3xTPM – A ressaca (conto)

  Essa é a segunda história da terceira temporada da Novelinha <3

Se ainda não leu a primeira, "O baile da Rubi", clique aqui

 

A manhã seguinte à grande festa nO Bistrô acordou chuvosa, com o céu bem escuro, carregado de nuvens trovejantes. A mudança de tempo veio acompanhada por uma queda na temperatura e a previsão segundo o Google era de no máximo 23 graus, à tarde. Quase um domingo propício para o descanso e a preguiça, ideal para assistir qualquer coisa na TV, de conchinha com alguém no sofá – e seria, se não fosse o dia seguinte ao evento, tão agitado em tantos sentidos. A chuva da madrugada limpou bem o ar, deixando-o consideravelmente mais fresco, depois de dias muito secos, mas foi insuficiente para varrer embora a tempestade instaurada na noite anterior na vida do trisal TPM. Nesse sentido, o tempo lá fora combinava com o clima lá dentro.

                Não porque tivessem discutido; não tinham. Mas isso talvez fosse até pior porque parecia haver uma névoa instaurada no sobrado onde moravam, que era tão carregada quanto qualquer clima ruim de briga e que permaneceria ali enquanto elas não resolvessem o que provocava o mal-estar generalizado. A questão é só que, para isso acontecer, as moradoras precisavam estar simultaneamente dispostas a se acertarem. E embora existisse urgência nisso, esse momento ainda não tinha chegado.  

                Claro que esta não era a primeira vez que havia a necessidade de reservarem um tempo apenas para “lavar roupa suja”. Já tinham se desentendido algumas vezes, discutido algumas outras, mas sempre envolvia duas de três delas. No máximo, a terceira interferia para apaziguar, selar a paz ou fazer papel de juíza, quando muito. Quase sempre Mariana, pois Patrícia e Tatiana se estranhavam com mais frequência, mas até ela já tinha se envolvido em situações que terminaram em desentendimento, ora com uma, ora com outra.

Diziam ser inevitável, convívio é foda.

O fato é que agora o motivo era bastante crítico e pesava seriamente sobre Patrícia, de um jeito incômodo e gritante. A mais tradicional das três tinha sido flagrada aos beijos com alguém fora do rolê, o que representava um deslize grave no contrato que tinham e que levavam a sério. Sim, porque precisaram estabelecer certas regras ao se decidirem pelo relacionamento pouco convencional e a primeira, e mais importante, dizia respeito à monogamia. Embora muita gente ache que este casamento é um verdadeiro carnaval, nesse trio só se dança com abadá. Trata-se, portanto, de uma festa reservada em que até cu de bêbada tem dona.

Por isso Mariana bebeu despreocupadamente durante a festa. O restaurante era simplesmente o local mais seguro da face da Terra e ela tinha plena confiança nas esposas que, além de fiéis, estavam bastante atarefadas, com muito trabalho. Ainda que mulheres como Lola acreditassem que num baile de máscaras “ninguém é de ninguém”, elas eram apenas delas. Em teoria, pelo menos.

Tanto é que até quando raramente saíam para outros lugares, fosse um bar, fosse alguma festa, nunca pareceu existir nem mesmo a mais remota possibilidade de uma quarta pessoa se enfiar nesse merengue. “O trisal dO Bistrô” rapidamente se tornou conhecido no brejo, em partes porque servia como exemplo de estabilidade e respeito mútuo. E o sonho de muita sapa também, é claro. Nenhum relacionamento lésbico e/ou sáfico é fácil, mas Tatiana, Patrícia e Mariana faziam parecer que sim, que podia dar certo, que era simples.

E ali estavam elas vivendo um período de baixa, envoltas numa questão que, além de embaraçosa, era inédita. Já havia se passado um tempo desde o ocorrido, horas, mas como ainda não tinham falado nada a respeito, parecia que tinha sido só há alguns instantes. E assim seria enquanto não se resolvessem.

Mariana acordou com a sensação de ter dormido a noite inteira deitada do mesmo jeito na cama, virada para Tatiana. Seu braço esquerdo estava inteiro dormente e o pescoço amanheceu duro. Antes de despertar de fato e abrir os olhos, sentiu atrás dela o calor de Patrícia encostada em seu corpo, costas com costas, e levou alguns (breves) instantes se recordando da noite anterior: da festa, do acidente de carro com a Uber, da esposa beijando sua amiga... Esta foi a lembrança que a fez acordar de verdade, a carga da memória imediatamente pesando na mente, fazendo a cabeça doer. Ou era só ressaca; tinha bebido a noite toda.  

Malditos drinques, Lola!

                Puxou a bombinha de asma que dormia debaixo do travesseiro e aspirou o remédio, numa inspirada profunda, que dilatou os brônquios e desviou seu foco durante dois ou três segundos. Então esfregou os olhos procurando Tatiana, que não estava na cama. Também não achou seus óculos e se levantou meio se arrastando, o corpo custando a querer se mexer, parecendo travado.

