A exceção – Sabrina (conto erótico)
Essa é a primeira parte da terceira história da terceira temporada da Novelinha <3
Se ainda não leu a segunda, "3xTPM - A ressaca", clique aqui.
Quando nascemos somos mais ou menos como grandes páginas em branco. “Mais
ou menos” porque já na gestação começamos a receber diversas influências que
vão colorindo esse alvo – me refiro a “alvo” no sentido de “brancura”, mas
serve também se nos projetarmos como se fôssemos uma espécie de mira, um grande
círculo vermelho ambulante, uma vez que somos vítimas do nosso próprio meio. Reféns
de nossos destinos.
Ou seja, antes mesmo de nascer já estamos recebendo variadas interferências,
vindas desde o local onde fomos geradas, da genética de nossos pais, dos
sentimentos que permearam a gestação de nossas mães... Depois entra na conta a
educação que recebemos, o ambiente em que crescemos, as companhias, enfim, são diversos
elementos que se enrolam no novelo da vida e nos dão corda, nos transformam em
quem somos. Meio que saímos do abstrato em direção ao realismo. Bem, algumas de
nós, pelo menos.
Não bastasse o que já é muito, há ainda os traumas e todas as demais experiências
que enfrentamos, inclusive os abusos (em especial os psicológicos, mas englobam-se
todos), que terminam por definir nossa personalidade. Nos moldam; nos forjam,
no melhor sentido da palavra. No final das contas, no fim dos dias nos
despedimos desta existência como páginas inteiramente preenchidas, coloridas dos
tons mais variados que você puder imaginar.
Por tudo isso, o ser humano me fascina. Porque ainda que esse conjunto
todo seja verdade, crianças criadas de forma igual e sob o mesmo teto são
capazes de se transformar em pessoas adultas totalmente distintas, mesmo
recebendo estímulos idênticos – seja nos anos iniciais, seja durante uma vida
inteira. E isso é possível porque embora existam cores, e manchas (muitas delas!
Na vida adulta somos praticamente tom sobre tom!), cada pessoa é artista de si
mesma.
Em outras palavras, você se lapida como quiser, como bem entender, independentemente
dos estímulos externos (ou apesar deles). O poder de escolha é capaz de transformações
significativas. Por exemplo, eu escolhi um modo de viver inteiramente baseado
nos meus gostos e nas minhas preferências, que vão além de quem simplesmente
sou, ou meramente só de onde vim. Todos os dias quando acordo, opto por
continuar sendo esta mulher, ciente de que posso mudar, se quiser, todas podem.
O fato é só que não quero.
Já vivi bastante coisa, estou com quase 40 anos, muita gente me conhece por
ser a pessoa que veste esta máscara social, especificamente. Que podia ser
qualquer outra, mas é a que decidi usar, entende? Me cai bem, acho que combina
comigo.
Tem gente que não consegue compreender, é claro. Mas apenas porque muitos
não aceitam as escolhas do outro, até mesmo os gostos, tão particulares, que
variam de pessoa para pessoa. Isso abre uma brecha enorme para o julgamento só porque
é fácil julgar. É fácil criticar o incompreensível, o diferente, o exótico. Minha
sorte é que sou bem resolvida e tenho o dom de relevar o que se diz e o que se pensa
a meu respeito. Se gosta, bom, se não gosta, tudo bem também. Paciência. O
importante é como me sinto e eu me sinto bem.
Mas claro que, como todos no mundo, tenho meu “calcanhar de Aquiles”, uma
kryptonita, meu ponto fraco chamado Giovana. Provavelmente é quem melhor me
conhece no universo, e é de quem proporcionalmente mais escondo meus segredos.
É curioso, nossa relação é bastante complexa.
– Bom, acho que
para fecharmos esse momento com chave de ouro, merecemos uma volta, uma
caminhada ao ar livre – ela diz, fazendo questão de tirar os pratos vazios de
cima da mesa. Me olhou atravessado quando fiquei quieta – O quê? Você me
prometeu!
– Não prometi
nada disso! – me defendo, recostando na cadeira enquanto cruzo os braços, numa
postura mais agressiva do que defensiva. Mas usei um tom ameno quando continuei
a falar só porque ela nunca conseguia me deixar realmente brava – Prometi que
cuidaria de você nessas duas semanas após sua cirurgia. E cumpri com minha
palavra, você foi muito bem tratada esses dias todos. Eu mal saí do seu lado,
nem por um minuto!
– É verdade –
Giovana admite, enrolando a toalha do almoço num movimento lento, cuidadoso.
Seu rosto estava iluminado pelo sol, refletido no espelho da parede, deixando realçadas
suas bochechas rosadas. Parecia mais saudável nesta tarde. Nitidamente estava
sem dor.
– Pois então –
faço questão de dizer.
– Mas é que hoje
é meu último dia aqui, poxa! Daqui poucas horas já estarei de volta à minha
casa e você, de volta às suas atividades, livre de mim – ela
cutuca, usando um tom diferente. Piscou um olho para mostrar que estava
brincando – Vai, vem comigo, só uma voltinha. A gente anda 200 metros e volta.
Eu nem aguento mesmo andar muito, depois desses dias todos de molho... só quero
respirar no sol.
– Você quer sair
de casa para caminhar só 200 metros? – pergunto e faço uma breve pausa,
analisando a ideia – Tá, podemos dar uma volta no quarteirão, tudo bem.
– Que volta em
quarteirão o que – Giovana dá um tapinha no meu braço, rindo. Foi um movimento
leve, como eram seus gestos nos últimos dias – Vamos caminhar no Ibirapuera, eu
te pago um sorvete.
– Que caminhar
em Ibirapuera o que – eu repito o tom usado por ela, de propósito – A essa hora
deve estar lotado... e até chegar lá, e depois achar uma vaga para estacionar o
carro...
– Ai, como você
reclama, Sabrina – ela vira os olhos, mas não parecia estar realmente
aborrecida – Vamos então no Parque Villa Lobos, aqui do lado, na Marginal. A
gente anda um pouquinho e senta perto lá de onde deixam os cachorros brincando.
– Ahn – resmungo,
com zero vontade de sair de casa. Depois de duas semanas diretas em sua
companhia, eu só queria apreciar a minha própria, o silêncio, ficar nua na paz
do meu lar...
– Em cinco
minutos a gente chega lá e o estacionamento é grande, acharemos uma vaga. Por
favor, vai, deixa eu mostrar essas belezinhas para o mundo – ela puxa a
camiseta de algodão para baixo, aumentando o próprio decote, beneficiado pelo
silicone.
Vaidosa, Giovana se olha no
espelho, contemplando os novos seios. Tive que reconhecer que os implantes a
deixaram bonita, me davam uma boa mostra de como eu mesma ficaria, caso um dia
decidisse investir em uma empreitada do tipo. Por ora, porém, minha intenção
quanto a isso era nula, especialmente depois de ver todas as dificuldades
enfrentadas no período pós-cirúrgico. Agora é que ela estava conseguindo segurar
um copo sozinha e beber água sem sentir dor! Eu hein, sai fora.
