3xTPM - O trisal (final)

   Esta é a décima história da Novelinha.

Se ainda não leu a primeira parte, clique aqui.


Tatiana trancou o restaurante e ficou um tempo parada no escuro, vendo Mariana se afastar em direção ao estacionamento, sem muita pressa. Demorou alguns segundos para reunir as informações que ela tinha passado, associadas à sua imagem jantando mais cedo, acompanhada, no meio do salão. Constatou que provavelmente foram aO Bistrô para que Mariana dispensasse a moça, que tinha cara de poucos amigos, mas Tatiana se perguntou se teria conseguido; se o tal colar teria se perdido antes ou depois desse desfecho. Refletiu sobre o fato de ela ter voltado àquela hora sozinha, mas isso não queria dizer muita coisa, então não chegou a nenhuma conclusão.

Apoiou a testa no vidro da porta giratória se sentindo um pouco alcoolizada, as pernas meio moles, cedendo ao peso do próprio corpo. Pensou brevemente que se por acaso Patrícia e ela convidassem mesmo alguém para dividir a cama, gostaria que fosse uma mulher assim, com o perfil de Mariana: distraída de tudo. Achava um charme gente desse jeito, que parece que está sempre meio perdida, com a cabeça lá nas nuvens. Daria um bom equilíbrio para elas, que eram sérias demais, quase metódicas, bem “pé no chão”.

Não achava que seu casamento estava em crise; ao contrário, sua esposa e ela se davam muito bem, desde sempre, e a relação delas seguia de maneira tranquila, no seu entender. Mas a conversa com Bruna e Célia mostrava que, ainda assim, sempre dá para melhorar, até o que já está bom. Patrícia mesmo vivia dizendo isso, especialmente nessa época do ano, quando ela renovava alguns pratos do cardápio dO Bistrô. Talvez merecessem também um “ingrediente especial”.

Tatiana percebeu o brilho nos olhos da esposa, ao pensar na ideia de uma terceira mulher entre elas. Isso certamente teria que ser melhor discutido, mas ainda agora a deixava excitada também. Talvez por causa do álcool, talvez porque era mesmo muito excitante.

Sorriu quando viu Mariana passar dirigindo distraída, batucando no volante ao ritmo de alguma música que dali Tatiana não ouviu. Ainda estava sorrindo quando voltou para o bar, nos fundos dO Bistrô, e viu a esposa, merecidamente relaxada de uísque.

– Quem era, amor? – Patrícia pergunta, logo que a vê. Sorriu ao ver seu semblante, o que a fez sorrir desta vez para ela.

– Era uma cliente que esqueceu os óculos aqui mais cedo. Perdeu um colar também, que não encontrei – Tatiana senta ao seu lado e lhe dá um beijo no rosto – Amanhã vou procurar no vão das cadeiras. Às vezes acontece de o pessoal inverter uma ou outra, né...

– Bagunçam tudo o que você tanto arruma – Bruna estava rindo.

– Sim – Tatiana riu também – Mas tudo bem, adoro ver o salão lotado, como estava hoje. Terminamos o ano muito bem.

– No jantar dessa noite teve um bafão, segundo eu soube. A fofoca chegou rápido lá na cozinha – Patrícia bebe seu uísque, recebendo a audiência das três – Rolou uma discussão entre um casal de sapatão – complementa, a voz saindo meio pastosa – Mas não quebraram nada desta vez, por sorte. Foi só a cena mesmo.

– É, mulher é problema! – Célia comenta – E vocês aí considerando a ideia de se relacionarem com mais uma... – ela ri, bebendo.

– Deixa as meninas, amor – Bruna fala, tocando de leve em seu braço. Terminou o vinho de sua taça, o último da garrafa – Cada uma sabe o que fazer pelo bem do seu casamento, não é mesmo? – ela dá uma piscadinha primeiro para a esposa, depois para as amigas.

– É, e também ninguém aqui disse nada sobre se relacionar – Patrícia dá uma risadinha, a malícia iluminando seus olhos por um momento – Achei que estávamos falando de sexo, apenas.

– Quero – Tatiana ri, a beijando desta vez nos lábios. Aproximou-se do ouvido da esposa e cochichou – Vi uma moça linda hoje. Pensei, hein...

– Ah, é? – Patrícia sorri, enlaçando os braços em seu pescoço – Pensou o quê? Me fala, como ela era?

– Ei, ei – Célia provoca – A gente ainda está aqui!

– Vamos embora, querida – Bruna se levanta, um pouco trôpega – Essa é a nossa deixa.

– Não, meninas – Patrícia diz, mas se cala, beijando Tatiana mais uma vez – A saideira, bora?

– Não, já está muito tarde, Tati – Bruna se apoia na mesa, as pernas balançando debaixo da toalha – Amanhã nos vemos de novo, na prova do cardápio. Chegaremos antes das oito, como de costume.

– Algum spoiler do que vem por aí? – Célia quer saber, dando o braço para Bruna se apoiar, caminhando devagar em direção à porta.

– Bom, decidi usar meu “ingrediente secreto” num prato vegetariano, o primeiro do nosso cardápio – Patrícia responde, abraçada à Tatiana, depois de apagar as luzes do bar – Vou complementar à receita pobre em FODMAPS que eu já vinha elaborando, por causa das restrições alimentares da Tati.

– Ah, é mesmo! – Bruna exclama, estancando já perto da saída – Você foi ao médico, amiga? Fez lá os exames?, o que deu?