                Saiu do quarto sem olhar para Patrícia, que sequer acordou com a movimentação, embora tenha resmungado alguma coisa e se virado, abraçando o travesseiro ao ficar sozinha no colchão gigante. Mariana não gostava de começar o dia zangada, mas era como se sentia. Como por costume acolhia e respeitava seus sentimentos e suas emoções, tomou o cuidado de não fazer barulho ao fechar a porta; não tinha a menor intenção de acordar a esposa. Ainda estava muito cedo para um confronto, qualquer que fosse, e antes disso precisava conversar com a outra mulher.

                Na passagem pelo banheiro do corredor, abriu a torneira e bebeu água direto da pia, parecendo uma adicta. A sede custou a passar, pois seu organismo inteiro estava desidratado.

A cena foi acompanhada de perto por Percival, que levantou de sua poltrona no escritório tão logo a humana acordou. O gato ficou parado na frente da porta, observando Mariana se encarar um tempo no reflexo do espelho, o queixo molhado pingando algumas gotas no pijama azul marinho enquanto ela esfregava com os dedos o delineador misturado com rímel, deixando a volta dos olhos cada vez mais escura. Miou quando ela finalmente terminou de se limpar, vários minutos depois, e também quis beber água na pia, sentado ao lado da cuba. Mariana ficou um tempo encostada na parede, com a vista no gato, mas a mente bem longe dali.

                Na noite anterior tinha voltado mais cedo para casa, junto com Tatiana. As duas se enfiaram dentro de seu carro amassado, deixando para trás um restaurante completamente às escuras e uma festa pela metade. Compreensível, se sentiam como se estivessem vivendo um apagão inesperado dentro do casamento; certamente não teriam sido de muita valia, caso tivessem ficado. Exceto pelo gerador que carregavam no porta-malas, é claro.

                Não falaram muita coisa durante o trajeto, nem quando chegaram em casa e tomaram juntas o banho que lavou uma parte da frustração da noite. Mariana se sentia totalmente alcoolizada, com apenas uma fração dos sentidos desperta, o restinho de sanidade que lhe restava gritando como se fosse um alarme com defeito: uóuóuóm. A visão acompanhava o som que não se calava e o mundo parecia girar junto com o teto do banheiro. Depois do banho ela desceu cambaleante até a cozinha e fez um café no automático, agindo meio que por impulso, guiada por seu instinto de sobrevivência.

Tomou sozinha mais de meio litro de café, sentindo o chão gelado da cozinha debaixo do pé descalço. Ficou deslizando o dedo no celular pelo feed de alguma rede social que seus olhos mal viam.

Subiu para o quarto horas mais tarde, com a sensação de estar um pouco menos ébria, ao ouvir o portão da garagem se abrindo, quando Patrícia chegou de madrugada. Mariana deitou em silêncio, se cobriu até a cabeça e fingiu estar dormindo logo depois, sem saber que Tatiana fazia o mesmo.

Naquela noite, dormiram pouco e mal. Tatiana saiu da cama bem cedo, antes mesmo de amanhecer, depois de lutar contra um sono que não veio de jeito nenhum. Mariana se levantou um tempo depois e encontrou a esposa distraída, contemplando a chuva, sentada num banco de frente para a porta que dava acesso ao pequeno quintal. O relógio pregado na parede da cozinha ainda não marcava nem 6h30 da manhã.

Tatiana escutou Mariana chegar; seus chinelos a anunciaram, estalando no chão a cada passo que ela deu em direção à geladeira. Não se virou para olhá-la, mas a ouviu resmungar antes de desrosquear uma tampa e o silêncio que se seguiu tinha o som dela bebendo água de coco direto da caixinha, com um suspiro no final.

– Noite difícil – Mariana diz, em tom de pergunta. Se curvou abraçando Tatiana por trás, trançando um dos braços sobre seu peito, depositando um beijo no topo de sua cabeça. Depois encostou o dorso inteiro nas costas dela, apoiou o queixo em seu ombro e ficou alguns segundos observando o que ela olhava lá fora.

                Ali havia um quadradinho de grama, cercado pelas plantas que Percival não gostava que ficassem dentro de casa. O quintal nesse momento parecia dançar, com o chão e as florzinhas coloridas de kalanchoe na jardineira do canto balançando a cada gota que se desprendia do céu em direção à terra. Pareciam frágeis diante do impacto daquela garoa insistente, mas resistiam, como se ensinassem alguma espécie de lição sobre resiliência.

                De relance, a chuva fez Mariana se lembrar de uma foto que tinha visto na noite anterior, de um quintal florido forrado de flores amarelas circundando o tronco de uma árvore. Pensou brevemente na capacidade que certas pessoas têm de fotografar a poesia do dia a dia, mas não disse nada porque não pareceu ser um comentário adequado. Não estava no clima para falar amenidades, afinal. E também porque não se lembrava de que a foto em questão tinha sido compartilhada no Instagram da Conexão Sáfica, então seu comentário soaria incompleto. Preferiu poupá-las.

