O encontro (conto)
Esta é a sétima história da Novelinha.
Se ainda não leu a sexta, A Uber, clique aqui.
Uma fresta da janela aberta movimenta a cortina de tecido fino, dando passagem
para o sol. A claridade tremulante atrás da pálpebra fechada foi o que a
acordou. A luz era um sinal de que estava viva e de que era dia, mas não sabia
sob quais condições, e nem quando. Rita abriu um dos olhos, a princípio um
pouco confusa, tentando reconhecer na familiaridade do ambiente onde é que se
encontrava. Não se lembrava que dia da semana era, nem por que tinha dormido no
sofá da sala. Fez uma careta e desgrudou o olho que permanecia fechado, selado
com o rímel da noite anterior. Se recordou do bar, no primeiro estalo da
ressaca, quando mexeu a cabeça.
Era comum acordar perdida no tempo – e no espaço! As bebedeiras há muito
que são frequentes, semanais, e por sorte, em geral, Rita amanhecia sempre em
segurança, ilesa, dentro de sua própria casa. Só que no quarto, e não na sala,
como agora. Por isso precisou de um momento a mais, refazendo os passos do dia
anterior, até o momento em que perdeu boa parte da consciência.
Então se lembrou: era sábado. A cabeça doía por causa dos drinques coloridos
da noite anterior. Tinha ido num bar moderninho na saída do trabalho, cada
semana se inventava um motivo diferente que soava só como desculpa barata para
beber, mas que funcionava. Eram sempre momentos alegres em companhia das
colegas mais próximas, incluindo a chefe, Miriá. Ela toda vez tentava se
esquivar dos happy hours, mas no fim acabava indo, e tinha o costume de
pagar a mais na hora que fechavam a conta. Melhor tipo de pessoa!
Pensar na chefe a fez se lembrar da desconfiança que rodeou sua cabeça a
semana inteira: podia jurar que Miriá estava de caso com Preta, uma mulher elegantíssima
que trabalhava como Atendimento na agência onde ela era designer. Rita tinha
criado uma fanfic para as duas, que combinavam, formavam um baita de um casalzão!
Ontem, ela e as colegas tinham ido beber sob a alegação de aliviar o
estresse da semana. Foram dias agitados, com um contrato grande movimentando
todas as áreas da agência, mas Rita ficou com a impressão de que Miriá estava tranquila
demais. Toda hora via a chefe e Preta de cochichinhos, o que fez seus
pensamentos irem longe, porque sempre que farejava sexo, estava certa.
O pensamento migrou com facilidade para Luana, sua parceira do trabalho e
das festinhas, que alimentava com Rita algumas dessas teorias enquanto
almoçavam juntas. Puxou o celular do braço do sofá com o pé para ver que horas
eram. Mandaria uma mensagem para a amiga, mas com o movimento, viu cair no chão
um cartão preto, elegante. Foi então que se lembrou de Mayara, a motorista que
a levou para casa depois do porre, na noite passada.
Ah, Mayara! Tão cheirosa, e tão bonita, e tão cortês!
– Ai! – Rita
resmunga, ao virar o corpo e sentir uma dor ardida no tornozelo. Olhou
brevemente para o teto, a vista sem focar em nada, lembrando vagamente que
tinha caído na entrada do prédio na noite anterior. Caiu quando desembarcou
também, e a lembrança veio junto de outra pontada, agora no joelho, que parecia
ralado. Não foi a primeira vez que caiu, mas talvez tenha sido a mais humilhante
porque desta vez Mayara assistiu às quedas de camarote, bem de pertinho.
O relógio no celular marcava 9h07
e duas chamadas não atendidas, da noite anterior, da hora em que ela se perdeu,
já perto de irem embora. Mandou uma mensagem de texto para Mayara, depois de
salvar seu contato como “Melhor Uber <3”. Pensou em se desculpar pelo
ocorrido da noite anterior, mas por estar com a memória cheia de falhas, apenas
a convidou para um “almoço seco”. Foi sua maneira de dizer que se manteria
sóbria. Se a mulher aceitasse, ela saberia então pelo que se desculpar.
Jogou o celular de volta no canto
do sofá e se espreguiçou fazendo barulho, erguendo os braços para cima da
cabeça. Se levantou e caminhou meio trôpega até a cozinha. Talvez ainda
estivesse um pouco alcoolizada, porque esbarrou com o ombro sem querer no
portal, antes de mudar de cômodo. Deu um biscoito para o cachorro e deixou a
água do café esquentando enquanto foi até o banheiro, bebendo água de coco em
vários goles, bem gelada, direto na caixinha. Este era o seu remédio,
eficiente, para ressaca e outros males.
Inevitavelmente, nessas horas
sua cabeça era sempre preenchida pelo slogan daquela marca de água de coco, e
junto vinham todos os outros que foram criados e que ela teve que ouvir durante
semanas, até que o definitivo fosse aprovado pelo cliente. A lembrança era sempre
bem gráfica, rodava junto com o comercial que foi ao ar, e era estampado com as
imagens dos outdoors e com os gifs das redes sociais, que viralizaram. A Agência
Rubi tinha ganhado um prêmio por esta campanha, mas disso, Rita nunca lembrava.
No espelho do banheiro, viu o reflexo de uma Rita toda despenteada, com a
maquiagem borrada, do jeito que ficava quando ela dormia muito louca, sem
passar demaquilante. A imagem a fez rir, e terminou de beber quase 500ml de
água de coco enquanto fazia xixi, sorrindo no final para Tião, O Cão, que
deitou aos seus pés, no tapetinho perto do box. Assim como ela, o cachorro não
a julgava por amanhecer assim, “amanhecida”.