– Já acha que
valeu a pena? – pergunto, porque senti que já dava para questionar esse tipo de
coisa – Digo, fazer a cirurgia, colocar silicone, passar por tudo isso...
– Com certeza! –
ela responde, sem pestanejar. Me encarou pelo reflexo do espelho, suas mãos
paradas segurando o cabelo no alto, de um jeito meio teatral – No primeiro dia depois
da operação eu já sabia que tinha valido!
– No primeiro
dia você chorou porque não conseguiu se deitar de lado na hora de dormir,
Giovana!
– É, mas porque
estava doendo – ela solta o cabelo e levanta os ombros, como se a resposta
fizesse algum sentido – Vai, pega lá seu tênis, vamos dar uma volta comigo.
Não discuti porque reconheço previamente
quando um ato será em vão. E debater com Giovana depois que ela enfia uma ideia
na cabeça é pura perda de tempo. Insistir agora só me desgastaria e ela não
arredaria o pé mesmo assim, então achei que não me custava atender sua última
vontade. Como bem tinha dito, até de noite ela já estaria de volta à sua casa
no andar de cima e eu, de volta à minha rotina aqui embaixo. Ponderar sobre
isso imediatamente me faz pensar em Raiana, sem querer.
– Ei, planeta
Terra chamando! – Giovana estalou os dedos duas vezes, bem perto do meu rosto,
chamando minha atenção – Perguntei se tudo bem você dirigir. Não acho seguro
pegar no volante ainda...
– Claro que sim,
nem cogitei o contrário! Até porque não imagino como vai fazer para colocar o
cinto de segurança... – resmungo, um pouco mais baixo, voltando a amarrar os
cadarços. Talvez ainda fosse cedo deixá-la preocupada com isso.
– Era nisso que
estava pensando? – ela me cutuca, porque adorava fazer isso. Sentou-se do meu
lado no sofá, bem devagar.
– Não, me
distraí por um momento pensando na faxina que provavelmente vai acontecer por
aqui mais tarde.
– Sei... –
Giovana retruca, em tom de deboche. Já estava pronta para o passeio e por isso
cruzou os braços, me pressionando a agir rápido.
– É verdade,
boba! Você me viu limpando alguma coisa nessas últimas semanas? Não, porque eu
estava te paparicando!
– É, poque você
é uma boa garota – ela ri.
Me levanto do sofá sem dizer
nada porque qualquer que fosse o comentário estaria sujeito a um caminhão de
perguntas que ela certamente descarregaria na sequência. Talvez por isso eu
mantivesse reservada uma parte da minha vida; tenho preguiça de falar sobre o
assunto, principalmente com Giovana. E depois, conforme os anos foram se
passando o assunto foi se acumulando, de maneira proporcional à minha falta de
vontade de conversar a respeito.
Sorrio para ela, esticando minha
blusa, um pouco amassada, mostrando estar pronta para sairmos. A puxei pela mão
do sofá, descendo os olhos sem querer para seu decote avantajado quando ela
ficou em pé. Meu olhar a fez rir, satisfeita. Pareceu ser uma armadilha que
Giovana já sabia ser funcional e eficiente. Embora estivesse vestida de maneira
comportada (com uma calça legging preta e uma camiseta azul, sem
estampa), ao entrarmos no elevador seus seios foram literalmente os primeiros a
embarcar, se destacando em todos os espelhos ao nosso redor. Pareceu que ela só
não fez uma dancinha naquela luz por medo de sentir dor com algum movimento.
– Eu só não performo
uma dança sexy aqui dentro porque tenho medo de doer – Giovana diz, como se conseguisse
ler meus pensamentos – Mas olha que lindo, Sabrina!
Balanço a cabeça em
concordância, a vendo levantar e balançar levemente os dois seios com as mãos,
deixando-os com a aparência de serem ainda mais volumosos do que já estavam.
Instantaneamente pensei no que os seguranças do condomínio estariam pensando,
vendo a cena pelas câmeras do elevador. Aposto tudo o que tenho que nem de
longe era o que eu própria refletia nesse instante.
– Eu sei o que você
está pensando – Giovana diz, finalmente soltando os seios, segundos antes de a
porta do elevador abrir, no subsolo.
– Não sabe, não
– rebato, fazendo questão de andar um passo à frente dela. O alarme do carro sendo
destravado, ecoando na garagem, coincidiu com a chegada de uma mensagem em seu
celular, que fez o som de uma sineta.
– Sei, sim. Eu te
conheço! – ela fala, logo atrás, se esforçando para me alcançar – Nossa, que
merda... – continuou, entrando no carro em seguida, depois de ler a mensagem.
– O que foi? Más
notícias? – pergunto, mesmo sem estar realmente interessada. Valia qualquer
assunto para desviar o foco da conversa.
– Parece que
sim... – ela responde, largando o aparelho em cima da perna só para se prender
ao cinto de segurança, afivelando devagar.
– Você não
avisou que estaria de licença? – questiono, dando partida depois de ver que a
mensagem recebida era de uma paciente dela, que escreveu três mensagens em
caixa alta.
– Avisei, mas também
disse que ela podia me mandar mensagem, em caso de emergência.
– E qual foi a
emergência?
– Não entendi
direito, mas parece que ela botou a esposa para fora de casa – Giovana volta a
ler a mensagem – Acho foda porque a Bruna nunca conta tudo, sabe?
– Sei.
– Mesmo que eu
insista, ela é do tipo que esconde as coisas. Nunca me conta os detalhes, nunca
me conta os pormenores – Giovana deixa de enumerar nos dedos e puxa o cinto com
a mão esquerda, mantendo-o longe dos seios – Ainda bem que nós vamos para um
lugar perto...
– Ainda bem que
você é que quis sair – retruco.
– Ah, mas está
um dia tão gostoso, veja – ela apontou para fora da janela, assim que pegamos o
acesso para a Marginal Pinheiros – Foram quase duas semanas inteiras de chuva,
finalmente o tempo abriu. Já estava ficando mofada...
– É verdade, praticamente
só choveu desde que você desceu lá para casa – respondo, me lembrando que a
última vez em que o céu esteve aberto foi no dia do baile da Rubi. Lembrar da
festa automaticamente me faz pensar em Luana.
– Pois é, e parece
que mais gente quis comemorar a ausência de chuva – Giovana resmunga, ao nos
depararmos com o estacionamento do parque lotado.
– Surpresa
nenhuma isso aqui estar cheio, né? – resmungo também, porque não deu para ficar
calada – Eu avisei, mulher, eu avisei...
– Pipipi, popopó
– Giovana retruca, com zero maturidade.
– Ah, se os seus
pacientes te vissem se comportando assim – eu brinco, rindo da cara dela. Não
fiquei muito tempo irritada porque demos a sorte de logo acharmos uma vaga.