– Noite difícil, sim. Foi impossível dormir – Tatiana diz, inclinando um pouco o rosto para um beijo de bom dia – Fiz café. Encontrei seus óculos dentro da geladeira, achei engraçado – complementa, séria.

– Ah, eu bem que procurei, só que lá em cima... – Mariana dá uma risadinha, parecendo um suspiro – Jamais que ia encontrar – ela coloca os óculos no rosto e ajusta a vista à claridade do quintal.

Distraída, bebeu mais água de coco e serviu-se de café, a caneca inteira, até a borda, antes de puxar um banco e sentar ao lado da esposa. Matar a sede da ressaca sem usar copo era uma espécie de transgressão, embora Patrícia não estivesse vendo, mas Tatiana reparou no gesto.

Ela notou também que Mariana estava usando um chinelo que não era dela, um número menor que seu pé, então seus calcanhares cobertos com meias que não faziam par estavam em contato com o chão. A observou tomando café em silêncio, absorta em seus pensamentos, olhando para a chuva que não cessava lá fora. Manteve os olhos contraídos por trás das lentes dos óculos, como se fosse miopia, mas era chateação. Tatiana sabia.

– Ontem você bebeu bem, né?

– Bebi bem, era uma festa. Não achei que terminaria como terminou... – Mariana resmunga, erguendo os ombros. O final da frase saiu quase inaudível – Achei que O Bistrô estava muito bonito – ela diz, querendo desconversar – E ficou lotado, né? Tomara que o apagão não tenha estragado...

– Com certeza não estragou. Também achei que o restaurante estava lindo, ainda bem que deu tempo de você ver. Antes do blecaute, digo.

– Claro que deu tempo – Mariana rebate, se levantando de repente. Serviu mais café para Tatiana, sem que ela pedisse, e puxou um saco de pão de forma de dentro do armário. Continuou falando enquanto passava margarina em três fatias – Saí para resolver umas coisas na rua, mas fiquei bastante tempo lá, antes da luz acabar. Encontrei um monte de gente que elogiou a decoração.

– Inclusive um monte de gente que você que convidou, imagino – Tatiana ri, só porque Mariana sempre amenizava tudo, mesmo sem querer. Dali percebeu sua falta de cuidado com a margarina, viu que de propósito ela fez vários buracos dentro do pote. Aquilo era outra transgressão contra a dona da cozinha; Patrícia era chata com algumas coisas, como isso.

– Convidei algumas pessoas – Mariana ri também – Só duas. Três, vai, porque a segunda estava acompanhada na hora do convite.

– Até a moça do seu trabalho estava lá que eu vi, Mari. Ou melhor, a Zezé viu e me mostrou. Aquela novinha – Tatiana usa um tom ameno, deixando claro que não era uma crítica.

– A Nicole, sim – Mariana enfia o pão na torradeira, antes de beber mais um gole de café – Ela não é “novinha”, amor. Tem uns 25, já.

– Novinha – Tatiana repete, levantando a mão diante do óbvio.

– Ah, convidei mesmo! A bichinha ficou toda empolgada quando contei sobre a festa. Uma mascarada a mais, uma a menos...

– Sei, e as outras duas?

– Foi a motorista do carro que eu bati – Mariana bebe café novamente, agora para se desviar dos olhos da esposa – ... e a namorada dela. Teve que ser um convite estendido, Tati! Estraguei a noite dela ao bater no carro que é simplesmente o instrumento de trabalho da mulher.

– Entendi. Bateu o carro depois de buscar um gerador que até teria sido útil – Tatiana diz, parecendo pensar em voz alta – Como sabia que a energia ia dar pane?

– Não sabia, foi só um palpite. E também uma forma de fugir e não ter que cumprimentar a DJ – Mariana falou com um fio de voz. As duas torradas pularam bem na hora, sincronizadas com a cena.

– Ah, você conhecia a DJ! Agora entendi! Por que será que não estou surpresa? – Tatiana questiona, vendo a mulher levantar os ombros, mais uma vez se escondendo dentro da caneca de café.

– Enfim... – Mariana resmunga e entrega uma torrada para ela. Oferecer pão para Tatiana era simplesmente a infração máxima às regras da casa, às leis de Patrícia. Um ato de extrema desobediência, beirava a subversão.

– É, enfim... – Tatiana retruca, no mesmo tom de “deixa para lá”. Comeu a torrada porque era rebelde também – Fugiu do contatinho, arranjou coisa para fazer e aí bateu o carro – ela lista, de boca cheia.

– Deixa isso para lá, Tati – Mariana rebate, também de boca cheia. Não sentou até que a terceira fatia pulasse da torradeira – Pode falar da Ivy, mas não vamos conversar sobre a batida, vai... Fiquei tão chateada! Pela dor de cabeça, por ter atrapalhado a noite de alguém...

– O importante é que ninguém se machucou, gatinha. Não no acidente – Tatiana complementa, mastigando devagar, vendo a mulher comer sua segunda torrada.

– É... – Mariana resmunga, com um suspiro profundo saindo na sequência. Terminou calmamente de comer, lambeu três dedos e os limpou na barra do short do pijama, sem nenhuma cerimônia.