Depois de lavar as mãos e esfregar bem o rosto, tirando o máximo de
maquiagem que conseguiu, deixou o banheiro se sentindo um pouco mais renovada.
Quase uma nova mulher! De volta à cozinha, passou o café forte direto na caneca
enquanto bolava um baseado, que acendeu junto com o primeiro gole da bebida
quente e perfumada. “Café Cinco Estrelas: A mágica do seu café! Plim!”.
O som que emitiu foi de plena
satisfação, quando todos os seus sentidos começaram a ser despertos com o
líquido, e, ao mesmo tempo, adormecidos com a maconha. Esta era a química especial
de suas manhãs. Cafeína e THC: o equilíbrio perfeito para um dia feliz. Dava até
um bom slogan!
Rita equilibrou a caneca de Yoda entre os dedos, no caminho de volta para
a sala, e se empoleirou de novo no sofá, se livrando das roupas que usava no
bar, antes de se embebedar literalmente até cair e dormir ali na noite anterior,
sem condições de chegar sozinha até seu quarto. Ficou só de calcinha, observando
o que a motorista tinha visto de sua casa, ao levá-la embora, na noite passada.
Aparentemente, mesmo acompanhada Rita não foi capaz de avançar os metros
entre a sala e o quarto, porque se lembrava de ter recebido o apoio de Mayara
para conseguir chegar até o sofá. Fechou os olhos ao se recordar do seu cheiro,
um cheiro bom!, lembrando de ter exagerado na debilitação só para enfiar o
nariz na pororoca que se formava entre o ombro e o pescoço da mulher. Era bom, selvagem
e amadeirado, dava vontade de se esfregar inteira nela, só de sentir aquele
cheiro. E agora de novo, ao se lembrar.
Puxou o celular só para se certificar de que Mayara ainda não havia
respondido, e antes de se frustrar por uma ausência de mensagem, ligou o
videogame com o dedão do pé. O som de abertura de God of War a fez sorrir. Taí
um começo de dia perfeito! E ficaria melhor se envolvesse sexo com a mulher que
tinha olhos cinzas.
Que delícia de detalhe para se lembrar!, Rita pensou, se recostando no
sofá, a caneca equilibrada entre as pernas, o baseado aceso pendurado no meio
dos lábios. Além de cheirosa, Mayara era bonita! E íntegra!, se recusou a fazer
algo com ela, dadas as suas condições (ou sua total falta).
Os pensamentos se aquietaram tão logo o jogo e a brisa da maconha começaram,
as mãos recebendo as primeiras vibrações do controle, exigindo a sua atenção
imediata. Rita sempre teve facilidade em mudar de foco, o que se acentuou fortemente
na vida adulta, em especial com o trabalho. Sua profissão acabava sendo
beneficiada com essa aparente dispersão, pois sua rotina incluía dar conta de
mil afazeres criativos, quase todos simultaneamente. Ou seja, o que diziam que
era o seu fardo na vida, acabou sendo sua maior glória.
Ficou tão distraída que só percebeu ter recebido um retorno de Mayara
depois do game over, numa parte do jogo que ela sempre morria. Eram 11h e
a mulher tinha aceitado ao seu convite para um almoço, sem estabelecer o prato ou
o horário para o encontro. Rita deu uma olhada na sala, bagunçada, a roupa toda
jogada pelo chão, mas antes de dar um trato na casa ou se preocupar com o
cardápio, foi tomar banho. Precisava se esfregar com água e sabão para tirar a nhaca
da ressaca, porém acabou foi lavando o box, limpando os azulejos com uma
escovinha que ficava por ali, estrategicamente.
Sempre que ia na casa de alguém, ao ir ao banheiro era comum olhar a
higiene do lugar. Era do tipo que reparava nos limos das frestas, nos mofos,
abria o armarinho para ver o que tinha dentro e o que sempre observava era a
quantidade de papel higiênico estocado; Rita achava que isso dizia muito da
pessoa. Por isso, mantinha o seu próprio banheiro limpo e abastecido,
especialmente quando recebia visitas. Vai que a pessoa é como ela, reparadeira?
Terminou de passar pano no chão nua, com a toalha enrolada no cabelo. Ao
sair, quase 45 minutos depois de entrar, o banheiro cheirava a banho e limpeza,
com gotículas escorrendo das paredes devido ao vapor do chuveiro quente e ao
esfregão, que subiu até o teto envolto num pano embebido em um desinfetante
cheiroso.
Varreu e ajeitou tudo pelo apartamento sem olhar no relógio, pensando que
era quase um despropósito se preocupar com o que servir durante o almoço. Hoje
em dia cada pessoa come de um jeito... Essa semana mesmo Rita tinha lido um
artigo no trabalho, muito interessante, que explicava o porquê de tantas
intolerâncias: em suma, é tudo culpa do nosso modo de vida ruim e hábitos alimentares
tão industrializados, tão trabalhados em fast foods. Ela, por sorte, não
tinha nenhum impedimento, mas sobravam relatos de dates que desandaram
porque alguém ou era vegana ou não comia glúten, e o prato oferecido na
refeição envolvia churrasco ou lasanha. Ela jamais arriscaria sua sobremesa por
um vacilo assim, então pediriam algo pelo Ifood, Mayara ajudaria a escolher,
pronto.