– Nos exames não deu nada. Mas a médica disse o que eu mais temia e me diagnosticou com a tal síndrome do intestino irritável.

– Putz – Célia resmunga, pegando a chave compacta do carro de dentro do bolso da calça – Isso aí é uma droga! Que bom que a tua esposa cozinha bem e tem um restaurante!

– Você está legal para dirigir? – Patrícia pergunta, vendo a mulher meio cambaleante – Não querem ir de táxi ou chamar um Uber?

– Não, eu estou ótima! – Célia afirma. Seu corpo, porém, mandava contraditoriamente outro tipo de mensagem.

– Bru... – Tatiana resmunga, vendo o casal ébrio abraçado na calçada. Jamais se perdoaria se algo de ruim acontecesse com elas, depois de tê-las convidado para alguns drinques nO Bistrô, em comemoração ao último dia de funcionamento do ano.

– Confiem, meninas – Bruna retruca, parecendo bêbada – Nada nunca acontece por acaso – completa, sem especificar ao que se referia.

– Eu fico sóbria assim que seguro no volante – Célia brinca, por cima do ombro, caminhando com a esposa até o carro estacionado.

– Eu vou te ajudar a guiar, amor. Pelas estradas da vida – Bruna diz, cantarolando, encostando a cabeça nela – Sou sua copilota para tudo. Você sabe, né? – ela entrelaça os dedos nos da esposa.

– Eu sei, minha linda – Célia dá um beijo carinhoso em sua testa, destravando as portas pela chave do carro, que piscou e acendeu os faróis – E eu sou a sua. Para tudo, também.

– Falei sério mais cedo, como sempre falo, quando o assunto é esse – Bruna fala, entrando no carro devagar, esperando a mulher embarcar também – ...sobre ter a cabeça aberta para ceder às suas vontades, Célia, se essas vontades, saciadas, te deixarem feliz e se fizerem bem para o nosso casamento. Quero você satisfeita. Sempre.

– Eu sei, Bruna – Célia rebate, mas balançando a cabeça, em negativa – Sei que tem a mente aberta, que me quer bem, te conheço há quase 20 anos. Mas o que isso quer dizer, exatamente? Que se eu quiser, por exemplo, uma amante... você vai aceitar? É isso?

– É o que te deixaria feliz? Esse tipo de brinquedo? – Bruna questiona, maliciosa, a segurando pela nuca. Não viu ao fundo Patrícia e Tatiana aguardando que elas partissem, na calçada.

– É sério que você está se referindo a uma mulher desta maneira?

– É sério que você se ofendeu com o meu comentário? – Bruna retruca, ainda com os olhos parecendo brasa.

– Não – Célia finalmente liga o carro, dando uma partida silenciosa – E respondendo sua pergunta: sim, talvez seja isso o que quero. Mas “amante”, não outra mulher, como a Tati e a Patrícia mencionaram.

– Ah, sim, desse jeito nem eu quero – Bruna sorri para as amigas, acenando com o vidro fechado, quando passaram em frente ao restaurante – Acho que nem elas aguentam algo assim, Celinha.

– É, eu também acho que não – Célia ri – Patrícia ciumenta do jeito que é, Tatiana toda possessiva... Não sei de que forma apimentariam a relação ali, sinceramente. Não conheço ninguém mais careta que elas.

                As duas riram, seguindo por ruas a esta hora vazias. Célia não parecia ter bebido, como se realmente tivesse ficado sóbria a partir do momento em que pôs o cinto de segurança. Mas Bruna, por sua vez, parecia embriagada porque sempre ficava mais “saidinha” quando bebia. Prova disso é que sua mão esquerda alisava a virilha da mulher.

                Chegaram em casa alguns minutos depois, em total segurança, e começaram a se pegar já na garagem vazia do prédio onde moravam. Se beijaram dentro do elevador também, até chegarem à cobertura, indiferentes às câmeras que flagravam suas vontades. As paredes do apartamento foram testemunhas do sexo tórrido entre elas, que começou com trilhas de roupas despidas, desde a porta de entrada até o quarto, demonstrando a pressa que tinham em se satisfazer.

Bruna parecia faminta, como há muito tempo não ficava, o que deixou Célia maluca de tesão.

– Quero que me c*ma como se eu fosse o seu novo brinquedo – Bruna pede, arfando de quatro em cima da cama – Me f*de como se eu fosse a amante que você mantém “às escondidas”.

– Ah, gostosa – Célia resmunga, dando um tapa bem sonoro em sua bunda – Depois não reclama que está com o corpo todo dolorido...

– Vou reclamar, sim. Mas agora eu sou outra. Cala a boca e me c*me.

                Célia não disse mais nada. Puxou o cabelo de Bruna para trás, arrancando dela um gemido e uma risada safada. Lambeu a lateral do seu rosto, o pescoço, deslizou e mordeu sua nuca. Com a mão desocupada, puxou seu quadril para mais perto, a fazendo se empinar, e quando enfi*u dois dedos já a encontrou toda molhada.

– Eu quero te ouvir gemer bem alto agora, enquanto rebola para mim, delícia – Célia ordenou, com a voz rouca em seu ouvido.

                Bruna quis gritar quando Célia a penetr*u também por trás, fazendo movimentos que a deixaram rendida e entregue a ela. Quis g*zar assim porque se sentiu muito devassa, dando daquele jeito para a própria mulher, que no geral era mais recatada quando transavam. Ao ouvi-la g*zando, Célia se sentiu poderosa, quase renovada. Estava animada com a ideia de ter uma amante com o conhecimento de Bruna, mas não tinha nenhuma dúvida de que a mulher que ela realmente apreciava comer era a sua esposa, que sabia ser várias, às vezes. Como agora, que dizia seu nome junto com o orgasm*.