– Quem é Ivy? – Tatiana pergunta, como se só agora a tivesse ouvido – Ah tá, é a DJ. Vem cá... – ela termina de comer, para então continuar. Esperou que Mariana a olhasse de volta – Será que por acaso teria alguém nessa cidade que você ainda não pegou?

– Claro que sim! – Mariana se faz de ofendida com a pergunta, mas ri.

– Sei, uhum. Aquela moça que estava na festa com você ontem, por exemplo?

– Não, a Ritinha eu já beijei, umas três vezes – Mariana ri de novo, porque Tatiana também riu – Mas a Nicole não, taí. Pronto.

– Que bom, né? Era só o que faltava, ter histórico amoroso com gente do trabalho... Seria o auge.

– “Amoroso” – Mariana ri. Pensou que jamais escolheria esse adjetivo – Achei legal que na festa vi a Nicole de conversinha com a fotógrafa que a Pati contratou, sabe?

– Sei, a Estela. A fotógrafa do jornal Conexão Sáfica.

– Essa. Gostei de ver, a Nicole é sempre tão... reservada.

– Ela que teve aquele incidente na Sé um tempo atrás, não foi? Que machucou a perna? – Tatiana pergunta, vendo a esposa concordar.

– Tomara que não machuque o coração...

– É, isso não dá para evitar... – Tatiana falou com um tom pesado, se referindo a elas. Porém, permaneceu no assunto – A Estela parece ser uma boa pessoa. Digo, não a conheço muito bem, mas tem jeito de ser direita, pelo menos. E de esquerda! A Zezé parece gostar dela.

– Sim, mas até essas com jeito de boazinha aprontam, né? – Mariana rebate, já mudando a prosa – Você acha que foi mesmo sem querer que a Pati beijou a Lola ontem?

– Não sei, Mari – Tatiana balança a cabeça, em negativa, parecendo sincera e confusa – Entendo que estava tudo escuro, um verdadeiro caos... entendo até que de longe você podia parecer outra pessoa... por causa do chapéu, por causa do tênis e tal...

– Mas...? – Mariana insiste, depois que a mulher ficou em silêncio por longos segundos.

– Mas tem o cheiro, tem o gosto, tem o beijo, tem a pegada... Nós atravessamos o salão inteiro e elas não se largaram. Fico pensando como é que a Patrícia não notou que não era você. Se é que não notou.

– É, concordo. Mas fico pensando também que a Pati tem estado tão cansada... E como você disse, depois que a luz acabou, tudo virou um caos. Sei lá. Acho que a Lola tem mais culpa do que ela.

– A Lola não estava no normal dela, Mari – Tatiana fala, encarada por Mariana – Você que a conhece deveria saber! Praticamente desde a hora em que chegou ela apresentou um comportamento atípico. Antes da festa começar a sua amiga Ivy até comentou que a Lola deu em cima dela. Mais de uma vez!

– Para você é sempre tão mais fácil perdoar os outros – Mariana se queixa, fazendo um bico, contrariada – Mas perdoar a sua própria esposa é uma dificuldade que, nossa...

– Ué, você quer que eu passe a mão na cabeça da Patrícia depois de ela beijar outra mulher dentro dO Bistrô? Eu, hein! – Tatiana apoia o copo térmico no colo, só para poder cruzar os braços.

– Não falei isso...

– Falou, sim.

– Não falei, Tati. Eu só disse que você parece ter dificuldade em relevar os vacilos dela. Patrícia errou mesmo, errou rude. Não estou “passando a mão na cabeça” de ninguém!

– Tá certo, Mariana... – Tatiana rebate, com uma entonação diferente.

– Não, amor. Não quero brigar com você, poxa – Mariana puxa sua mão – Hein? – ela aperta os dedos da mulher, incentivando uma resposta – Não briga comigo não, baby, olha tudo o que está acontecendo à nossa volta...

– Não estou brigando, querida – Tatiana alisa seu rosto, reforçando o que dizia – Não quero brigar com você, gata. Nem com a Patrícia, mas estou zangada, pô.

– Eu sei, também estou. Mas ficar assim não adianta nada e nós precisamos resolver isso.

– Precisamos? – Tatiana rebate a pergunta, sem parecer esperar por uma resposta.

                Mariana não retruca e de propósito evita encará-la. Ficou um tempo olhando para a chuva nos fundos da casa. Quieta, terminou de beber a água de coco da caixinha. A ressaca estava de matar.

– A Ivy não é minha amiga – ela diz, de repente. Quando voltou a falar, pareceu cochichar, de tão baixo que sua voz saiu – E não percebi que a Lola estava estranha porque fiquei pouco nO Bistrô.   

– Pronto!

– Mas porque me sinto incomodada lá, às vezes, Tati – Mariana se defende – Quando digo que a Zezé não vai com a minha cara vocês riem, mas é verdade. E ninguém entre os garçons gosta de mim também, O Bistrô é um ambiente super hostil para mim.

– O Pedro gosta de você.