O que mais estava pegando mesmo era a incerteza da hora. Sua convidada
poderia tanto aparecer para comer ao meio-dia quanto às duas da tarde, e nos
dois casos os horários poderiam ser facilmente aceitos como dentro do normal. Mas
Rita não quis mandar outra mensagem perguntando, porque não queria soar ansiosa
e porque se distraiu fumando a ponta que encontrou dentro do cinzeiro, quando
estava terminando a limpeza da sala.
Ainda estava sentada em volta da fumaça quando o interfone tocou, às 13h25.
Depois de liberar a entrada de Mayara na portaria, Rita teve o tempo de subida
do elevador para se vestir, pois ainda estava sem roupa, desde o banho. Se
enfiou com pressa dentro de um short jeans e uma camiseta branca, com estampa
de abacaxis. O cabelo foi afofado com um creme de pentear, depois de ser
liberado pela toalha úmida, cuidadosamente estendida atrás da porta.
Rita voltou correndo até a sala, ao ouvir as batidas leves de Mayara.
Pensava no quão prático era marcar encontros em casa, ao abrir a porta e
encontrar no hall a mulher cheirosa da noite passada.
Ela era maior que Rita, coisa pouca, talvez não chegasse nem a um palmo
de diferença. Magra, tinha um porte elegante, o rosto fino bem emoldurado pelo
cabelo comprido e castanho claro. Mayara estava séria, mas ao vê-la sua feição
se desanuviou um pouco, os lábios subindo sutilmente nos cantos, como se
sorrisse, mas não chegava a tanto. Trazia nas mãos uma garrafa grande de suco
de uva.
– Espero não ter
chegado muito cedo... nós nem combinamos um horário – Mayara fala, em tom de
cumprimento. Seus olhos de tom diferente varreram o rosto de Rita, atrás de
alguma resposta.
– Chegou na hora
certinha. Entra – Rita se afasta um passo, liberando a passagem para a mulher.
Ao passar por ela, seu cheiro seguiu logo atrás, num rastro delirantemente
seduzente. Muito melhor do que o aroma das suas lembranças alcóolicas – Fica à
vontade, a casa é nossa.
Mayara sorri, desta vez
abertamente, antes de se sentar no sofá. Algumas horas atrás tinha deixado a
mulher, que agora estava descalça à sua frente, deitada exatamente ali, e antes
de ir embora ouviu seu pedido para que abusasse dela quando ela estivesse
melhor. À primeira vista, Rita parecia ótima! Mayara sorriu foi por isso.
O apartamento também parecia diferente.
Mais limpo e estava certamente mais organizado do que na noite anterior. Não
que Mayara tivesse reparado, mas era notável a ausência de bagunça no ambiente.
– O que você
gosta de comer? – Rita pergunta, sentando perto, depois de guardar o suco na
geladeira – Quase pensei em cozinhar alguma coisa para a gente, mas não sei se
tem alguma restrição ou preferência.
– Eu como de tudo.
Acompanho você, no que for pedir – Mayara responde, com sinceridade – Não tenho
frescura, não.
– Ótimo, meu
tipo preferido de pessoa! – Rita sorri, puxando o celular.
– E aí, Rita?,
qual é sua história? – Mayara questiona, depois de um minuto e meio de silêncio,
vendo a mulher com a cara enfiada na tela do celular, no Ifood. A pergunta a trouxe
de volta à sala, sorrindo.
– Que direta! –
Rita ri – Estava aqui pensando se você apreciaria mais um japonês ou um
mexicano, e aí me pergunta isso!
Mayara não disse nada, apenas
sorriu e levantou uma sobrancelha. Sua expressão era de tranquilidade, mas era
notório que aguardava uma resposta.
– Hã, por onde
devo começar? – Rita puxou uma caixinha de madeira que estava perto de onde
estava sentada, e começou a preparar um baseado, sem cerimônia – Eu sou
publicitária, trabalho como designer numa agência em Perdizes, moro sozinha com
o meu filho – ela aponta com os olhos para o cachorro, que dormia um sono
profundo.
– E está na
cidade há muito tempo? Seu sotaque é diferente, mas não consigo reconhecer de
onde é.
– É, meu sotaque
do interior me entrega – ela ri, forçando o erre final da palavra – Sim, estou
aqui há uns 15 anos. Saí de Piracicaba, onde nasci e fui criada, para fazer
faculdade. Acabei ficando depois de formada.
– E gosta daqui?
– Mayara quer saber. Não parecia estar julgando, embora esse tenha sido o
pensamento de Rita, ao ouvir a pergunta.
– Sim – ela
levanta os ombros, um pouco contraditória, apesar da resposta – É uma cidade ótima,
tem de tudo, é muito prático. Você é daqui mesmo?
– Sou, nascida e
criada, por aqui desde 1990 – Mayara pareceu satisfeita por isso – São Paulo é
a minha cidade, amo. Sou tão fã que nasci no dia 25 de janeiro.
– Hum, dona
Mayara aquariana – Rita responde, ao saber que a mulher faz aniversário no
mesmo dia que a cidade. Ela ri, porque Mayara pareceu ficar sem graça. Isso a
deixou mais bonita – Você se considera uma pessoa individualista? – Rita
provoca.
– Você está me
julgando com base no meu signo? – Mayara rebate, fugindo da resposta.
– Estou te
fazendo uma pergunta, mas sim – Rita ri de novo. Encarou os olhos cinzas da
visita até que ela desviasse o olhar, fugidia – Estamos nos conhecendo, não é
mesmo?
– Certo. Bom, ao
terminar comigo, minha ex me acusou de ser narcisista – Mayara fala, depois de
alguns segundos. Estava séria, mas sorriu ao ver a reação de Rita, um pouco
perplexa – Que foi?, não esperava ouvir isso?