– Vou te c*mer assim quando eu me recuperar – Bruna resmunga, com apenas um dos olhos abertos na penumbra do quarto – Vem aqui. Quero lamber o que é meu por direito. Vem, Célia.

                Célia passa a língua entre os lábios ao ouvir o pedido, sentindo o tesã* aumentar porque a cara de Bruna era impagável. Dava vontade de fazê-la g*ozar de novo só para ouvir mais uma vez seu nome sendo pronunciado pela mulher nua e molhada. Ao mesmo tempo, reconhecia naquela feição sua vontade de igualmente satisfazê-la. Engatinhou até perto de onde estava deitada, na cabeceira, e sentou-se aberta em sua boca, o calor de sua língua macia provocando choques de um estímulo bem-vindo, que a fizeram gemer sem querer.

                Prendeu seus cabelos entre as duas mãos, não se importando em ser gentil enquanto rebolava, a encarando lá de cima. Bruna, lá de baixo, a segurava com uma das mãos, posicionada estrategicamente no meio de sua b*nda, e com a outra começou a se mast*rbar, porque ainda sentia que dava para g*zar mais. Achou que o novo ingrediente já estava temperando bem a relação delas, ao g*zarem juntas, desta vez com Célia chamando o seu nome.

– Eu te amo – Célia resmunga ao se deitar, se aconchegando na curva do pescoço suado e pulsante da esposa.

– Te amo também – Bruna responde, dando um beijo nela com a respiração descompassada, a boca cheia do seu gosto – E exijo essa fidelidade, Célia. Só essa. Se divirta por aí, me conte se quiser, mas eu serei sempre a sua prioridade. Você não pode se apaixonar.

– Jamais me apaixonaria – Célia rebate, de imediato – Você é o amor da minha vida, Bru!, minha parceira e companheira de anos. Nosso elo e nossa história jamais estarão em risco, te dou a minha palavra.

– Ótimo, eu acredito em você – Bruna fala, bocejando – Ainda estou pulsando, sente – ela põe a mão de Célia entre suas pernas e sorri.

– Gostosa! Eu te c*meria mais, se conseguisse – Célia ri, sentindo o peito de Bruna mexer, quando ela riu também.

                Permaneceram quietas, com o silêncio preenchendo o quarto enquanto as respirações retomavam o ritmo normal. Célia já estava quase dormindo, embalada pelo relaxamento do corpo depois de uma boa trepada e as várias doses de uísque, que não desapareceram simplesmente de seu corpo, como ela fazia parecer.

– Amor? – Bruna chama, e sente a esposa dar um pulinho, o corpo revelando que ela provavelmente já estava dormindo.

– Hum?

– Não vale se apaixonar, não quero que ela jamais saiba que eu sei e você muito menos vai deixar de me c*mer por causa dela. A ideia é justamente o contrário. Te vira para ter força e disposição para me f*der sempre que se encontrar com a sua amante.

– Tá bom, querida, tá bom – Célia resmunga, sonolenta, como se não estivesse prestando atenção aos pedidos – Você sabe que essa mulher ainda nem existe, né?

– Existe sim. Você só não a conhece.

– Tá, meu bem, eu prometo – Célia responde e fica um tempo quieta. Aquilo a fez pensar, a deixando reflexiva sobre fatores que até ali ainda não havia considerado – Bru?

– Hum?

– Você também pretende arrumar um? Amante? – ela se emenda, diante do breve silêncio.

– Está preocupada com isso? – Bruna pareceu sorrir no escuro.

– Um pouco, é claro... – Célia resmunga, aborrecida por ter que admitir aquilo em voz alta. Não gostava de demonstrar ciúme dela – Não tenho como querer que você não se envolva...

– Não tem, mesmo – Bruna riu, a interrompendo – Mas não se preocupe com isso, querida. Por ora, não tenho a menor intenção de me envolver com ninguém além de você, como é há anos. Vamos ver como nos saímos depois que você arranjar alguém.

–  Tão desprendida... – Célia pareceu reclamar.

– Há anos que conversamos sobre isso, Celinha. Nada desse assunto é novidade. E outra: se não der certo, se não for legal a ideia da amante, tudo bem. Tentamos outra coisa. Há tanto para se experimentar.

– É, sei lá – Célia suspira de maneira ruidosa, coçando os olhos como fazia quando ficava impaciente – Acho que sou muito conservadora em alguns costumes.

– Uhum. Vamos ver se daqui um tempo a senhora consegue se manter nesse discurso tradicionalista – Bruna debocha, rindo – Agora, não se preocupe com nada. Vem cá, meu amor.

                Se abraçaram de um jeito mais confortável e em alguns segundos Célia sentiu o corpo da esposa mais relaxado, revelando que já estava dormindo. Ela, embora com sono, permaneceu acordada. É verdade que há muito tempo conversavam sobre possibilidades de renovarem o casamento, que inevitavelmente era comandado pelo tédio da rotina, estabelecida em muitos anos de convívio. Porém, entre conversar e colocar em prática havia um longo caminho, uma barreira que até então jamais haviam transposto.