– O Pedro é do tipo que gosta de todo mundo, não conta – Mariana desconversa, mexendo a mão. Seus ombros se abaixaram sem que percebesse, ao continuar – Lá eu me sinto pisando em ovos, com todo mundo o tempo inteiro me observando.

– E vão sempre te observar. Acha que não me olham também?

– É diferente, Tati...

– Talvez, porque eu relevo. Mas tá, vou conversar com a Zezé e demitir a Andreia.

– Não, amor... – Mariana faz uma careta. Não estava pedindo isso e jamais pediria algo do tipo, ainda que soubesse que a garçonete, sua ex, falasse mal dela.

– Vou, sim. E vou também contratar outra bartender, foda-se. Quer dizer... isso se eu continuar à frente do restaurante – Tatiana suspira, tamborilando as unhas curtas na lateral do copo térmico, pensativa – Sinceramente, não sei o que vai ser de nós, Mari.

                Mariana não diz nada porque não se sentia apta a defender Lola, embora o anúncio a deixasse triste. Sabia que a amiga precisava do emprego, afinal. Mas não rebateu também porque o tom terminativo de Tatiana acabava com ela. Detestava ver a esposa assim. Era horrível vê-las assim.

Por isso, se limitou a recostar a cabeça em seu ombro, em silêncio, se aconchegando na esposa. Não havia nada que pudesse falar, afinal, e também nada que quisesse ouvir exceto a chuva, que cumpria seu papel, alheia aos problemas terrenos.

– Você viu?, o saco se mexendo? – Mariana pergunta, do nada.

– Que saco? Aquele ali com os recicláveis? – Tatiana aponta com a cabeça em direção aos fundos do quintal – Mexeu nada, Mari.

– Mexeu sim, Tati. Vai lá ver, deve ter alguma barata faminta. Mata!

– Que barata, garota? Barata na chuva? Até parece, não vou lá, não.

– Amor... – Mariana resmunga, parecendo um miado. Não viu Tatiana virar os olhos porque ela própria fechou os seus, ao esconder o rosto no antebraço.

                Patrícia apareceu na cozinha nesse instante. Estava descalça, o que era incomum, porque seu chinelo se encontrava nos pés de Mariana, a esta altura em cima do banco. Por isso, saiu do quarto com duas meias coloridas que se destacavam num dia tão cinza. Trazia Percival no colo como se o gato fizesse parte de um (eficiente!) plano de reaproximação com as mulheres. Ela não disse nada num primeiro momento e se deixou ser analisada pelas esposas, que pareceram parar de conversar quando a viram.

                Como era de costume nos momentos em casa, estava com o cabelo solto, o que sempre lhe dava uma aparência diferente do jeito que costumava ser vista no dia a dia. Mariana já tinha dito algumas vezes brincando que esta era sua versão Clark Kent; com a vestimenta do restaurante a mulher parecia assumir seu papel de heroína, uma espécie de alter ego que só era visto nO Bistrô. Particularmente, tanto ela quanto Tatiana diziam gostar mais da versão Patrícia caseira.

                Em dias normais a chef teria ouvido diversos comentários, principalmente de Mariana, a mais galanteadora pelas manhãs. Hoje, ninguém disse nada. Tatiana se limitou a encará-la com os olhos retraídos, pesados de aborrecimento. Infelizmente era um olhar conhecido, já que não era a primeira vez que Patrícia a desapontava. Talvez por isso, naquele instante o olhar de Mariana foi recebido de maneira mais dolorosa, pois carregava um traço de ineditismo. Havia sentimentos em seus olhos que ela ainda não havia expressado, ao menos não desta forma, e que não se amenizaram nem mesmo ao sorrir para Percival, quando o gato miou, quebrando o gelo.

– Bom dia, já tomaram café da manhã? – Patrícia pergunta, sua voz diminuindo conforme falava. Olhou para o copo térmico no colo de Tatiana e a caneca na mão de Mariana. Então seus olhos se voltaram para Tatiana, varrendo as migalhas na camiseta que ela vestia – Querem comer alguma coisa? Posso preparar algo para nós.

– Seria indigesto... – Tatiana retruca, baixinho.

– Não precisa, Pati – Mariana responde, junto com ela. Ao ouvir o que a mulher dizia, segurou brevemente em sua mão, numa tentativa de contê-la, mas logo recuou e a soltou. Pareceu decidir em menos de dois segundos que não exerceria esse papel nesta manhã.

– Indigesto é você se encher de café, Tatiana – Patrícia rebate, demonstrando que tinha ouvido o comentário. Começou a abrir várias portas dos armários, separando uma panela e alguns ingredientes – Não é porque está chateada comigo que deva fugir da sua dieta desta maneira.

– Ah, mas era só o que me faltava, não poder beber um café hoje... Agradeço a sua preocupação, Patrícia, mas pode ter certeza de que não é isso que me faz mal neste momento.