– Não – Rita
sorri, desta vez para ela – A propósito, eu sou de sagitário.
– Ah! – Mayara
concorda com a cabeça. Se fosse pela lógica dos astros, isso explicava muita
coisa no comportamento da mulher.
– Que foi, não
esperava ouvir isso? – Rita repete a pergunta dela, imitando seu tom de voz.
Era mesmo muito engraçadinha.
– Não, acho até que
combina com você. Mas, se não me engano, ser desprendida também é uma
característica do seu signo... – comenta, se acomodando melhor no sofá. Considerou,
ao ver a expressão dela, que Rita era muito mais interessante estando sóbria.
A verdade é que Mayara sabia muito pouco de astrologia. No máximo conferia
a previsão do dia, de vez em quando, no jornalzinho que entregavam no semáforo
e que ela só pegava por educação, porque nunca lia. Mas sabia o básico de
horóscopo e era argumentativa. Como uma boa aquariana!
– Tá, ok, já
sabemos que somos pessoas péssimas para nos relacionarmos – Rita volta a ligar
o celular. Pareceu que ia ver o almoço, mas estava no Google – Não, na verdade,
nossos signos dão um ótimo match – ela riu, antes de olhar para Mayara,
que estava rindo também – Quer dizer, não que eu esteja procurando uma namorada...
– Sim, sim, nem
eu – Mayara afirma, rapidamente. Desta vez, encarou Rita até que ela desviasse
o olhar. Sorriu, quando a viu fugir.
– E qual a sua
história? – Rita mais uma vez devolve a mesma pergunta recebida. Estava
terminando de bolar o baseado e o lambeu de cima a baixo, antes de continuar
falando. Não era para ser, mas foi um gesto bastante sexy – De relacionamentos,
eu digo. Da sua tal ex.
– Sei lá... –
Mayara derrama o olhar até a parede à sua frente, escorrendo na sequência até o
chão, onde o cachorro dormia, numa caminha cor de rosa – Longa história,
terminamos, fim.
– Sei...
– Ela me traiu,
eu perdoei, enfim...
– Entendi – Rita
diz, mesmo sem entender. Ela mesma jamais havia sido traída, porque jamais
havia se relacionado assim, ao ponto de ter um compromisso sério o suficiente
para ser traída. Ou machucada.
– Pessoas são
complicadas – Mayara diz, sem se referir a ninguém, exatamente. Mas pareceu que
falou dela própria.
– Sim, por isso
não me envolvo sério com ninguém. Tenho a minha regra de três, que pretendo
respeitar até o fim.
– Regra de três?
– Mayara sorriu. Pela primeira vez, desde que tinha chegado, sentiu uma vontade
imensa de beijar Rita. Ela falava de um jeito fofo, o canto da boca fazia uma
curvinha na bochecha.
– Sim, são três
encontros, no máximo. Mais do que isso já vira caso. As mulheres se apegam... Se
apaixonam!, o que é mil vezes pior. Aí acham que tenho que corresponder, que têm
algum domínio sobre mim, e eu não sou propriedade de ninguém, saca. Sou minha,
só.
Mayara balança a cabeça,
pensativa.
– Você gosta de
comida árabe? – Rita deslizava o dedo pela tela do celular – Hum, charuto, que
delícia, amo charuto! Vou querer um tradicional, enrolado no repolho, e você?
– Delícia, amo
comida árabe! Vou querer uma porção de falafel e babaganuche – Mayara fala,
depois de pensar por um breve momento – Vai pedir onde? – ela encosta no braço
de Rita, abaixando para ver a tela do seu celular – Não, gata. Não pede nisso,
não. Isso aí é lanchonete, é fast food. Pede no Fadul, aquele
restaurante árabe da Brigadeiro. Eu tenho o contato salvo, peraí.
Ela se inclina para trás, puxa o
celular do bolso da calça e procura o número na agenda do aparelho. Em vez de
digitar na barra de pesquisa, só deslizou o dedo de maneira contínua no
teclado, que foi escrevendo.
– Você deve ter
altos contatos nessa agenda! – Rita fala, a vendo digitar uma mensagem no
WhatsApp. Havia um histórico de conversas com o restaurante.
– Aham, altos
contatos – Mayara repete, como se a imitasse – Pronto. Diz que entregam em até
uma hora – ela volta a guardar o celular no bolso da frente da calça.
– Uma hora é
bastante tempo... quer beber alguma coisa? Um suco de uva, quem sabe? – Rita
oferece e ri, se levantando.
– Aceito, o suco
que eu trouxe é ótimo. É igualzinho vinho, você vai ver.
– Aham, igualzinho
– Rita volta a imitá-la, antes de buscar os copos na cozinha. Só por causa do
comentário de Mayara, escolheu para elas duas taças, uma alta e outra mais
redonda, tradicional. Equilibrou tudo nas mãos, inclusive o cinzeiro e o isqueiro,
que enfiou debaixo do braço – Espero que não se importe de eu fumar – diz,
depois de servi-las – Só para abrir o apetite, passar a hora até o almoço.
– Claro, fica à
vontade, a casa é sua – Mayara ergue a taça para um brinde, depois de levantar a
sobrancelha de um jeito sexy, aguardando o movimento da outra mulher. Escolheu
a mais fina, que tilintou ao encostar na taça de Rita – Tintim, à nossa.
– Um brinde, à
nossa – Rita bebe um gole de suco, e depois outro, maior – Nossa, que suco bom!
Parece...
– Parece vinho?
– Mayara estava rindo.