– Ai, nem me
fale em paciente... – Giovana dá um suspiro profundo, ligando o celular mais
uma vez, antes de sair do carro – O que eu faço com essa aqui, hein?
– O que quer que
seja, não vai ser hoje. Deixe que ela se entenda com a esposa, você ainda está
de licença até amanhã.
– Ela colocou a
esposa para fora de casa – Giovana repete a informação, como se eu não tivesse escutado
antes. Cruzou o braço no meu, parecendo se apoiar para andar, mas não fez nenhuma
força – Antes disso a demitiu da empresa, depois que descobriu que ela tinha um
caso com a assistente, há anos.
– Uau – comento,
ajustando meu boné com a mão desocupada, empurrando os óculos escuros para cima
do nariz. Ajeitei o boné dela também, antes de continuar num tom bem ameno –
Mas hoje é sábado, né, meio da tarde, já, não há nada que você possa fazer
agora.
– Não há – Giovana
concorda, se inclinando para olhar para o próprio decote – Olha ali um banco – ela
aponta para a sombra de uma árvore.
– Ué, já cansou?
Não queria ir lá ver os cachorros? Não deu nem 50 metros...
– Tudo bem,
vamos sentar um pouco – ela me puxa em direção ao local onde queria ir – Pega
lá uma água de coco para a gente dividir.
– Não quer
inteira? – pergunto, aceitando a nota de R$ 10 que ela tirou do bolso e me
entregou.
– Não, não
consigo segurar um coco sozinha, preciso que divida comigo – Giovana dá uma risadinha,
aceitando minha ajuda para se sentar. Gemeu baixinho quando finalmente se
acomodou no banco de cimento, segurando a minha bolsa como se fosse uma corda, mas
o gemido pareceu ser de alívio e não de dor.
– Tá, peraí –
digo, a deixando sozinha na sombra.
O parque estava lotado, cheio de
famílias com crianças extremamente barulhentas, que corriam felizes por todos
os lados, aproveitando o calor de um dia tão azul. Havia também diversos
atletas, se exercitando na pista de corrida que circunda todo o local. Enquanto
aguardava ser atendida, tentei me lembrar quando tinha sido minha última visita
a um lugar assim, e em pleno fim de semana, mas não consegui me recordar.
Definitivamente não é o tipo de programa que me agrada, não sou apreciadora de barulho
e gritaria, e detesto muvucas.
Mas por Giovana (e provavelmente só por ela), não me custava quebrar um
pouco a rotina e abrir uma exceção. Afinal, estar ali nem era nada muito
terrível, pensei, ao ver uma mulher bonita passar correndo perto de mim.
– Já está agradecida
pelo meu convite? – Giovana pergunta, me provocando, assim que volto e me sento
ao seu lado. Obviamente tinha me visto olhar para a corredora.
– Ainda não, nem
ganhei o sorvete que você me prometeu – rebato, oferecendo o canudo para ela
beber, segurando o coco com as duas mãos.
– Já te dou, já – ela fala, suspirando
satisfeita depois de saborear alguns goles da água de coco gelada. A caminhada
do carro até aquele banco, mesmo curta, pareceu cansá-la – Seu celular tocou
enquanto estava na fila, desliguei. Você tem uma mensagem não lida há mais de
15 dias!
– Pois é –
respondo, num tom que deixava claro que aquele não era um assunto que eu
gostaria de conversar. Peguei o aparelho dentro da bolsa para ver de quem era a
ligação perdida, mas não reconheci o número.
– Quem é Luana?
– Giovana pergunta, ainda se referindo à mensagem não lida – É alguma namorada?
– E se for? –
rebato, sem responder de propósito.
– Se for ela
deve estar bravíssima com você! Onde já se viu, sequer ter visualizado a
mensagem dela, coitada, por tanto tempo...
– Você é tão
preocupada... – debocho.
– Sou mesmo! –
ela admite, parecendo não reparar na minha ironia.
– Que foi? – pergunto, quando sua postura
corporal muda de repente. A conhecia bem o suficiente para reconhecer quando havia
algum problema – Está sentindo dor? – olho no relógio e calculo mentalmente o
horário da próxima medicação. Estava perto.
– Não, não é nada,
é bobagem. Não está doendo, só pensei aqui... Não sei se devo responder à
mensagem da paciente que botou a mulher para fora... Ela parece estar tão
mal...
– Giovana! Hoje
é sá-ba-do! – insisto, a forçando a beber mais água de coco, empurrando
o canudo para dentro de sua boca – Você está de licença médica. Esteve numa sala
de cirurgia não tem nem 15 dias direito, sossega.
– O fato de ser
sábado não te impediu de estar agorinha há pouco pensando em faxina – ela
retruca, puxando o canudo.
– Quer mesmo
comparar nossas preocupações?
– Não – a
resposta veio acompanhada de uma levantada de ombros – Sabia que ia falar isso,
você é tão previsível! – ela ri – Vai chamar de novo aquela moça esquisita para
limpar o seu apartamento?
– Raiana não é
esquisita – agora quem riu fui eu, pensando que Raiana não era também do tipo
que precisava chamar. Na verdade, o que me fez pensar em faxina mais cedo foi
justamente constatar que daqui alguns instantes eu a encontraria na minha casa,
sem tê-la chamado – E eu não sou previsível!
– Nera
outro nome que ela tinha? – Giovana volta a beber água de coco, puxando minha
mão para perto, como se não tivesse me ouvido.
– Ela se
apresenta como Raí – respondo, balançando o coco para ver quanto tempo mais
ainda teria que segurá-lo. Giovana balança a cabeça sem dizer nada.
– Essa mulher é
esquisita, sim, Sabrina – ela então fala, virando a cabeça discretamente para
acompanhar a corrida de uma moça vestida de calça pink e top – Está sempre de
cabeça baixa, caladona, nas vezes em que fui à sua casa enquanto ela estava lá,
mal abriu a boca, mal respondeu minhas perguntas...
– A pessoa ocupada
com o serviço e você lá puxando papo! O que você queria?
– Ué, queria ver
se ela faria faxina na minha casa também, não custa nada, é no mesmo prédio...
– Giovana levanta os ombros, parecendo realmente não entender o empecilho da
situação.
– Raiana é muito
ocupada, deve ser por isso – desconverso.
– Ela vai limpar
sua casa hoje, em pleno sábado! E à noite! – Giovana rebate, no mesmo instante.
Se levantou quando tudo o que saiu pelo canudo de dentro do coco foi ar – Você
quer sorvete de quê? Limão ou limão?
– Sim, quero de
limão – respondo, sem nem considerar os demais sabores existentes – Você vai
tomar qual?
– E quem é que
sabe? – ela ri, indo até o quiosque perto de nós.