– Tá bom, Tati. Você que sabe – Patrícia vira de costas para elas, dando a conversa por encerrada. Antes de começar a preparar seu desjejum, fez questão de despejar tudo o que ainda tinha na cafeteira dentro de uma caneca cor de rosa, até a última gota. Seu gesto pareceu uma afronta, embora silenciosa.

                Mariana não fala nada, nem mesmo quando Tatiana se levanta e sai da cozinha, batendo o pé. Ficou quieta porque não achou nada de útil para comentar e também porque realmente não estava disposta a falar trivialidades. Mas não quis acompanhar a esposa e ir para outro cômodo, pois ao contrário de Tatiana ela se sentia pronta para encarar Patrícia.  

– Você quer ovo mexido? – a mulher pergunta, sem se virar – Me disseram que você bebeu bem ontem, cheguei em casa e vi que tomou litros de café... Come alguma coisa, Mariana.

– Eu já comi torrada.

– E a Tati? – Patrícia se vira quando não recebe uma resposta e por isso a encara – Você deu pão para ela?

– Dei uma torrada – Mariana responde, seca. Seu tom fez Patrícia se voltar novamente para o fogão, no centro da cozinha.

– Queria entender que tipo de mensagem vocês estão querendo passar fazendo isso... Brincar com a saúde desse jeito, nunca vi...

– Já eu gostaria de saber qual mensagem você quis transmitir ontem à noite, beijando outra. Consegue me dizer?

                A pergunta faz Patrícia finalmente olhar para Mariana, ao se virar em definitivo, cruzando os braços numa postura defensiva. Estampava no rosto uma expressão de quase confusão, mas pareceu sincera quando respondeu.

– Não sei, amor. A impressão que tenho é que, sei lá, sofri um apagão junto com O Bistrô. Queria ter algo que justificasse, mas não tenho. Não sei explicar. Foi só... uma coisa totalmente de momento, algo que aconteceu. Quando vi, você e a Tati já estavam gritando... Eu nem... Sinto muito que esteja chateada.

– Estou zangada, é diferente – Mariana rebate, vendo a esposa se sentar onde Tatiana estava anteriormente. Deixou no balcão o café que ela claramente não pretendia beber.

– Me desculpe por te fazer se sentir assim – Patrícia segura em sua mão e não insiste quando a esposa escapa do contato.

– Quero que você se desculpe por ter beijado outra, Pati – Mariana diz, cruzando os braços, brava. Ergueu uma sobrancelha diante do silêncio – Hein?

– Eu... – Patrícia resmunga, sem dizer nada, levantando os ombros.

                O suspiro ruidoso de Mariana foi tudo o que ouviram. Patrícia pareceu procurar as melhores palavras para se desculpar e notavelmente não encontrou nenhuma, porque se manteve quieta.

– Inacreditável...

– Mari, peraí, deixa eu falar – Patrícia pede, segurando novamente em sua mão. Desta vez, Mariana cedeu e aceitou o toque.

– Diversas vezes a Tati reclamou comigo sobre você e a Lola. Não foi uma ou duas, foram várias.

– Tatiana só tem um ciúmes descabido...

– Que se provou justificado, convenhamos – Mariana rebate – Minha amiga, poxa... Inclusive era isso o que eu dizia para a Tati quando ela reclamava de vocês. “Imagina, é minha amiga, até parece”.

– Não tem essa de “vocês”. Mari, eu fui agarrada no meio da muvuca, o restaurante inteiro estava completamente às escuras. Foi só um beijo e foi sem querer. Não é nada além disso. Eu não pretendia, nem queria.

– Não foi “só um beijo”. Foi um longo beijo. É isso que chateia a sua esposa. E a mim!

– No começo, achei até que era você. Não, minto, primeiro pensei que era a Tatiana, depois que era você, porque consegui ver o tênis quando alguém acendeu a lanterna do celular. Ela me puxou e eu nem entendi o que estava acontecendo! Foi muito rápido, vocês logo apareceram, e depois sumiram, as duas. Nem me deixaram tentar explicar.

– É que não tem explicação, né – Mariana retruca, com a voz carregada de amargura.

– Não tem, mas não foi nada demais. Isso que estou querendo dizer. Foi só um beijo, e um beijo que eu nem queria. Significou menos que os beijos que você deu na DJ da festa. Sim, ela fez questão de me dizer que te conhecia, mas só disse ontem. Te conhece há mil anos, mas só me falou ontem.

– Isso é coisa do passado...

– Mesmo assim – Patrícia rebate.

– ...e na ocasião eu não era casada – Mariana finaliza, soltando a mão de Patrícia.

– Não quis trair vocês, Mari... Desculpe se é o que parece. Eu ando muito cansada, só fui pega de surpresa, tenta entender o meu lado, por favor. Trabalhei tanto esses últimos dias, você não imagina como fiquei quando o silêncio surgiu de repente, um milésimo antes de a luz acabar. Até parece que logo nessa hora eu tentaria fazer algo de errado. Me dá um desconto, poxa.

– Estou tentando, mas é que é difícil para mim também. Não queria ter que abrir o nosso relacionamento, não acho que isso combine com a gente... Não me sinto nada confortável em pensar de ter que dividir você com outras mulheres.