– Não, eu ia
falar que parece “suco de uva” – Rita ri também – Brincadeira, é muito gostoso,
lembra mesmo vinho, exceto pela notável ausência do frescor do álcool.
– Ah, o frescor
do álcool... – Mayara fala, irônica.
– Aham – Rita
responde, acendendo o baseado, se envolvendo de repente em uma nuvem de fumaça
branca de cheiro adocicado. Quando voltou a falar, sua voz saiu diferente, a
baforada presa nos pulmões enquanto ela prendia a respiração – Pera, a sua ex
te traiu e ainda te acusou de ser narcisista?
– Ainda está
pensando nisso? – Mayara riu. Apoiou o cotovelo no braço do sofá, aconchegando
o queixo na palma da mão. Ficou olhando Rita soltar a fumaça, tossindo um pouco.
Era uma mulher bonita, o nariz bem simétrico com os olhos castanhos, um pouco
puxados nos cantos. O cabelo encaracolado combinava com o seu rosto.
– Achei bem curioso
– ela resmunga, tragando mais uma vez – Para ser sincera, não sei quem é pior: sua
ex, de falar um absurdo desses, ou você, de acreditar. Qual o nome dela? Quem
sabe eu conheça...
– Duvido... –
Mayara ainda mantinha o sorriso no rosto.
– Tenta! O mundo
sapatão pode ser bem pequeno.
– Cibele. Ela se
chama Cibele – Mayara responde, a voz falhando um pouco no começo, e por isso
pigarreou.
– Cibele, da
Aclimação? – Rita pergunta, a fumaça subindo rápida em direção à janela, depois
de tragada.
– Não, a Cibele
mora na Vila Mariana. E ela não é do tipo que sai muito, então acho pouco
provável que você a conheça...
– Não duvide do
poder da minha rede de contatos! – Rita dá uma risada alta, jogando um pouco a
cabeça para trás, bem teatral.
Mayara não diz nada. O mundo
lésbico era mesmo uma grande dança do rebuceteio, as chances de todas se
conhecerem são sempre existentes. A possibilidade de terem se pegado é igualmente
grande e verdadeira.
– E aí é por
causa da sua ex traíra e faladeira que hoje você está solteira, na pista? –
Rita pergunta, depois de um breve silêncio.
– Não por causa
dela... mas sim.
– Isso é muito
triste, Mayara. Uma moça tão bonita... – Rita muda a voz ao fazer o comentário
– Há quanto tempo vocês não se veem?
– Faz algumas
horas – Mayara responde, e ri com a reação de Rita, que arregalou os olhos,
fazendo um som antes de tossir, engasgada com a própria fumaça.
– Sério?!
– Não, digo, nos
esbarramos na rua ontem, sem querer. Não foi assim, como está imaginando. Estávamos
vestidas, Rita. Por acaso, parei para tomar um café e depois a vi na calçada.
– Ah, tá – Rita
ri, e volta a tossir.
– Jurei nunca
mais ficar com ela. Falhei algumas vezes, aí jurei de novo, e venho mantendo
minha promessa.
– Ótimo, sorte a
minha. Senão você estaria lá com ela, e não aqui.
– É, quem perdeu
foi ela – Mayara levanta os ombros, parecendo magoada, apesar do que dizia.
– Certamente, mas
o duro é que essa traição te deixou assim, né. Afetada – Rita puxa com dois
dedos um pedaço de maconha, preso na ponta da língua. Seus olhos estavam mais
baixos e vermelhos.
– Não sou
afetada! – Mayara desamarra os sapatos e cruza as pernas em cima do sofá – Ela
me trair foi só o começo de uma história toda errada. Porque me traiu, aí
abrimos o relacionamento... – diz, depois de um tempo quieta – Sei lá, aconteceu
de eu me envolver com uma pessoa tóxica. Hoje quando olho, parece até obsessão.
– Sei – Rita responde,
pensando naquela escolha interessante de palavras.
– Mas ainda
assim não deu certo, claro, e no fim terminamos com ela alegando que a nossa
relação não teria futuro, que ela preferia ficar sozinha e tal. Aquele papo
furado...
– E?
– E aí ela apareceu
casada, dois meses depois.
– Mentira! –
Rita exclama, parecendo sinceramente chocada. Bebeu um longo gole do suco,
segurando a taça como se fosse vinho, e só depois soltou a fumaça que prendia.
– Tô te falando...
– Mas que mulher...!
– É, mas tudo
bem, não durou muito. As duas não ficaram juntas nem um semestre inteiro. Me
falaram que discutiam muito, até polícia era chamada às vezes, para apartar as
brigas. Uma coisa horrível.
– E como foi para você, vê-la ontem? – Rita
pergunta, um tom como se elas fossem velhas amigas. Sua voz estava mole,
arrastada.
– Sei lá. Fiquei
irritada. Um pouco mexida, é inevitável, ela ainda tem algum poder sobre mim,
eu acho. E isso me irritou também. Mas não dei papo. Nem podia, estava
trabalhando.
– Que bom.
– Ela disse que nós
podíamos voltar... Como se eu fosse! Como se eu a quisesse de volta.
– E você não quer?
– Rita pareceu sincera com a pergunta, embora tenha se sentido tola por
fazê-la.
– Não, não mais
– Mayara afirma, categórica. Negou também com a cabeça, para reforçar o que
dizia – Até porque ela se engana muito quando diz que não vou conhecer ninguém.
O que eu mais faço nessa vida é conhecer gente, afinal.
– Ui! – Rita dá
uma risadinha, empurrando a perna dela, de leve.
– É verdade! Meu
trabalho é transportar pessoas.
– Sim, inclusive
bêbadas como eu.