                A ideia de buscar uma diversão fora de casa era um tesão e a mulher notadamente compartilhava dessa opinião, mas pensar na esposa com outro atormentava Célia. Nunca se sentiu segura com o fato de Bruna ser bissexual, mas ao menos sempre teve o amparo da monogamia as protegendo até ali. Pegou no sono já de madrugada; ficou até tarde pensando nisso.

                Alguns bairros próximo dali, Patrícia e Tatiana se mantinham bem acordadas, e mesmo praticamente despidas não pareciam ter muito interesse em sexo. Estavam há horas debatendo como seriam as regras, caso enfiassem mais uma entre elas. A ideia era boa!

– Primeiro, teríamos que arranjar outra cama – Patrícia listou – Maior, é claro. E aí lençóis novos, óbvio, e quero fronhas que combinem.

– Com certeza – Tatiana ri. Estava com os olhos baixos, cheia de sono, mas mantinha a atenção focada nela.

– Seria só sexo, né? Sem apego – continua, em tom de pergunta – Digo, não queremos um novo formato de casamento, queremos?

– Não queremos – Tatiana sorri para ela, toda preocupada de terem que mudar a rotina pré-estabelecida há anos – Até porque eu nem imagino como seria a dinâmica disso e você?

– Muito menos – Patrícia se recosta ao seu lado, afofando antes o travesseiro – Ai, e por falar nisso eu atendi uma moça tão linda hoje. Toda atrapalhadinha, Tati. Não comia nada do cardápio, pobrezinha. Que nem você, só que diferente.

– Por isso a receita especial? Você não tinha mencionado nada sobre um prato vegetariano no novo cardápio.

– É, nosso foco sempre foram as carnes, você sabe, os frutos do mar, em especial. O Bistrô é conhecido por isso. Mas...

– Mas é preciso agradar todos os públicos, claro. Tenho certeza de que será delicioso, como tudo o que inventa – ela beija Patrícia.

– Preciso da equipe atenta amanhã. Eu realmente não mencionei nada sobre esse novo prato, vou fingir que é surpresa... Fiquei pensando que até que demoramos, né?, a fazer um prato assim.

– É uma boa estratégia fingir que é surpresa. E vocês vão arrasar, sua galera é demais – Tatiana sorri, depois de bocejar – E tudo bem ter demorado, amor. Não havia nenhuma demanda, exatamente. Tudo na hora certa, como a Bruna diz – ela boceja mais uma vez – Falando nisso, amanhã vou procurar o colar lá da menina. Espero encontrar, falei para ela voltar por volta das seis.

– Boa, amor. Se não achar também, paciência.

– Sim, paciência – Tatiana esfrega o rosto no travesseiro sem perceber, do jeito que fazia quando já estava prestes a dormir – Ela me disse que é tipo um talismã. Falou que costuma usar quando termina um relacionamento.

– Esses jovens... – Patrícia resmunga, se aconchegando nela – Quer dizer, nem sei. Ela é jovem?

– É, mas talvez não assim como está pensando – Tatiana responde já com os olhos fechados – Mas, sim, é mais nova que nós. Bonitinha, me fez até pensar que deveríamos convidá-la para uma noite casual de sexo. Já tinha reparado nela mais cedo – ela abre os olhos, ao ouvir a respiração pesada de Patrícia diante do comentário – Eu estava bêbada, me julgue. Ou julgue à Bruna, que me deu a cerveja especial.

– Que é sem glúten, mas fermenta, viu. É álcool – agora Patrícia é que bocejou – Provavelmente amanhã você vai passar mal, já se prepara.

– Não seria novidade – Tatiana resmunga, apagando a luz do abajur.

– Você convidaria alguém para a nossa cama? – Patrícia se encaixa de conchinha atrás dela – Não sei como eu faria isso...

– Você tem um jeitinho todo especial de conquistar tudo o que você quer – Tatiana a puxa por trás, a mão encaixando no começo da bunda – Mas eu convidaria, sim. Se você estivesse de acordo, é claro.

– Me excita pensar nisso – Patrícia cochicha, a respiração quente na nuca de Tatiana – Mas estou com muito, muito sono.

– Descansa, amor. Hoje foi puxado, dorme. Está tudo bem – ela se vira para beijá-la.

                As duas dormiram praticamente ao mesmo tempo, os corpos enroscados debaixo do lençol fino. Não voltaram ao assunto até o começo da noite do dia seguinte, depois que já tinham providenciado todos os detalhes para o grande jantar anual dO Bistrô, a portas fechadas e para um público seleto.

– A Márcia acabou de enviar uma mensagem dizendo que não vai poder vir... – Patrícia anuncia, sentando em uma das cadeiras de encosto alto. Cruzou os braços, com a frustração inteiramente demonstrada na ruga em sua testa. O salão já estava todo arrumado, com uma mesa grande na parte central e todas as demais encostadas perto das paredes, que era onde Tatiana estava.

– Sério? Aconteceu alguma coisa? Ela está bem? – Tatiana pergunta, enfiando a mão pelos vãos das cadeiras enfileiradas. Parou o que estava fazendo e olhou para a esposa, diante do silêncio – Pati?

– Não sei. Disse algo sobre o trabalho, mas soou como uma desculpa.

– Soou ou você acha que é? – Tatiana questiona, voltando à busca pelo colar perdido, sem ter uma resposta – Não tem com o que você se preocupar, gata – afirma, mas sabia que a ausência da mulher afetava a autoconfiança da esposa – Sua noite vai ser um sucesso, amor.