– Nem vai, querida.

– Não quero perder o que nós três temos, Pati – Mariana insiste, com voz de choro – Mal dormi essa noite pensando nisso tudo... – ela coça os olhos por baixo dos óculos, sujando as duas lentes – Não queria que a gente terminasse...

– Não vai perder nada, meu amor. Vem cá – Patrícia a puxa para um abraço apertado. Subiu e desceu a mão por suas costas, numa tentativa de consolá-la e voltou a falar antes de soltá-la, com a boca próxima de seu ouvido – A Tati disse isso? De terminar?

– A Tati não disse nada – Mariana dá uma fungada, saindo do abraço – Mas conheço a minha mulher, reconheço quando ela está zangada. E a Tatiana está muito brava.

– Eu sei. Vou dar o tempo que ela precisa para então conversarmos. Vou me desculpar por não ter feito nada...

– Pati, mas você fez!

– Sim, mas contra a minha vontade, com uma tresloucada – Patrícia diz, se levantando para pegar a comida no balcão. Só então pareceu se lembrar de que ainda não tinha tomado seu café da manhã.

                Quando voltou a sentar ao lado da esposa, não reparou que Mariana a observava. Se sentia desgastada por conta do trabalho e mesmo tendo dormido razoavelmente bem durante a noite, acordou cansada. Distraída, ponderou que provavelmente era porque estavam nesse clima ruim de briga e desconfiança.

– A Tati comentou que a Lola não estava exatamente em seu estado mais normal – Mariana comenta, com a voz um pouco mais amigável, depois de alguns segundos – Não justifica o que ela fez, o que vocês fizeram... Mas explicaria.

– Acredito que na hora do breu ela me confundiu com alguém, Mari. Talvez com a DJ, que quando me contou que te conhecia, comentou também que a Lola tinha dado em cima dela – Patrícia revela, com a mão esquerda tampando a boca cheia – Mas é só uma suposição. Ela pode ter me confundido com qualquer pessoa. Estava escuro, você viu.

Mariana acena com a cabeça, sem dizer nada. Ficou pensando que se realmente Lola estivesse sob efeito de algo, poderia facilmente ter se confundido na hora do apagão. No fundo, não acreditava que ela tivesse intencionalmente agarrado sua mulher, dentro dO Bistrô. Havia um código de lealdade que permeava a amizade das duas e sempre respeitaram as parceiras uma da outra, desde o começo. Não teria motivo para ser diferente agora, quando Mariana vivia o compromisso mais sério de toda a sua existência.

Além disso, não era segredo que uma das coisas que mais a atraía naquele casamento era o fato de ser uma relação pouco convencional. Por isso mesmo Mariana custava a acreditar que a amiga deliberadamente fizesse algo, e justamente com Patrícia. Num tom confessional, em certa ocasião, revelou para Lola que ao conhecer a chef sentiu uma espécie de “amor à primeira vista”, inédito. Ficou bastante atraída por Tatiana também, com quem inclusive percebeu ter maior afinidade depois, mas a crush inicial foi Patrícia.  

Olhou para a mulher ao seu lado, que juntava com três dedos os farelos no prato. Patrícia tinha mãos bonitas, Mariana sempre ficava meio hipnotizada quando as via em ação, qualquer que fosse. Isso a fez acompanhar o movimento de seus dedos finos em direção à boca.

– A falta de luz estragou o seu evento? – ela pergunta, ainda focada na boca da mulher.

– Não – Patrícia sorri para ela. Reconhecia o tom ameno de sua voz, mas foi o olhar de Mariana que comprovou que a esposa já estava com a guarda mais baixa – Seu primo salvou a noite, Mari. Ele resolveu o problema religando o disjuntor. Tão simples! Provavelmente a energia caiu por causa da sobrecarga que você alertou que aconteceria. No fim, foram só uns poucos minutos de apagão, teve até quem achasse que era parte da festa.

– Que bom.

– Isso ou Elias?

– Isso e Elias. Nunca imaginei que justamente ele salvaria a noite – Mariana dá um meio sorriso para a esposa, porque pareciam ter feito as pazes. Ou estavam muito perto disso.

– É, demos sorte. Ninguém mais pensou em verificar o disjuntor. Nem eu! Fiquei tão perplexa com tudo...

– Você soube do babado entre a Bruna e a publicitária da Agência Rubi? A amante da Célia? – Mariana pergunta, mudando de assunto.

– Não quero nem me meter nessa história... – Patrícia resmunga, colocando o prato vazio em cima do balcão, atrás delas – Mas sim, a Bruna me mandou 348 áudios, contando. Fiquei com dó.

– Com dó da Bruna ou da publicitária?

– Não sei – Patrícia responde, reflexiva, olhando para os fundos do quintal. Pareceu ter visto algo se mexendo no lixo – Acho que das duas. Não cheguei a uma constatação, ainda. Não foi algo que me dediquei a pensar direito, se quer saber... Como soube desse rolo?