Não sei se Giovana reparou, mas sua
presença chamou a atenção de quem passava por ali, quase todos homens. Me
distraí pensando no inferno que é ser mulher nesse mundo machista e misógino, e
se teria essa disposição em colocar silicone, considerando que seria um motivo
a mais para me olharem na rua. Estava longe com os pensamentos, refletindo que
instantes atrás eu própria tinha olhado para uma moça correndo, e logo depois
Giovana fez o mesmo, mas não cheguei a concluir que se trata de situações
diferentes porque quando voltei a focar nela, vi que não estava mais sozinha.
– Ah, uau –
Luana disse, parando sua corrida de repente, ao se deparar com Giovana na fila
do sorvete. Vi que puxou o fone de ouvido sem muita delicadeza, o rosto todo
virado em direção ao decote dela. Pude ouvir o que dizia porque me levantei nesse
instante e fui ao encontro delas – Por isso você se ausentou, Dona? –
ela passa a mão na testa, secando o suor, sem desviar o olhar – Por favor, me
amarra e me chicoteia agora mesmo, que linda que você está, com todo respeito!
– Caramelo – eu
a chamo, parando ao lado das duas, imediatamente vendo a confusão se instalar
em seu rosto.
Luana tirou os óculos escuros, que ficaram presos por uma cordinha em
volta do pescoço e olhou de novo para Giovana, antes de me olhar mais uma vez. Estava
com o cabelo preso, o rosto corado e a lateral da cabeça raspada de um jeito
que eu ainda não tinha visto. De seu fone de ouvido escapava Bella Ciao numa
versão eletrônica, quase no mesmo ritmo da veia saltada perto de seu ombro
bronzeado, que brilhava por causa do sol e do suor da corrida.
– Mentira que
você é duas! – Luana ri de um jeito nervoso, os braços caindo em direção ao
chão quando ela pareceu não saber o que fazer com as mãos.
– Não sou –
respondo calmamente.
– Ela é uma só –
Giovana responde ao mesmo tempo, num tom mais ofendido. Olhou para mim antes de
continuar – “Caramelo”? Tipo o vira-lata do meme?
– Longa história
– descarto o assunto, afastando com a mão. Foquei então em Luana, aproveitando
que chegou a vez de Giovana ser atendida na fila do sorvete – Não imaginei que te
encontraria aqui... – dou uma olhada nela de cima a baixo e complemento,
cochichando – Gosto dessa sua versão esportista. Não fale nada, ok?
– Ok. Bom que
gosta, Dona – ela cochicha também – Nem eu esperava te encontrar aqui, surpresa
boa! – Luana então abaixa os olhos desta vez para o meu decote. Fingi não me
ofender com o gesto.
– Você é
paciente da Sabrina? – Giovana pergunta para ela, me entregando um picolé de
embalagem verde.
– “Paciente”? –
Luana pareceu ficar confusa. Quase pude ver seus pensamentos se formando porque
foram todos meio gritantes.
– Sim, minha
irmã não é sua psicóloga? – Giovana insiste, olhando depois para mim, em busca
de respostas. Fez a cara que sempre fazia quando me perguntava silenciosamente
se alguém era maluco.
– Você é
psicóloga? – Luana pareceu ficar surpresa, ao me encarar com os olhos e a boca
abertos.
– Está meio por
fora, hein, Caramelo? – Giovana riu, dando uma mordida generosa em seu picolé
de chocolate. Para a minha sorte, não perguntou mais nada.
– Não sabia que você
tinha uma irmã gêmea... – Luana pareceu se desculpar.
– Quase
idênticas – Giovana riu novamente – Exceto pela parte de por acaso encontrar
com alguém num parque e a pessoa me pedir para chicoteá-la! Isso é alguma
espécie de código?
A música do fone parou e o
silêncio imperou na troca de faixas. Vi que Luana engoliu em seco.
– Desculpa – ela
diz, para mim.
– Qual seu nome,
Caramelo? – Giovana parecia estar se divertindo com a cena. Sua pergunta me fez
ter certeza de que ela sabia que eu estava incomodada com esse encontro surpresa
– Sou Giovana, a propósito.
– Acho que já
podemos ir, né? – comento, indisposta a querer socializar ou alimentar uma
interação entre as duas.
– Me chamo Luana
– ela se apresenta, cordial que só.
– Luana! A
Luana! – Giovana repete, a encarando. Vi em seus olhos a satisfação com aquela
resposta – Da mensagem! – ela emenda, rindo de novo – Sim, já podemos ir – complementa,
finalmente olhando para mim com um olhar divertido – Gostaria de nos
acompanhar, Luana?
– Eu... – Luana
balbucia, me olhando brevemente, parecendo constrangida – ... imagina, estou
toda suada, estava correndo.
– Ué, mas na
Sabrina tem chuveiro – Giovana morde a lateral de seu sorvete, que começou a
pingar – Vai, é uma oportunidade ótima para eu te conhecer melhor. Além disso,
vou embora hoje para a minha casa, ela deve estar com saudade de você.
Luana me fitou mais uma vez,
desviando para o chão quando a encarei, depois de olhar atravessado para Giovana.
Pareceu que ela aguardava por uma ordem que a fizesse retomar sua corrida
interrompida. Não deu nenhuma mostra de esperar que eu realmente a chamasse
para nos acompanhar até minha casa, provavelmente porque isso jamais aconteceu
antes, embora a gente se encontre já há algum tempo. Nunca foi algo contemplado
no nosso acordo.
– Eu não sou
previsível – digo para Giovana, que ergue o queixo em resposta, me desafiando –
Se você quiser, pode nos acompanhar até minha casa – falo agora para Luana.
Ela não diz nada num primeiro
momento, mas abre a boca, num claro sinal de espanto e incredulidade. Durou
poucos segundos porque Luana logo se recompôs, quando pareceu analisar o que
meu convite de fato significava.
– Quero muito,
don... Sabrina – diz, voltando a colocar os óculos escuros, talvez para
esconder de mim sua efusão de sentimentos. De seus lábios escapava um largo
sorriso.
Nós então seguimos Giovana, que foi caminhando devagar na frente, em
direção ao estacionamento. Atrás dela pingava um rastro de sorvete de chocolate,
que derretia sob o sol. O encontro com Luana antecipou nossa volta para casa,
mas nenhuma de nós parecia aborrecida por isso. Já estava perto de dar a hora
de Giovana tomar seu remédio contra dor, afinal, e só isso já seria suficiente
para fazê-la querer voltar, mesmo que não tivéssemos encontrado ninguém.
– Gostei dos
seus óculos – comento.
– E eu gostei do
seu convite – Luana rebate, falando bem baixo. Segurou meu dedo mindinho por
breves segundos, soltando antes que chegássemos ao carro.
– Então, Luana
Caramelo, minha irmã te deixou mais de duas semanas sem contato? – Giovana pergunta,
assim que embarca no banco de trás, puxando papo. Não olhou de propósito para
mim, talvez porque sabia que eu a fuzilava com os olhos pelo espelho
retrovisor.
