raí percebeu que estava excitada antes mesmo de pegar o rodo e os panos de chão.

Luana aparentemente tinha esse poder sobre as mulheres e Raí sorriu ao pensar que poderia ser interessante constatar se isso se expandia para além daquelas que conhecia. Se excitou a imaginando flertando com outras mulheres e se excitou mais ainda quando se imaginou sendo flertada por ela em público. Era raro encontrá-la vestida e Raí desejou vê-la assim. Quem sabe até passeariam de mãos dadas.

Enquanto passava pano na sala, se perguntou: será que Sabrina aprovaria as duas juntas, como um casal? Será que ficaria enciumada em algum ponto, mesmo que só de levinho? Teria mais ciúmes dela ou de Luana? Raí não soube responder nenhuma das indagações porque a simples menção mental à sua existência transformou todo o rumo do que vinha pensado, porque Dona Sabrina era como um furacão, passava sempre por cima de tudo. E também porque as memórias de Raí que envolviam Sabrina e Luana juntas eram as mais excitantes de todas, então era difícil manter o foco de qualquer jeito.

Ela deu uma risadinha ao pensar nisso porque no mesmo instante deslizou com o rodo encharcado de desinfetante no espaço curto na frente da porta, perto do sofá. Ali era onde Sabrina gostava de mandá-la ficar, com a bunda virada para o corredor, sempre agitado perto dos elevadores. Ninguém podia vê-la atrás da porta, mas qualquer um conseguia escutá-la e Sabrina adorava fazê-la gemer ali, mesmo sem querer. Fosse com uma carícia ou um tapa.

Quantas vezes ela voltou a se agachar ali, sozinha, para se masturbar no ponto preferido de Sabrina? Muitas, e Dona Sabrina depois adorava saber dos detalhes de cada siririca, em especial aquelas em que estava presente, mesmo sem estar. Apreciava comprovar o quanto ela também gostava daquela parte de seu apartamento, tão vulnerável em relação à vizinhança, sempre tão ocupada com seus afazeres que provavelmente nem percebia os sons que vinham de lá. E Raí relatava cada detalhe, cada pormenor, descrevia cada suspiro e cada som feito pelos vizinhos, que na cabeça dela provavelmente a consideravam uma tarada esquisita, antissocial.

Terminar a arrumação de Ano Novo no dia 20 de janeiro foi um tesão, pois mesmo com bastante atraso foi satisfatório demais concluir o que havia se proposto a fazer porque, ao finalizar a sala, Raí não tinha mais nada para limpar, uma vez que o banheiro já tinha sido lavado, e principalmente porque pensar em Sabrina, em Luana, e em Sabrina e Luana tinha um poder inebriante, capaz de excitá-la até mesmo se fosse frígida.

Por isso, antes de entrar debaixo do chuveiro, Raí já sabia de que maneira aquele banho terminaria: com uma justa homenagem às mulheres que a deixaram molhada por causa de uma faxina.

Raí se despiu e se banhou com o mesmo capricho de sempre, mas com o adendo de aquele ser seu “banho de fim de ano”, então era mais especial, mesmo que ocorrendo bem depois do Natal. Ainda assim, sem pressa nenhuma ela lavou o cabelo, ensaboou todo o corpo e escovou os dentes sentindo a água morna escorrer do alto da cabeça até o pé, levando embora pelo ralo limpo todo tipo de sujidade, até a mental. Ao final, antes de fechar a torneira, escorou as costas na parede úmida, abriu as pernas e puxou o chuveirinho que ficava ali pendurado.

 Se valer da força da água para gozar não era exatamente como ela mais gostava, mas sem dúvida era o jeito mais rápido de aliviar um tesão. Raí preferia quando estava deitada, mas até se masturbar de cócoras era mais confortável do que simplesmente se equilibrar enquanto se atirava no abismo do tesão, que deixa a gente justamente de perna bamba. Mas isso não significava só por isso que esta modalidade deixava de ser praticada, ao contrário; bater uma usando o chuveirinho depois de tomar banho era um dos esportes preferidos de Raí.

Para tanto, havia todo um esquema, que começava já na angulação correta das pernas, que tinham um grau certo de abertura. O limite era imposto pelas próprias paredes do banheiro, que era estreito, mas tinha cada palmo mapeado por Raí. No canto do box, com as omoplatas encostando na parede gelada, ela colocava a água na temperatura correta, ajustando a torneira como se fosse uma senha de cofre de banco. Aí, com o indicador e o dedo médio da mão esquerda, Raí puxava os dois lados de sua vulva para cima, se abrindo, se deixando bem exposta, e com o indicador da mão direita pressionava a saída da água, tornando o jato mais forte e direcionado, em cima do clitóris.

Em questão de um minuto sentia que o grelo já começava a ficar duro, inchado de um jeito que com a mão nunca ficava (ao menos não tão rápido). Ela contraía enquanto a água estimulava seu ponto mais sensível, numa massagem gostosa, e costumava pausar três ou quatro vezes para respirar e relaxar todos os músculos. Quando sentia que o orgasmo começava a surgir, interrompia o fluxo, do jeito que sua dona gostava, numa tortura perigosa que tinha o potencial de desarmar qualquer tesão antes da hora, num orgasmo meia-bomba. Mas era um perigo que Raí amava se arriscar, até por considerar como um exercício de autoconhecimento. Conhecia bem seus limites nessas horas.

A tortura era terrível quando imposta por Dona Sabrina, que ao contrário dela, gostava de sempre ir mais além, arriscando colocar tudo a perder. E colocava, às vezes, mas se compensava depois, lhe dando outros orgasmos, até mais intensos que o primeiro, frustrado, como uma espécie de prêmio de consolação. Raí adorava, tinha vez que até torcia para isso acontecer, pois era um sofrimento delicioso. Inexplicável.

Com a água estimulando seu corpo inteiro, a partir do meio de suas pernas, Raí se lembrou das vezes em que se exibiu para Dona Sabrina se masturbando assim, só que no banheiro branco da casa dela. A cara que Sabrina fazia era única nessas horas, seus olhos até brilhavam enquanto percorriam o corpo de Raí de um jeito que a deixava mais molhada do que só com a água. Sentir-se desejada é muito excitante, ainda mais por alguém como Dona Sabrina, que pode ter qualquer mulher que quiser.

Raí gozou depois da terceira interrupção, quando já estava na beiradinha do limite, ouvindo os próprios gemidos ecoarem numa parede limpa até o teto, isenta de poeira e sujeira. Deixou o último jato molhar a buceta já sem pressão por alguns poucos segundos, passando a mão para ajudar a escorrer parte do tesão, concentrado naquele ponto que agora latejava em pulsações muito agradáveis. Suas pernas imediatamente ficaram ainda mais moles, a forçando a se enrolar na toalha para ir se deitar.

Antes de sair do banheiro, aproveitou o espelho embaçado e se deixou um recado: “feliz ano novo”, escreveu, com uma letra de forma imitando um texto digitado.


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Você pode saber como tudo começou em O contrato, mas Raí, Luana e Sabrina se encontram em A exceção. Há também um tal baile a fantasia que Luana e Sabrina aparecem, mas eu jamais te jogaria lá de maneira desavisada, por motivos de: spoiler.

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