– Exatamente –
Mayara sorri. Pessoas alcoolizadas eram sempre muito chatinhas, exigiam dela
uma boa dose de paciência. Não tinha o costume de ver depois esses passageiros
de novo, sóbrios, mas estava apreciando a experiência com Rita.
– A propósito...
Preciso te agradecer e também te pedir desculpas por ontem à noite.
– Hun? O que
rolou?
– Não sei, me
diz você, eu estava muito louca! Não lembro de muita coisa. Sério, geralmente
bebo bastante, mas ontem...
– Ontem você foi
além? – Mayara sorri. Seus olhos pareciam mais brilhantes, ou Rita é que estava
brisada.
– Nossa, sim!
Tivemos uma semana bastante tensa no trabalho, o diretor lá da agência é um
babaca... e a minha chefe é... – Rita para de falar e suspira, piscando os
olhos rapidamente, fazendo um coraçãozinho com as mãos – Minha chefe é demais!
É só por ela que não chuto o balde, às vezes. Mas vontade nunca falta.
– Sua chefe se
chama Preta? – Mayara pergunta, antes de beber mais um gole de suco – Tive que
ir lá na casa dela mais cedo, ela esqueceu a carteira ontem no meu carro. Precisei
abrir para ver de quem era.
– A Preta...
Não, a Preta – Rita repete, quase cochichando. Inclinou o corpo para frente,
antes de continuar – Mayara, a Preta e a Miriá, que é a minha chefe, as duas têm
um caso – ela volta o corpo para trás, no rosto uma feição de triunfo.
– Sério?
Interessante.
– Ontem no bar...
– Rita volta o tom conspiratório – ...eu acho que vi alguma coisa.
– Acha que viu o
quê? – Mayara riu e se ajeitou no sofá, ficando mais perto de Rita, que estava no
pufe, ao seu lado.
– Ah, então, aí é
que está! Eu não sei... – ela passa a mão pelos cabelos, parecendo frustrada – Bebi
uns drinques coloridos ontem, que nossa... Ótimos, um mais gostoso que o outro,
mas fiquei louca, louca. Bom, você viu o meu desfecho.
– Vi, sim. Caiu
na calçada. E depois caiu na escada do prédio.
– É... – Rita
parecia pensar em outra coisa.
– Dormiu no sofá,
derrotada.
– Foi, desse
jeitinho.
– Mas você dizia
que a sua chefe...
– É. Não sei, eu
vejo... coisas – Rita ri, desta vez mais alto – Lances, entre ela
e a Preta. E as duas combinam, são lindas, não sei se reparou.
– Não reparei...
Mas acredito no que me diz – Mayara estava rindo também – E se por acaso você
soubesse que elas têm um caso... Ou tiveram. O que saber disso mudaria para
você?
– O que mudaria?
Mudaria tudo, ué! – Rita volta a rir alto – Meu bem, informação hoje em dia é
poder, qualquer que seja, embora eu jamais fosse fazer algo contra elas,
imagina. Sou fã da Miriá, acho ela uma mulher foda, incrível, super competente.
A Preta na verdade teria é muita sorte de a Miriá dar bola para ela, se quer
saber o que eu penso.
– Sei.
– Mas pode ser
coisa da minha cabeça. Isso, de elas terem um caso. Eu crio história, às vezes.
– Ah, é? Que
outra história você inventou?
– Hum... – Rita
levanta a cabeça, pensativa – Ah! Eu tenho comigo uma teoria de que a minha colega
Luana, que estava ontem no seu carro, também, é chegada em sadomasoquismo.
– Uau! Que criativa,
você.
– É, porque uma
vez no trabalho ela estava pesquisando alguma coisa na internet, eu passei
perto da mesa dela e vi. Era um sex shop, sei lá, não consegui ver direito, só
umas coisas meio... diferentes. E aí ela minimizou a tela rapidinho, ficou toda
sem graça, passou dias meio esquisita, fugindo de mim.
– Mas disso, para
ela gostar de BDSM...
– É, isso foi uma
coisa. Depois ela me perguntou, numa conversa que nem era sobre isso, se eu
conhecia uma dominatrix, se tinha contato de alguma. Quem é que tem contato de
dominatrix, me diz? – Rita pergunta, de maneira retórica, mas vê Mayara rir.
– Eu transporto
pessoas! – Mayara repete, se justificando, levantando as mãos para cima, em um
gesto defensivo – Conheço duas dommes. Uma se chama Dona L., a outra se
chama Sabrina. Vira e mexe faço corrida para elas. São ótimas clientes, me
indicam para várias pessoas.
– Tá, da próxima
vez que a Lu vier me perguntar, eu falo para ela perguntar para você – Rita ri,
apagando o baseado, que estava um pouco menor que a metade.
– Tá bom,
arrasa. Afinal, como você mesma disse, eu tenho ótimos contatos na agenda do
meu celular.
– Certeza que tem!
– Rita se levanta e senta ao lado dela, no sofá – Tem um ótimo cheiro também,
nossa – ela cheira a lateral inteira do pescoço de Mayara, que inclina a cabeça
para o lado, facilitando para ela cheirá-la melhor.
– É, você
repetiu isso ontem, várias vezes durante o trajeto.
– Viu só? Mesmo
alcoolizada, não perco o meu bom senso. Sempre bom saber disso – ela dá uma
fungada mais profunda, ao cheirar perto da nuca de Mayara – Você é muito
cheirosa mesmo, e aqui consegue ter um cheiro ainda melhor, uau – Rita levanta
o cabelo de Mayara, e enfia o nariz perto de onde nascem os primeiros fios. O
gesto fez a mulher se encolher um pouco e soltar um gemido, sem querer.