                Patrícia só suspira e não diz nada. Os aromas dos primeiros pratos já invadiam o interior do restaurante, embora ainda fosse cedo, mal passavam das 18h. Ficou olhando Tatiana inspecionar as últimas cadeiras da fileira.

– É, desisto. Não encontrei o tal colar, revistei todas as cadeiras – Tatiana fica ereta e resmunga ao esticar as costas, as mãos na cintura empurrando a pelve para a frente – A moça vai ficar sem o talismã dela, infelizmente.

– Não vai mais poder terminar com ninguém – Patrícia ri com a lembrança, balançando a cabeça antes de se levantar – Vai dar tudo certo, mesmo sem a Márcia, né?

– Claro que vai, meu amor – Tatiana a beija, antes de um abraço breve – Ultimamente ela já não encontra nada para criticar. Ano passado foi o quê? O café no final, porque não achou mais nada para falar mal.

– É, mas nunca apresentei nada vegetariano, né. Sei lá, fico apreensiva. Estava contando que a minha crítica número um estaria aqui para apontar alguma falha, caso exista...

– Eu sei – Tatiana responde, empurrando a última cadeira para perto das demais – Mas aí se for por isso valeria mais a opinião de uma vegetariana. Muito mais do que a opinião da Márcia.

– É, eu devia ter pegado o número da moça bonita de ontem – Patrícia morde o lábio, antes de sorrir.

– Devia! Ela vai ganhar até um prato.

– Podia ganhar até mais coisas, se voltasse – Patrícia quase cochichou. Estava com a cara que fazia quando falava safadezas.

– Você daria, né, Patrícia? – Tatiana rebate, no mesmo tom, se controlando para não ir para perto dela. Se fosse, a beijaria com a vontade que ela estava provocando, mas Patrícia não gostava de demonstrar intimidade no trabalho e por isso se conteve.

– Daria, comeria, daria de novo, mais, de outros jeitos – Patrícia ri.

– É, e para quem nem pensava nisso, nós agora temos duas pretendentes para uma cama que ainda nem foi comprada – Tatiana ria também – Temos a sua atrapalhadinha vegetariana e a minha esquecida que está atrasada para saber que perdeu seu amuleto.

– Pela hora talvez nem venha mais.

– É... – Tatiana fala, distraída.

– Quê? – Patrícia pergunta, estreitando os olhos para encará-la, ao ouvir seu tom vago.

– Me ocorreu aqui – seus olhos brilhavam, refletindo as luzes baixas dO Bistrô – ... que talvez a Bruna tenha razão, nessa história de que nada acontece por acaso, de que tudo tem um motivo...

– Hum...?

 – Não acha curioso que justamente no dia em que falamos sobre a possibilidade de uma terceira mulher, a gente tenha visto duas com perfis que se encaixam nos nossos gostos e padrões? – Tatiana riu porque até ela percebeu que sua fala era um pouco absurda.

– Você acha o quê?, que é um sinal? – Patrícia riu também, mas contraiu a boca como fazia quando não concordava com algo.

– E se for? – Tatiana insiste, levantando os ombros para amenizar o que dizia – E se uma delas for a nossa terceira garota?

– Para isso, o sinal teria que ser completo, Tati. Por exemplo, nós duas nos interessarmos pela mesma pessoa. Ou a vegetariana aparecer aqui hoje bem na hora do jantar, só para experimentar meu prato novo.

– Ouviu, universo? – Tatiana ri, vendo a esposa voltar para a cozinha. Sorriu sozinha no salão vazio e se distraiu com a mesa já posta, ajeitando detalhes que sempre encontrava para arrumar.

                No outro canto da cidade, Mariana saía do banho enrolada em uma toalha azul, animada porque acreditava estar com bastante tempo para se arrumar e chegar ao restaurante antes do horário combinado. A esta altura já nem dedicava mais tempo para pensar em Gisele ou mesmo no colar perdido. Estava animada era com a chance de se encontrar com a mulher dO Bistrô novamente e torcia para dar a sorte de esbarrar também na chef.

                Tirou uma camiseta preta que estava dobrada debaixo do gato, que dormia um sono tranquilo, e chacoalhou a peça para se livrar dos pelos brancos. Percival acordou e bocejou com o gesto, se levantando apenas para se enroscar em cima da calça de sua dona, mais na ponta da cama. Após se vestir, Mariana sentou-se ao seu lado para decidir o que calçaria. Foi quando se lembrou do olhar julgador de Gisele para seus pés na noite anterior e a memória a convenceu a não usar a mesma sandália novamente, apesar de ser sua preferida.

                Perla não estava em casa, como era de costume aos finais de semana, e ao trancar a porta, Mariana despediu-se apenas de Percival, que miou em resposta. Ajeitou o cabelo no espelho do elevador e sorriu ao encontrar seu carro lá embaixo. Dirigiu sem muita pressa porque ainda que estivesse com tempo, não queria também aparecer no restaurante muito antes do horário, para não ser deselegante. Mas ao chegar lá constatou que talvez ainda fosse bem cedo, sim, porque o estacionamento estava praticamente vazio e O Bistrô parecia estar fechado, com as luzes da frente apagadas. O relógio no painel do carro marcava 19h57 quando o motor foi desligado.

                Mariana empurrou a porta giratória praticamente ao mesmo tempo em que Patrícia, lá dentro, virava a chave na maçaneta. A mulher se assustou quando a viu, mas sorriu.

– Olá, que surpresa – Patrícia diz, destrancando a porta.