– É, mas eu fui
avisada de que isso aconteceria – Luana afirma, se virando no banco responder,
toda cortês – No dia da festa ela me disse que ficaria uns dias ausente.
– Ah, vocês
foram juntas à festa – Giovana comenta, juntando algumas peças a partir dessa
informação – Aquela festa à fantasia, não é? Da agência de publicidade?
– Levei minha
irmã para me ajudar a escolher o vestido – comento, ao sair do parque dirigindo
devagar. Vi que Luana sorria quando olhei de para ela relance.
– É, eu sou
publicitária, trabalho na Rubi – Luana diz, prestando atenção ao trajeto que
fazíamos.
– Não me diga! –
Giovana exclama.
Não precisei encará-la para saber o que pensava. Eu sabia que a paciente
que a deixou preocupada mais cedo tinha relação direta com alguém da agência,
chefe de Luana, inclusive. Miriá era simplesmente amante da esposa de Bruna, a
mulher que escrevia com letras maiúsculas. Constatei divertida que este quase
poderia ser um caso de rebuceteio, mas de outro nível, porque até nós estávamos
envolvidas.
A informação a calou, Giovana ficou toda concentrada, nem quis perguntar
mais nada. Depois disso Luana também não ficou exatamente confortável em nossa
companhia e imaginei que estivesse pensando ter dito alguma bobagem. Ou estava
sem graça por vir à minha casa pela primeira vez, não sei dizer.
Quando chegamos, deixei que Giovana
entrasse no elevador primeiro e depois dei passagem para Luana, que se manteve
em silêncio até lá em cima. Meu celular voltou a tocar, o mesmo número de
antes, mas eu não quis atender.
– Um dia ainda
aprendo a ter tanto autocontrole – Giovana resmunga, me vendo guardar o
aparelho de volta na bolsa.
– Hoje é sábado
– volto a dizer, como se conversássemos por códigos.
– Não foi uma
crítica! – ela rebate, entrando no apartamento assim que destranco a porta.
– Seja bem-vinda
à minha casa, Caramelo – eu digo para uma Luana meio retraída, parada na
entrada da sala. Deslizei a mão em seu rosto, na tentativa de deixá-la mais
confortável.
Por uma fração de segundos seus
olhos varreram os móveis, os quadros nas paredes, escorregaram pelo abajur
comprido do canto e lamberam os tapetes que se emendavam perto do sofá. Eu a
observei então se recompor, me encarar por alguns milésimos e voltar a olhar
para o chão. Não quis dizer nada porque não era o momento e porque me distraí; fiquei
pensando em qual cheiro ela estaria sentindo, considerando que o aroma do meu
apartamento é tão familiar para mim que já nem sinto mais.
– Vem cá, vou te
levar até o meu quarto, te mostrar onde fica o chuveiro.
Luana segura a mão que estendo
para ela e me segue para dentro do apartamento, evitando de propósito olhar
para o ambiente ao nosso redor. Era boa conhecedora das regras, sabia que na
minha presença deveria sempre manter o olho preso no chão, exceto quando eu falasse
com ela ou lhe desse permissão para levantar a cabeça.
– Aqui está uma
toalha – falo, esperando que ela me olhe antes de continuar – Vou ajudar minha
irmã levando as coisas dela aqui no andar de cima, mas volto em alguns minutos.
Quero que você se comporte, Caramelo. Não fale com estranhos.
– Sim, senhora –
Luana responde num tom de riso, mas rapidamente se apruma – Só vou tomar banho
no seu banheiro, Dona.
– Eu sei.
Ao sair do quarto e fechar a
porta, ainda com a mão na maçaneta, penso na possibilidade de trancá-la. Mas por
parecer um ato exagerado, descarto a ideia e vou ao encontro de Giovana, que
terminava naquele instante de fechar sua mala.
– Bom, se sentir
saudade de mim, sabe onde me encontrar – ela brinca.
– Você sabe que
qualquer coisa pode me chamar, né? – a lembro, arrastando a mala de rodinhas
até o corredor, parando na frente do elevador – Não importa a hora ou o motivo.
Me chama, Gi.
– Pode deixar,
maninha – ela apoia a cabeça no meu ombro, enquanto aguardamos – Agradeço muito
por esses dias todos, pelo cuidado que só você tem comigo.
– Amor não se
agradece – dou um beijo em seu rosto, antes de abraçá-la. A soltei só para
abrir a porta do elevador para que ela entrasse e não fizesse nenhum esforço.
– Sua faxineira
não vai atrapalhar o seu encontro com sua namorada? – Giovana pergunta,
ao subirmos um andar.
– Eu não as
chamaria assim – resmungo, torcendo para dar tempo de descer antes de Raiana
chegar. Tinha me esquecido dela – Pronto, entregue – falo, destrancando a porta
de sua casa – Vou ficar com o celular por perto, qualquer coisa me liga que
venho aqui.
– Tá bom.
– Até amanhã,
peituda!
– Até amanhã,
original de fábrica!
Ao ver que o elevador já tinha
ido embora, considero descer de escada, mas decido esperar porque me lembro que
o sensor da escadaria do prédio é falho, não detecta presença e mantém as luzes
apagadas mesmo quando estou passando por ali. Sem o celular para iluminar os
degraus, não usar o elevador pode até ser arriscado, então me preservo e aguardo.
Nos segundos de espera, me pego pensando em Luana lá embaixo. Que surpresa boa esbarrar
com ela no parque justo no dia em que Giovana voltou para casa! Eu a merecia
nesta noite.
Abri a porta de casa pensando
nas formas como gostaria de me satisfazer e já na sala ouvi uma discussão
acalorada, com vozes exaltadas vindas do quarto. Demorei tentando entender o
que estava acontecendo, mas a chamei antes mesmo de abrir a porta.
– Raiana, pare
já o que está fazendo – ordeno, demorando alguns segundos até localizá-la na
penumbra do quarto, que estava com as luzes todas apagadas. Ao ouvir minha voz,
as duas imediatamente pararam a discussão e se calaram – O que é que está acontecendo aqui, alguém
pode me explicar? – pergunto, batendo a
mão com força no interruptor, sem obter nenhuma resposta – Ei, vira-lata?
Luana só me olhou e abaixou a
cabeça, sem me responder. Vestia ainda a roupa da corrida e seu rosto estava
mais vermelho do que quando a vi correndo no parque. Parecia furiosamente
zangada, não muito diferente da expressão que estampava o rosto de Raiana.
– Saio por dois
minutos e me deparo com isso... – resmungo, caminhando até o banheiro e
acendendo a luz – Achei que você ia tomar banho.
– Eu vou, Dona...
– Luana resmunga, cabisbaixa.
– Então vai! O
que está esperando? – questiono, a fazendo se mexer – E você?
– O quê? Você
não pode me mandar embora só porque ela está aqui! – Raiana dispara, cruzando
os braços, ofendida.
– E desde quando
é você quem determina isso? Eu, hein... – aponto para a porta do quarto, a
convidando a se retirar.