– Ai, Ritinha...
– “Ai, Ritinha”,
né – Rita repete, sussurrando, finalmente deixando o pescoço de Mayara,
beijando em linha reta até o seu queixo, percorrendo com a língua a pele
perfumada da mulher. Mordeu de leve seu lábio inferior, e depois o lambeu,
antes de beijá-la.
Mayara tinha a boca quente,
macia, um beijo gostoso. Seu gosto lembrava o seu cheiro e bala de menta, uma
combinação meio única, como é o aroma da chuva caindo no asfalto num dia de
verão. Envolveu Rita pela cintura, seus braços a trazendo para mais perto,
colando seus corpos sem desunir suas bocas. Encaixou seus seios nos dela e cedeu
ao abraço de Rita, que a puxava pela nuca. A outra mão a segurava firme pelo
meio das costas, mas foi amolecendo conforme a velocidade do beijo foi
aumentando. Foram interrompidas alguns instantes depois, pelo interfone
tocando.
– Péssima hora
para chegar o almoço – Rita reclama, levantando-se para atender – Péssima hora,
droga de pontualidade – continuou, antes de tirar o interfone do gancho.
– Tudo bem, nós combinamos
de almoçar, afinal – Mayara ri. Seus olhos estavam certamente mais brilhantes
agora.
– Uhum... – Rita
calça o chinelo que estava atrás da porta – Já volto!
Mayara sorri para o cachorro,
que se levanta e se espreguiça, depois que a porta da sala foi fechada. Não
parecia muito eficiente na arte de vigiar, mas era fofo, todo peludinho.
Rita não se demorou a voltar,
equilibrando nas mãos três sacolas de papel, com o nome do restaurante árabe em
letras garrafais ilustrando os embrulhos. À caneta, numa das embalagens veio
escrito “Para Maya, com carinho <3”, e no fundo tinha um bombom, que elas
não tinham pedido.
Acabaram dividindo as refeições
entre as duas, e se fartaram com as especiarias bem temperadas, regadas com
suco de uva. Rita até teria aberto uma cerveja para acompanhar sua digestão,
mas estava comprometida a não beber até que a ressaca estivesse 100% superada.
Se não tomasse esse cuidado, poderia colocar em risco sua noite de sábado – e ela
tinha planos que envolviam a área VIP de um barzinho badalado na zona sul, com
lista de espera de mais de um mês.
– Você trabalha
aos finais de semana? – Rita pergunta, quando acabaram de almoçar.
– Sim, em geral
são meus dias de maior movimento. A partir de quinta o fluxo já aumenta –
Mayara responde, se recostando no sofá. Se sentia bastante satisfeita, a comida
do Fadul nunca a decepcionava.
– E como fica
sua vida social no meio disso, menina?
– Que vida
social? – Mayara ri – Está tudo certo, já faz muitos anos que trabalho enquanto
geral se diverte. Nem é meu tipo ideal de diversão, na real. Eu não bebo.
– Imaginei –
Rita sorri para ela, antes de servir o que tinha sobrado do suco. Dividiu para
as duas, em porções iguais – Não bebe, não sai à noite... Muito boa moça você,
Mayara.
– Você acha? –
Mayara tinha um sorriso sacana enfeitando o rosto.
– Aham, e
cheirosa também. Pera, eu já disse isso? – Rita se aproxima dela e a beija.
Gemeu longamente no meio do beijo – Que delícia! É cheirosa e beija muito bem.
– Beijo bom
mesmo – Mayara resmunga, a beijando de novo. Desta vez, comandou para que o
ritmo fosse mais lento, e controlou a cabeça de Rita pela nuca, com a mão
esquerda – Gostosa!
– Você que é,
nossa – Rita se levanta, e dá a mão para Mayara – Vem, vou te levar para o meu
quarto. Quero você na minha cama.
– Mas a gente
acabou de almoçar... – Mayara diz, porém não recusou ao convite. Deu a mão para
Rita e caminhou descalça até onde ela as conduzia, para dentro do apartamento,
que cheirava a erva.
– Tudo bem, a
gente fode devagarinho – Rita responde, deitando com Mayara na cama macia e
espaçosa.
O quarto não tinha nada além da
cama box e o guarda-roupa embutido. Havia uma tevê pendurada na parede e um
quadro colorido com prédios de São Paulo, escorridos em aquarela com as cores
do arco-íris. A janela, sem cortinas, estava com a veneziana fechada, o que
dava ao ambiente um ar de penumbra, mesmo sendo meio da tarde.
A cama de Rita tinha o cheiro
dela, de amaciante e de roupa secada na sombra. Os três travesseiros estavam
encapados em fronhas com estampas diferentes, e voaram juntos para o chão, quando
ela tirou a colcha e rolou já sem blusa no lençol. Rita tinha uma tatuagem de
cacto rasgando a costela esquerda e foi onde a boca de Mayara pousou em
primeiro lugar. Percorreu o desenho reparando em seu contorno, as mãos
deslizando pela forma da mulher, descendo até os calcanhares, os dedos
enganchados na cintura do short dela.
Mayara sorriu satisfeita ao
contemplar os pelos pubianos de Rita, que se exibiram quando ela tirou a
calcinha, destampando também uma tatuagem pequenininha já perto da virilha. Deu
um beijo molhado no desenho, subindo novamente para a boca da mulher. Antes, tirou
a blusa, observada por dois olhos atentos.