– A moça disse para eu vir às oito. Acho que... a gerente? Eu perdi meu colar ontem – Mariana fala, vendo que o salão às costas de Patrícia estava diferente. Havia apenas uma mesa esticada, com algumas pessoas já sentadas em volta, que não pareceram percebê-la ali.

– A Tatiana? – Patrícia agora riu – Ela não é a gerente e estou certa de que disse para você vir às 18h e não às oito. Mas estou feliz que esteja aqui.

– Eu, eu... – Mariana gagueja.

– Hoje estamos fazendo a prova do novo cardápio, O Bistrô está fechado para o público – Patrícia abre um dos braços, ressaltando o óbvio. O silêncio no salão era predominante, mesmo com a conversa entre a meia dúzia de pessoas, que já olhavam para elas, estranhando a demora da chef em retornar – Você aceita jantar com a gente?

– Oi, Mariana – Tatiana cumprimenta, se aproximando delas com um sorriso – Pati, essa é a moça do colar.

– Oi, desculpe eu me confundi com o horário – Mariana responde, empurrando os óculos para perto dos olhos.

– Tati, essa é a moça vegetariana – Patrícia se virou para ela ao responder e Mariana não viu a cara que fez para a esposa. Mesmo que visse, talvez não reconhecesse no lampejo de seus olhos a malícia que a invadiu, junto de um sorriso sacana.

– Ah, um sinal – Tatiana sorri – Vamos jantar, Mariana? A Patrícia fez um prato especial para essa noite especial, além dos outros que são igualmente especiais – ela passa o braço pela cintura de Patrícia, depois de dar um beijo em seu rosto.

– Sim, claro – Mariana diz, vendo que Tatiana usava uma sandália igual à sua, da noite anterior. Não imaginou que as duas eram um casal!  

                De imediato, e talvez por instinto, Mariana logo analisou as quatro pessoas que jantariam na companhia do super casal e ela, que foi apresentada apenas pelo primeiro nome e se sentou na cadeira indicada em frente à Tatiana, ao lado de Patrícia, que estava na ponta. As duas mulheres do lado direito certamente eram lésbicas, o gaydar berrou quando Mariana as olhou, tanto quanto gritou para o careca, em frente a elas. O último elemento parecia hétero e com Tatiana, então supôs que eram parentes. Primos, talvez.

                Patrícia disse algo sobre a ausência de alguém que Mariana não conhecia e a notícia pareceu animar os convidados. Estranho! Imaginou que a mulher era insuportável, mas entendeu que para a chef era alguém importante. Tanto que era convidada para a prova do cardápio e ela parecia sentida com a falta de sua “crítica”.

                O restaurante parecia outro quando Patrícia estava no salão. Como se ficasse mais aceso, ainda mais bonito, combinando com a decoração especial daquele jantar, que envolvia dúzias de flores coloridas e toalhas na cor vinho. Embora nesta noite Patrícia não estivesse com seu uniforme bonito, sua presença era notável porque sabia ser uma boa anfitriã, além de exímia cozinheira. Foi cortês com todos o jantar inteiro, muito gentil e sempre sorrindo para Mariana e Tatiana. O prato vegetariano que preparou era uma moqueca de banana da terra que Mariana comeu gemendo e de olhos fechados. Nunca tinha experimentado a versão original, com peixe, mas era fã de coentro e o tempero a conquistou com muita facilidade. Porque sabia que precisava ser crítica – Patrícia foi explícita ao revelar que aguardava seu retorno – Mariana disse, ao terminar de comer, que o defeito era só não ter mais no prato. Todos riram, mas ela falou sério.

                Jantar com Tatiana e Patrícia deixou claro que as duas eram um time. Talvez só não tivesse percebido porque era muito distraída.

– Mariana, eu procurei seu amuleto – Tatiana diz, ao final da noite, depois que todos tinham ido embora. Patrícia estava na cozinha se despedindo da equipe, que entraria em recesso por alguns dias, e dali ouviam parte de seu discurso animado – ... mas não achei. Não nas cadeiras! – ela se apressa em dizer, ao ver os ombros de Mariana se abaixarem diante da informação – Quer ir comigo lá em cima ver se por acaso alguém guardou lá? É nossa última chance.

– Claro! Existe um “lá em cima”? Menina, não reparei! – Mariana responde, animada.

– Existe, é o escritório – Tatiana ri – E a despensa. E meu esconderijo – complementa, por cima do ombro, já subindo a escada.

– Ah, você tem um esconderijo! – Mariana brinca, de olho nos degraus. Não quis ser indelicada e parecer estar se aproveitando da visão para olhar para a bunda de Tatiana. Quis, mas se conteve.

                O escritório era simples e muito cheiroso. Imediatamente Mariana associou ao cheiro de Patrícia, que agora conhecia. Respirou fundo sem perceber e não notou que Tatiana sorriu por isso. Como não tinha muito o que fazer, sentou-se no sofá encostado na parede.

                Tatiana abriu as duas gavetas da única mesa daquele ambiente, remexendo lá dentro por um instante. Mordeu o lábio ao terminar a procura e nem precisou dizer nada para Mariana saber qual era o veredito.

– Tudo bem, todos os ciclos têm um fim – Mariana fala, se levantando.

– É... Tenho uma amiga que diz que nada é por acaso.

                Mariana dá um sorriso fraco, levantando os ombros. Fez o movimento para descerem, mas Tatiana parecia estática em cima do tapete felpudo. Por isso, parou também.