– Dona, por
favor... – ela choraminga, de um jeito meio raro.
– Não estou te
mandando embora, estou te pedindo para sair.
Raiana não move nem um músculo,
o que me irrita e me faz deixá-la para trás, bufando, impaciente. Vou até a
cozinha num passo firme, me sentindo frustrada porque de todos os planos, apartar
briga passou bem longe do sensor do meu radar.
– Eu vim para limpar
sua casa – Raiana fala, em tom de desculpas, surgindo de repente na cozinha.
– Não pareceu
ser isso o que estava fazendo lá dentro – rebato, seca, sentando numa cadeira –
Você não queria ficar no quarto?, então é onde vai ficar. Não vai limpar nada
hoje.
– Mas a sua irmã
passou duas semanas aqui, vários dias sem limpar, você gosta que eu limpe... –
ela resmunga, sem me olhar diretamente.
– Agora mudei de
ideia. Você me forçou a mudar de ideia, Raiana. Anda, para o quarto.
– Poxa, Dona...
– Raiana se aproxima alguns passos e encosta o corpo todo em mim, beijando meu
pescoço, me fazendo arrepiar.
– Para o quarto,
eu disse – repito, tentando não amolecer diante dela – Quero que me espere
ajoelhada ao lado da cama.
– Sim, senhora...
– ela murmura, num tom quase inaudível, deixando a cozinha com a cabeça baixa e
o andar arrastado.
Abro uma gaveta perto da pia e
puxo de dentro um maço de cigarro amassado, que ficava ali para os casos de emergência.
Verdade seja dita, tem horas que só a nicotina ameniza a vida, como agora. Alguns
tragos já aliviam parte da tensão que eventualmente me toma, além de ser um eficiente
passatempo, ideal para fazer hora. Enquanto fumava, fiz uma xícara de um dos chás
deixado por Giovana e mandei uma mensagem para saber se ela estava bem. A resposta
dizendo que sim chegou antes que o cigarro acabasse.
Voltei para o quarto depois de
alguns minutos, satisfeita por encontrar o pleno silêncio e Raiana ajoelhada ao
lado da cama, obediente, do jeito que eu havia mandado. Luana estava perto dela,
próxima da janela, mas de costas para mim, enrolada numa toalha, com outra
menor presa no cabelo. Da caixinha de som de cima da mesa ressoava uma música
que não reconheci, com uma batida diferente.
– Olha, não me
interessa como vão fazer para se entender, mas quero que se resolvam – anuncio,
puxando uma toalha de dentro do guarda-roupa para ir tomar banho – Vocês têm 15
minutos – complemento, fechando a porta do banheiro na sequência.
Me dediquei a me lavar sem
pressa, me ensaboando sem me preocupar com as duas lá no quarto, porque as conhecia
bem. Ainda que esta fosse a primeira vez que se vissem, eu sabia das
potencialidades de cada uma. Mais do que isso: tinha pleno domínio de que tanto
Raiana quanto Luana eram bastantes esforçadas na arte de me agradar, cada uma
ao seu modo. Elas iam se acertar.
Ao desligar o chuveiro ouvi que
conversavam, mas o diálogo se dava num tom tão baixo e respeitoso que foi impossível
escutar o que diziam – bem diferente da conversa inicial previamente estabelecida.
Ao retornar para o quarto, 18 minutos depois, elas já não falavam mais nada, e
fiquei satisfeita por encontrá-las exatamente na mesma posição em que as tinha
deixado.
Quando percebeu que eu estava de volta, Luana começou a dançar de um
jeito sexy, toda provocativa, ainda enrolada em uma toalha. Me sentei na ponta
da cama para admirá-la, com Raiana perto de mim, e acariciei seus cabelos enquanto
contemplava Luana me seduzir, numa demonstração de que estava tudo bem entre
nós. Não sou do tipo que promove encontros, mas nesse momento admiti que era
muito bom ter as duas aqui comigo, no meu quarto.
Luana tinha sempre a meta de me surpreender, inovando dentro dos limites do
nosso contrato. Eu a instigava a ser criativa, gostava de provocá-la e fazê-la
sair de qualquer que fosse a zona de conforto em que se encontrava. Ela era
detentora de vários prêmios, afinal, boas ideias definitivamente não lhe
faltavam; sua mente era povoada delas, e das melhores! A dança certamente era
por isso.
Ela permaneceu de costas para mim, de vez em quando me encarando de
relance por cima do ombro, virando o lado com a cabeça raspada e deixando
escapar um meio sorriso quando constatava que sua audiência estava em alta. A
toalha que a cobria parcialmente deslizou para o chão depois que ela sentou num
pufe, fazendo uma breve pausa antes de abrir sedutoramente as pernas, deixando suas
costas desnudas completamente à mostra, com o cabelo solto escorrendo abaixo
dos ombros em direção ao cóccix tatuado, de um jeito muito instigante, muito
gostosa.
Ela rebolou, na cadência do som que a embalava, como se estivesse se esfregando
no assento do pufe, em harmonia com o som, a esta altura bastante agitado. Suas
costas se arqueavam e se esticavam, no vai e vem que ela mesma provocava, com
as mãos entre as pernas parecendo querer conter parte do tesão já tão explícito.
Em dado momento, puxou os óculos escuros e prendeu a cordinha das hastes
na boca, como se segurasse entre os lábios uma mordaça invisível ou a guia de
uma coleira imaginária. Aí ficou de quatro no chão e engatinhou provocativa pelo
quarto, veio nua até mim, dando a impressão de ronronar ao se aproximar de Raiana.
Ou foi um rosnado e eu que estou romantizando, não sei. Só sei que ela atendeu
meus desejos implícitos de saciar minhas vontades e sem que eu desse nenhum
tipo de comando ou ordem, se apoiou sobre os joelhos e beijou Raiana, a
enlaçando com um dos braços pela cintura.
Como não houve nenhuma contestação de minha parte, ao contrário, o que
fiz foi suspirar com deleite, apreciando o beijo, a cena toda, Raiana se deixou
ser envolvida pela mulher com quem havia discutido há pouco, deslizando as duas
mãos em seu corpo desnudo com cheiro de sabonete, de cima a baixo, pelas
laterais. Pareceram dançar juntas, ritmadas, mesmo depois que a música mudou.
Longe de querer interromper o momento delas, me debrucei um pouco na cama
para tirar a camiseta de Raiana, que colou o tronco nu em Luana tão logo se viu
despida. As duas tinham um porte físico parecido, mas Raiana era mais fortinha,
talvez por causa do trabalho que exercia. Tinha seios mais avantajados também,
maiores que os de Giovana, mas ao pensar nisso imediatamente descartei o
pensamento e também esse tipo de métrica. Não usaria jamais o implante como
régua, repeti mentalmente, duas vezes.