– Encontrei por acaso uma amiga do passado que trabalha com a tal de Miriá. Ela me contou, ficamos procurando a mulher um tempão... Mas não achamos, aí logo depois acabou a luz... – ela para de falar de repente.

– Sei. Você e suas “amigas do passado”...

– É, vou manter todas bem longe dO Bistrô – Mariana brinca, de um jeito bem passivo-agressivo.

– Eu não quis beijar sua amiga, Mari. Nem acho que ela tenha querido me beijar também.

– Diz isso para a Tati, que já quer até demitir a Lola...

– Quer? – Patrícia pergunta e vê Mariana apenas levantar os ombros, se mantendo em silêncio – Isso é bom, que bom. Imaginei que ela estaria considerando até se afastar de lá. Do jeito que a Tatiana é...

– Ah, mas ela está pensando isso também.

– E você? – Patrícia pergunta, vendo a esposa fugir de seu olhar – O que pretende fazer?

– Eu pretendo falar com a Lola. Esclarecer tudo com ela.

– E comigo?

– Com você já estou falando.

– Sim, mas e depois? Pretende se afastar de mim também, fazer que nem a Tati? – Patrícia insiste, virando o tronco para entrar no campo de visão de Mariana, que ainda evitava encará-la – Mesmo eu te falando que foi algo totalmente de momento e absolutamente sem querer? Contra a minha vontade e no meio de uma baderna que mergulhou o restaurante numa escuridão caótica?

– É que isso tudo não faz o vacilo deixar de existir... Nem arranca do meu peito essa sensação ruim.

– Não, mas nem ameniza? Considerando toda a nossa história? Achei que pelo menos você tentaria entender.

– Oxe, por quê? Só por causa do meu passado torto? Pois saiba que farreei mesmo, fui em muitas festas... Milhares, Pati, mais do que possa imaginar. Tive vários encontros, conheci um monte de gente, me envolvi sexualmente com a maioria delas, tudo sem moderação e, o principal: sem compromisso nenhum. Eu era sol-tei-ra.

– Não quis dizer isso – Patrícia sorri. A achou bonitinha, se justificando. Tentou imaginar o que estaria se passando dentro dela para falar essas coisas. Seu passado era tabu, afinal.

– Quis dizer que, então? – Mariana questiona, ainda na defensiva, os braços cruzados na frente do peito.

– Quis dizer que nunca dei motivos para você desconfiar de mim! Da minha fidelidade, minha lealdade. Eu amo você, Mari. Muito, e amo a Tatiana também, por isso estamos casadas – Patrícia segura sua mão, a fazendo olhar para ela – E outra, todas somos passíveis de um “passado torto”. Eu não te julgo pelas coisas que fez porque, como bem disse, você era solteira, sabia bem o que fazia com a sua vida.

– Exatamente – Mariana faz um biquinho ao falar.

– E eu sei muito bem, também, o que faço da minha! Jamais quis traí-las, meu amor, ainda mais com uma amiga sua e especialmente dentro dO Bistrô! No meio de uma festa, que insano! – Patrícia ressalta, balançando levemente a cabeça diante do absurdo que aquilo significava – Mas se eu quisesse, Mariana, teria traído. Pergunta para a Tatiana.

Mariana não teve tempo de argumentar porque de repente uma barata imensa surgiu ao seu lado, vinda do quintal. Assustada, ela pulou do banco, derrubando-o com estardalhaço. Na sequência, esbarrou na caneca com o café que Patrícia não bebeu, sujando todo o chão, enquanto gritava para que Tatiana as acudisse. A mulher não era exatamente a matadora oficial de insetos nojentos, mas usava chinelo e tinha boa mira. Mariana estava igualmente calçada, mas jamais chegaria perto da barata – muito menos para matá-la. 

Ao chegar na cozinha, Tatiana tropeçou em Mariana, que saiu correndo para a sala, ainda aos berros, pedindo socorro. O esbarrão a fez girar perto do sofá, perdendo o apoio ao torcer um dos pés, mas ao cair ela se espatifou foi no chão. A cena só não foi mais cômica porque a barata, igualmente atônita, saiu voando na mesma direção, como se a perseguisse.

                Patrícia foi quem conseguiu resolver a situação, ao bater na barata com um pano enrolado, dando a deixa para que Tatiana a esmagasse com o chinelo, num excelente trabalho em conjunto, bem coordenado. Mariana então fez sua parte no trio e azucrinou as duas até convencê-las a irem com ela ao mercado, comprar inseticidas e armadilhas próprias para esse tipo de bicho. Alegou que “onde há uma, há várias” e usou como cartada final o fato de andar ultimamente com um bom feeling para as situações de perigo. Tinha notado a barata instantes antes e fez questão de lembrar sobre o gerador que ninguém quis na noite anterior.

                Passaram o resto do domingo dedicadas a protegê-las de insetos indesejáveis. Embora desagradável, foi uma atividade que serviu para amenizar o clima ruim que persistia entre elas. Não se resolveram, exatamente, mas também não se complicaram mais. O trisal foi salvo, quem diria, por uma barata voadora. 


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