– Você... – Tatiana pigarreia – Quer beber alguma coisa? O pessoal da cozinha já está quase de saída. A gente sempre termina a noite com a saideira, é quase um ritual.

– Claro. Digo, beber com você e a Patrícia?

– É, mais com ela. Eu não bebo em geral, passo meio mal... Mas, sim, estou te chamando para ficar conosco. Pati e eu – Tatiana deu um sorriso de canto, que fez Mariana sorrir também.

– Eu adoraria – Mariana usou um tom provocativo porque sentiu que cabia.

Seu corpo dava sinais de que Tatiana falava a mesma linguagem e pensar nisso a deixou imediatamente excitada. Tinha achado Tatiana um mulherão da porra ao vê-la na noite anterior circulando pelo salão dO Bistrô e há dias que fantasiava com Patrícia e sua postura empoderada de dona da porra toda. Se imaginar no meio das duas fez com que um arrepio descesse sua coluna e se alojasse bem nas partes baixas, aquecendo tudo.

Lá embaixo, no salão, tudo estava quieto e Mariana seguiu Tatiana até os fundos, onde ficava o bar. Ainda não tinha ido até ali e achou que parecia quase outro lugar. Depois, julgou que o pensamento era errado porque o ambiente era nitidamente uma extensão do salão principal, embora com características que o deixassem diferente, parecendo realmente um bar e não um restaurante.

Tatiana foi para trás do balcão e serviu com gelo três taças iguais. Nas duas primeiras serviu uma mistura que fez ali na hora e na terceira espremeu um limão e preencheu com água gelada, sem gás. Mariana a observou do alto de uma das banquetas, bem de frente para ela, satisfeita em ver mãos tão habilidosas trabalhando com tanta graça. Inevitavelmente, imaginou aquelas mãos em seu corpo.

                Patrícia não se demorou para aparecer e sorriu de um jeito diferente para Tatiana, antes de direcionar o mesmo sorriso para Mariana. Quando sentou, um ruído na cozinha demonstrou que ainda não estavam realmente sozinhas.

– E aí, você gostou dO Bistrô? – Tatiana pergunta, sentando atrás do balcão – Ainda não tinha vindo aqui, né?

– Sim, achei maravilhoso, não conhecia ainda – Mariana responde, depois de tocarem as taças num tilintar leve de brinde – Li uma crítica no jornal falando daqui e no mesmo dia fiquei com vontade de vir conhecer – ela sorri para Patrícia, que sabia de qual artigo ela falava – Me surpreendi.

– Espero que positivamente! – Patrícia responde, piscando para ela – Digo, pelo colar que você perdeu no jantar ontem.

– Sim, mas tudo bem. Foi sim, muito positivo, apesar disso. Para ser sincera só senti falta de um relógio no salão – Mariana ergue os ombros, tentando ser gentil com a crítica – Quanto ao colar, tudo bem. Valeu a pena, me fez voltar aqui. Na hora errada – ela ri.

– Na hora certa, Mariana – Tatiana diz.

– Na hora certinha – Patrícia fala, junto com a esposa.

                As três riram, mesmo Mariana não entendendo qual era a graça. Patrícia foi quem fez o movimento para beijá-la, talvez porque Tatiana estava com um balcão a separando delas, mas dali fez um som de aprovação ao ver a esposa beijando uma estranha.

                Mariana não se opôs; ao contrário, cedeu. Patrícia tinha um cheiro bom, um beijo gostoso, uma pegada que a deixou toda entregue em cima da banqueta. Ouvir Tatiana logo ali e saber que em breve ela entraria naquele beijo a fez dar um gemido baixo, incontido.

                Mas o beijo foi interrompido pelo som de alguém passando pela porta da cozinha, o que fez Patrícia automaticamente se afastar dela, de um jeito até meio brusco.

– ... que delícia, sim – Filipo dizia. Obviamente sobre alguma comida, mas pareceu que falava delas e até Tatiana deu um passo para trás – Chef, estamos indo. Boa virada de ano para vocês – o cozinheiro diz, levantando brevemente uma das mãos. Se percebeu que havia ali um clima estranho, disfarçou muito bem.

– Para você também, grata por tudo, feliz ano novo – Patrícia se despede, com um sorriso.

– Tchau, Filipo, se divirta sem moderação – Tatiana fala, quase ao mesmo tempo.

                Mariana ficou quieta porque não soube o que dizer. Observou apenas a troca de olhares cheia de significado entre Tatiana e Patrícia, que arrematou seu drinque antes de sorrir para ela.

– Você acredita em sinais? – Tatiana quis saber.

– Aceitaria ir para casa com a gente? Esticar a noite num lugar mais reservado, mais confortável – Patrícia pergunta, junto com a esposa. Foi diminuindo o tom de voz no final da frase.

– Eu... – Mariana deu um suspiro fundo, piscando rápido enquanto coçava a cabeça. O movimento fez as mulheres se entreolharem e sorrirem – É claro que eu quero – conseguiu dizer.

– Ótimo – Tatiana diz, se levantando. Começou a apagar todas as luzes, deixando apenas a lâmpada mais baixa iluminando o restaurante – Você segue a gente?

– Sigo, só vou avisar minha amiga que vou demorar para voltar.

                Mariana mandou uma mensagem para Perla enquanto caminhava até seu carro. Dizia: “Amiga, torce para eu não dormir em casa! Depois te conto, beijos”. O automóvel de Tatiana era o que ficava estacionado na entrada dO Bistrô e provavelmente a segunda vaga era ocupada por Patrícia, que seguiu de carona ao lado da esposa. Elas aguardaram até que Mariana saísse da vaga e pareceram fazer o trajeto devagar para que não as perdesse de vista.