Foi Raiana quem tirou a própria calça, ciente de que este seria o gesto
que eu faria na sequência. Mas bem que era adestrada, antes aguardou meu olhar
de consentimento para então se despir, primeiro a calça jeans, depois a cueca
boxer, que terminou de empurrar com o pé. Luana a observou sentada nua sobre os
calcanhares, a respiração acelerada provocando pequenos espasmos em seu corpo,
que vibrava, excitado. Ambas pareciam estar gostando daquilo e deixei claro o
quanto também apreciava quando voltaram a se beijar, agora um pouco mais
rápido, um beijo mais urgente.
Raiana é uma velha conhecida e por isso a puxei do chão para a cama
primeiro. Precisei mostrar que ali ela é quem tinha prioridade, mas Luana não
contestou, nem pareceu se aborrecer. Ao contrário, ela aguardou pacientemente,
ajoelhada onde a outra estava antes, até que eu desse o sinal para que também subisse
e nos acompanhasse.
– Na posição, as
duas – ordeno, estalando os dedos uma vez só.
Luana deu uma olhada rápida para
Raiana, antes de também se debruçar no colchão, com o rosto no lençol e a bunda
para cima, virada para mim. Pareceu repentinamente surpresa por aquele ser um
comando compartilhado, mas não demorou muito tempo pensando a respeito e logo a
seguiu, se ajeitando na posição que Raiana já estava, com as mãos nas costas,
os dedos cruzados e as pernas entreabertas. Ficaram as duas com o rosto virado
para o mesmo lado, se encarando, naquela expectativa típica que antecede o ato,
uma cena linda de se ver. Reparei que Luana já estava molhada.
Puxei de perto da cama uma
bisnaga branca de lubrificante e despejei uma porção generosa na ponta do dedo
indicador. O gel, gelado, fez Raiana deixar escapar um gemido quando o apliquei
em seu ânus, que contraiu automaticamente ao sentir minha mão por ali, sem se
anunciar. Lambuzei toda a região fazendo carícias, pressionando, porque ela
gostava, mas especialmente porque eu gostava muito mais.
Raiana gemeu de novo quando inseri um plug, pequeno, mas que deixava para
fora uma longa cauda, igual à de uma raposa, que ela adorava. Antes de me
afastar, estimulei brevemente seu clitóris com o dedo ainda embebido de
lubrificante, e isso a fez gemer de novo, de uma maneira diferente e mais alta
que a anterior, rebolando um pouco no meu antebraço. Nesse momento, inspirada
pelo que via, e ouvia, Luana rebolou de uma maneira quase instintiva,
oferecida. Foi também de maneira automática que lhe dei um tapa de mão cheia,
deixando meus dedos marcados na lateral direita de sua bunda.
Luana pareceu gostar daquilo porque quando foquei de fato nela, vi que
estava sorrindo. Ela repetiu praticamente os mesmos sons feitos por Raiana,
gemendo de maneira mais demorada quando também recebeu um plug anal – este,
normal, com uma joia vermelha na parte de fora imitando um diamante.
Antes de liberá-las para o chão, abri o baú que ficava aos pés da cama com
minha coleção de objetos eróticos, escolhendo o vibrador que melhor se
adaptaria aos meus planos para esta noite, sem pressa. Optei por um
emborrachado de cor roxa, que externamente tinha um estimulador de clitóris
maravilhoso e muito eficiente, comandado por um pequeno controle remoto. Fiz
questão de não vendá-las, pois quis que assistissem ao show que elas mesmas
protagonizariam.
Raiana não entendeu de imediato o que eu tinha em mente, porque quase
sempre permanecia vendada e amordaçada nas nossas sessões, mas sequer ousou
questionar, como sempre muito discreta e paciente, confiante em sua dona. Não
disse nada, nem mesmo quando sentiu o vibrador ser introduzido dentro dela,
segundos antes de eu levantá-la do colchão, sem dizer nada. Em pé, ajeitei o
aparato para que não saísse, antes de levantar Luana. Só ao ver as cordas no pé
da cama é que Raiana pareceu entender o que iria acontecer, e como.
– Gosta da sua
dona? – pergunto para Luana, puxando sua nuca em direção ao meu colo, prendendo
seu rosto por alguns segundos entre meus seios. Ela não relutou, ao contrário;
permaneceu quieta, com as mãos para trás – Gosta? – pergunto mais uma vez,
ciente de que ela não conseguia responder, a asfixiando em minha pele de
propósito, ainda mais forte.
– Gosto sim, Dona,
eu gosto muito – ela responde, sem ar, quando finalmente a afasto alguns
centímetros, o suficiente apenas para encará-la diretamente nos olhos.
– Você acha que
não te vi olhando para o decote da Giovana mais cedo? – inquiro, a pergunta causando
surpresa também em Raiana, que ergueu as sobrancelhas – Basta um silicone e
você até pede por uma surra em plena luz do dia, num parque lotado?
– É que eu achei
que ela era você e...
– Não deixei que
falasse – a interrompo, apertando sua garganta.
– Não sabia que
você tinha uma irmã gêmea, Dona – Luana retruca, apesar da ordem para ficar
quieta. Manteve as duas mãos sobre a minha, tentando respirar.
– Silêncio! – eu
ordeno, balançando a cabeça num claro sinal de desaprovação, antes de soltá-la
de vez.
Observada por ela, desfaço calmamente em cima da cama três novelos de uma
corda preta encerada. Antes de começar a amarrá-las, acionei o controle do
vibrador de Raiana, que gemeu gostoso, em resposta.
Posicionei as duas bem perto uma da outra, com os rostos colados, e as
amarrei como num abraço, seus braços se trançando para trás. Tomei o cuidado de
manter suas cinturas próximas e ainda que Raiana fosse alguns centímetros
menor, consegui manter os púbis praticamente colados, de um jeito que o corpo
de Luana pressionava o estimulador preso na mulher amarrada à sua frente.
Aumentei a intensidade de vibração quando terminei de prendê-las e Raiana
começou a gemer de maneira mais intensa, um gemido gostoso de se ouvir. As
cordas já faziam sulcos na pele das duas, bem firmes. Mesmo sem precisar,
amarrei até as coxas, trançando entre as pernas de uma e de outra, prendendo
até a virilha, só para apreciá-las assim. Senhorita Estela certamente teria
adorado ver uma cena do tipo! Fiquei imaginando como seria a foto que ela
faria, em preto e branco, como era seu estilo principal quando fotografava mulheres
amarradas.
O primeiro som ouvido foi do
chicote estalando no chão, uma prévia do que o instrumento era capaz de fazer.
Raiana e Luana reconheceram o que servia de preliminar para o nosso jogo
erótico.
– Não goza –
falo para Raiana, que não diz nada, apenas segue com os olhos o chicote empunhado
pela minha mão esquerda, quando giro o pulso antes da primeira estalada na
bunda de Luana.
Essa, sem dúvida, é uma das
minhas melodias favoritas. O som do chicote primeiro rasgando o ar para em
seguida estalar na pele... é sensacional! Me faz sentir poderosa como poucas coisas
fazem.
– Dona... – Raiana
resmungou, depois que a tira de couro fino beijou a carne da mulher amarrada
nela, provocando um delicioso gemido que escapou do fundo da garganta de Luana,
que junto resmungou um “ai, ai”, muito sexy.
– Eu disse “não
goza” – ordeno de novo, antes da segunda chicotada, que deixou a pele de Luana
imediatamente marcada, a fazendo gemer ainda mais alto e mais demoradamente.
De maneira instintiva, ao sentir a ardência novamente Luana tentou dar um
passo para a frente, forçando ainda mais o vibrador no clitóris de Raiana, que
gemeu mais alto, pressionada no colchão. Elas não saíram nem um centímetro do
lugar onde estavam presas porque eu tinha tomado o cuidado de prender as duas
também aos pés da cama, de modo que não se movimentassem dali. Notei que nessa
hora Raiana ficou com os nós dos dedos esbranquiçados, não sei bem devido à
qual tipo de força que estava sendo feita. Mas assim como eu, e Luana!, era
notável o quanto Raiana também estava apreciando a tortura.
– Conta –
ordeno.
– Três, ai... –
Luana conta, no meio de mais um murmúrio que pareceu fazer as pernas de Raiana
se amolecerem um pouco, após a terceira chicotada estalar em sua pele mais fina.
Achei que foi um bom sinal para aumentar a intensidade do vibrador dela, mais
uma vez.
Eu sabia bem o poder que aquele
gemido específico tinha e foi indescritível poder observar isso sendo aplicado
à Raiana pela primeira vez, já que ela ainda não conhecia a maravilhosa melodia
de Luana nessas ocasiões tão especiais. Raiana não é exatamente do tipo que
gosta de sentir dor, já que sua predileção envolve mais a parte da submissão,
propriamente dita – por isso vem limpar minha casa com certa frequência; faz
parte do seu fetiche. Mas eu igualmente sabia que ela era uma sincera
apreciadora de sons – som de chicote estalando, som de um tapa bem dado, e
principalmente o som de gemidos e lamúrias provocados por uma boa surra. Nessas
horas se ouve um som de dor, mas é principalmente um som de tesão.
– Hum, quatro –
Luana conta, gemendo junto com Raiana antes do estalo da quinta chicotada –
Cinco, ai, minha dona...
– Ô, Dona... –
Raiana também geme, depois que aumento a potência do seu vibrador para o máximo
– Dona...
– Seis – Luana conta,
sua bunda já toda vermelha. A sexta chicotada atravessou por cima das outras
cinco, marcando a pele dela agora na diagonal. O gemido que soltou foi mais
alto que os anteriores, provocando um murmúrio de Raiana também.
– Raiana – eu a chamo,
porque conhecia bem os gemidos que ela fazia quando estava perto de gozar.
– Sete, ai Dona...
– Luana gemeu como se miasse, mas empinou a bunda para mim, nos limites das
cordas que a amarravam à Raiana.
– Posso, Dona? Me
deixa gozar, por favor, está quase vindo, por favor, por favor – Raiana implora,
com um fio de voz, seus olhos fechando num quase desespero.
– Oooito... –
Luana conta, gemendo.
– Você vai gozar
só quando eu mandar. Ainda não – balanço a cabeça em negativa para Raiana, que
me olhava, antes de aplicar mais um golpe na bunda de Luana, um pouco mais
forte.
– Ai, Dona, nove...
Por favor... – ela ofega.
– Dona... –
Raiana reclama, com os braços num claro sinal de aperto. Seu corpo inteiro
pareceu vibrar, e ela se prendeu ainda mais à Luana – Dona, eu não vou
aguentar, por favor, deixa eu gozar...
Apenas acenei com a cabeça, sem um
comando verbal, especificamente, mas foi um gesto coordenado com o movimento da
última chicotada aplicada na bunda rosa de Luana, que gemeu gostosamente por
conta daquela punição que chegava ao fim e porque o som de Raiana gozando,
gemendo junto com ela, a excitou. Tanto que ela se esfregou no mesmo
estimulador que ainda fazia o clitóris de Raiana vibrar, até que também
atingisse o clímax.
As duas permaneceram ali em pé, paradas
no meio do quarto, porque não tinham para onde fugir. Ficaram vários segundos
ofegantes e presas por várias cordas, parecendo um troféu para mim, que era a
dona das duas, poderosa o suficiente para fazê-las gozarem do meu jeito, e ao
meu tempo.
Honestamente, por mim eu as deixaria
amarradas assim até o dia seguinte, mas tive que soltá-las para que me dessem o
melhor orgasmo que pudessem me oferecer – e ele veio, quente, intenso, compartilhado
em duas bocas ávidas e eficientes em me dar prazer.
Eu nem pretendia, mas passei a noite muitíssimo bem acompanhada, molhada
e bem gozada. E ainda com o bônus de poder contemplar até a manhã de domingo a
arte feita, por mim, no corpo de Luana, que pegava bem algumas marcas, por
exemplo, de chicote de couro e corda encerada.
Pedi uma pizza para nós, porque nem tudo é só sexo nessa vida, e antes do
pedido chegar meu celular tocou mais uma vez e de novo vi na tela o número que
já havia tentado contato mais cedo. Mas não me aborreci pensando na mania que algumas
pessoas têm, em plena era da tecnologia, de telefonar para os outros sem saber
se é um momento oportuno, especialmente em finais de semana, porque facilmente me
distraí com a história que Luana começou a contar para Raiana, as duas nuas na
minha cama, do “baile de máscaras da firma” onde trabalhava, quando sua chefe
foi intimada pela esposa da amante – um assunto que não se calava há dias na
“rádio peão”, segundo ela. Na Agência Rubi, de acordo com a publicitária,
corria à boca pequena que Miriá tinha dado um fora em Célia depois de tudo
isso.
Raiana se interessou pela fofoca, ainda que não conhecesse absolutamente
nenhuma das envolvidas naquele rolo, porque é do ser humano gostar de um bom
bochicho. Já eu gostava mesmo era de ouvir Luana falar, sobre o que quer que
fosse, muito embora registrasse em geral só metade do que ela dizia. Sempre a
achei muito bonita, fascinante mesmo.
Horas mais tarde, já próximo de irmos dormir, com Raiana atravessada nos
pés da cama, como de costume, puxei o celular para perto só para ver se Giovana
estava bem, ou precisando de algo, e foi quando li a mensagem de quem havia me
telefonado mais cedo. Era um texto curto, dizia:
“Oi, psi, sou eu. Desculpa insistir tentando falar com você, meu celular
quebrou, precisei mudar de número... Estou desesperada, Sabrina. Perdi o
emprego, minha mulher me colocou para fora de casa, nem amante eu tenho mais,
ninguém... Será que você consegue um horário para me atender na segunda, bem
cedinho? Grata desde já, desejo um excelente domingo. Abraços, Célia”.
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