                As duas moravam não muito longe dali, num apartamento que ficava num prédio bonito, todo avarandado. Tatiana aguardou que ela estacionasse o carro com insulfilm e Mariana embarcou atrás para que entrassem juntas no estacionamento do subsolo. Na passagem para o elevador, Patrícia pegou um folheto com propaganda de dedetização, e subiram até o quinto andar relatando sobre o ataque de formigas que vinham sofrendo na cozinha.

                A casa tinha cheiro de aconchego e lavanda. Mariana não se demorou reparando nos detalhes da sala porque Tatiana a levou até o quarto, a beijando de um jeito apressado ao longo do corredor. Tinha o toque mais pesado que Patrícia, mas era igualmente bem-vindo para o corpo já em chamas de Mariana, que se atirou de costas em uma cama macia de lençol florido. Ali o cheiro de ambas se misturava e ela quis se entrelaçar nua nas duas, que agora a beijavam quase simultaneamente, impregnando em sua pele o aroma despertado pelo tesão que vinha delas.

                Gostava disso. Apreciava esses toques, a revelação por debaixo do tecido das roupas, que vão despindo corpos escondidos no dia a dia. Adorou ver as pintinhas que Tatiana tinha espalhadas pelo dorso e se surpreendeu por Patrícia ter uma tatuagem, acima do seio esquerdo – a frase “Eu sou”, em letras pequenas. Não soube dizer do que o casal mais gostou, mas viu seus olhos brilharem quando tirou a camiseta.

                Inicialmente ficou no meio, com Patrícia atrás, de joelhos no colchão e Tatiana à sua frente, o tronco encostado no dela, os pelos se enroscando nos seus. Não soube dizer quem eram as donas das mãos que deslizaram por todo o seu corpo, de cima a baixo, pelas laterais e na parte de dentro das coxas. Segurava Patrícia pelo pescoço e Tatiana pela cintura, mas quis mudar de posição porque queria vê-las juntas; afinal, o show era delas.

                Tatiana e Patrícia se abraçaram, mas a puxaram para o abraço, pois ela era mais que uma simples espectadora. Mariana lambeu o colo de Tatiana e os sei*s de Patrícia, deslizando molhada por dedos que se aconchegaram entre suas pernas, que bambearam com o toque gentil. Ao se deitar meio de lado, contemplou a cena das mulheres sem roupa, arfando ao se deitarem com ela, encaixando os corpos no dela de um jeito muito excitante.

Não foi a primeira vez que Mariana trans*u com duas mulheres, mas havia ineditismo no fato de se envolver sexualmente com um casal que está junto há tanto tempo. Nos quase dez anos que Tatiana e Patrícia estavam casadas, Mariana não teve acesso a nem uma mínima fração do que aquele envolvimento entre elas despertava. A cumplicidade que revelaram ter naquela cama perfumada foi mais explícita que a sua vontade de g*zar nelas e a fez querer fazer parte daquilo, que era muito além de uma simples trepada. Pensou por um instante que um relacionamento nesse esquema era propício para ela, que vivia fugindo de namoro.

Patrícia, que estava preocupada com sua cama “pequena”, dominou aquele espaço com a esposa e a convidada com um fôlego que fez Mariana querer acompanhá-la até o terceiro orgasm*. Tatiana a esta altura parecia meio derrotada, com o cabelo bagunçado de um jeito sexy, um sorriso enfeitando seu rosto bonito.

Naquela noite, Mariana dormiu com elas. Não se achou em condições de ir embora e quis ficar por ali para transar de novo pela manhã, ao acordarem. Dormiu numa espécie de conchinha tripla; num sanduíche de gente onde ela foi o recheio em uma noite de sono profundo e apaziguador. No dia seguinte acordou sendo beijada por Patrícia e Tatiana, e mesmo com sono quis renovar na boca o gosto das duas, que eram bem doces – mais ainda quando amanhecidas. Foi embora depois do café porque tinha combinado de viajar com Perla para a virada do ano, e saiu de lá já atrasada.

Combinaram de se encontrar novamente no ano seguinte, mas nenhuma das três marcou dia ou horário, só trocaram os números de celular. Ficou meio implícito que se veriam em breve, provavelmente assim que Mariana retornasse da praia.

Tatiana e Patrícia passaram o último dia do ano enfurnadas no restaurante, na faxina de ano novo que sempre faziam, anualmente. Muito mais que o jantar da prova de cardápio, aquele era um evento ritualístico, sempre realizado apenas pelas duas, que colocavam todas as cadeiras para o alto e esfregavam o chão e as paredes com produtos de limpeza pesada. Patrícia cozinhou para elas numa cozinha brilhando e terminou de arear as panelas enquanto Tatiana concluía a limpeza do salão.

Foi ao voltar as mesas para o lugar que encontrou, enroscado em um dos pés de madeira, o colar de Mariana. Era uma peça simples, com um pingente em forma de gota, e inicialmente Tatiana pensou em mandar uma mensagem para ela. Mas aí refletiu sobre o que o adorno representava, depois de lembrar da noite em companhia da moça.

Para todos os efeitos, o colar já estava perdido e Tatiana o jogou no telhado sem pensar duas vezes. Mariana poderia até terminar um dia o que ainda nem havia começado, mas faria isso sem o amuleto.


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