Rita acompanhou o cabelo de
Mayara descer em ondas pelas costas nuas, e logo se acomodar escorrido no
colchão, quando ela se reclinou brevemente para puxar a calça, que terminou de tirar
com os pés, um pouco impaciente. Ficou de calcinha e sutiã, um conjunto bonito
que combinava com a cor de suas unhas, pintadas de vinho. Sem roupa, pareceu
que era ainda mais cheirosa, porque da sua pele exalava um cheiro convidativo e
adocicado de mulher com tesão.
As duas se encaixaram, sentadas bem
no meio da cama, se entrelaçando com os púbis se encostando o máximo que
conseguiam, provocando entre as pernas um calor que subia e descia, enquanto se
beijavam. Rita lambeu entre os seios de Mayara, cheirando profundamente o
espaço antes de beijá-lo. Quis passar a ponta do dedo pela renda do sutiã dela,
aconchegando o bojo inteiro na palma de sua mão, que vibrava, assim como todo o
restante de seu corpo, eletrizado por um desejo absurdo, intensificado com o
toque sutil de Mayara em sua pele desnuda.
Prensou seu corpo no dela quando
Mayara voltou a beijar sua boca, agora mais rápido, se esfregando em seu colo
conforme movimentava a língua, numa verdadeira dança de acasalamento entre duas
fêmeas excitadas e molhadas. Rita tirou o sutiã abrindo o fecho com uma só mão,
a outra puxando a alça pelo braço da mulher, que se arrepiou com a passagem dos
seus dedos. Os seios de Mayara despontaram bem perto do seu rosto, bonitos, bem
apresentados como uma boa comissão de frente, digna de nota máxima.
As auréolas rosadas ficaram imediatamente duras, antes mesmo que Rita
sequer as tocasse. Apenas com a proximidade de sua respiração, ambas se entumeceram,
provocando um gemido em Mayara que fez Rita gemer também, porque o som causou
nela um repuxo interno, perto de onde agora o sangue circulava com alta
frequência. Se sentiu imediatamente mais molhada, e voltou a gemer quando
encostou a boca no mamilo de Mayara, antes de lambê-lo com gosto.
A mulher se reclinou um pouco, tomando o nítido cuidado para não se
afastar demais. Queria a cintura de Rita perto da sua, mas não se opôs quando
ela as afastou um pouco, puxando sua calcinha para baixo, que inclusive ajudou
a tirar. Mayara sorriu de satisfação ao se aproximar novamente dela, enroscando
seus pelos úmidos nos de Rita, que gemeu com o toque, bem-vindo.
Ainda que fossem completas desconhecidas até poucas horas atrás, as duas
logo perceberam que tinham química na cama, com movimentos que se
complementavam, indo para posições de maneira natural, como se dançassem juntas
um baile apenas delas, cuja música era unicamente a respiração entrecortada por
gemidos que nasciam no fundo da garganta, guturais. Mayara virou Rita meio de
lado, que se deixou ser conduzida, sentindo os beijos estalados da mulher em
seus ombros, suas mãos descendo até sua bunda, alisando as nádegas de maneira
provocativa, com a ponta das unhas curtas.
Rita a segurou por cima da cabeça, se deixando ser invadida por trás pelo
dedo duro da mulher, que parecia conhecedor de seus desejos mais íntimos, e inclinou
a bunda para ela, como se fosse uma oferenda. Seu corpo primeiro se contraiu,
de maneira natural e quase defensiva, mas depois logo relaxou, permitindo livremente
a investida de Mayara, num local tão cheio de tabus.
O tesão foi imediato e notável, porque no mesmo instante Rita começou a
gemer e a respirar mais forte, rebolando de maneira descompassada na mão de
Mayara, intensificando os movimentos de acordo com os arrepios que cobriam cada
centímetro da sua pele.
– Nossa, o que
você está fazendo? – Rita conseguiu perguntar, a voz saindo fraca no meio dos
suspiros constantes.
– Estou te
comendo, bem gostoso. E devagarinho, como combinamos – Mayara responde, sussurrando
em seu ouvido. Ao se inclinar para ficar mais perto, passou o braço por cima de
seu corpo, a mão direita indo certeira para o meio de suas pernas, que se
abriram, sem esforço.
– Está muito
gostoso...
– Dá para ver,
Ritinha – Mayara sorri, e roça os dentes no pescoço dela, mantendo o ritmo dos
movimentos com as mãos.
– Mas quase me
dá vontade de te pedir para parar... – Rita resmunga, a voz saindo num fio –
Ai, Mayara...
– Pedir para
parar só porque está bom? Eu vou é te comer até você gozar, gostosa!
Mayara joga o cabelo para trás,
num movimento rápido com a cabeça, e busca com os lábios pela boca de Rita, que
se vira um pouco para beijá-la, se mantendo firme nos dedos dela. Não pediu
para que ela parasse, nem mesmo quando sentiu que ia gozar, porque sabia que
Mayara não pararia enquanto Rita não estivesse plenamente satisfeita. E assim o
fez.
– Mulher! – foi
tudo o que Rita conseguiu dizer, depois de gozar, beijando Mayara mais uma vez,
agora um beijo mais lento, com as batidas aceleradas do seu coração estalando
na ponta da língua e no clitóris, inchado entre seus dedos.
Rita respirou fundo algumas
vezes, parecendo atleta em preparação para uma prova importante, e desceu navegando
pelo corpo de Mayara, todo suado de prazer, a beijando e a cheirando inteira,
como quis fazer desde a primeira vez que a viu, na noite anterior. A mulher
tinha as curvas bem definidas e a pele toda salpicada de pintinhas e pequenas
verrugas marronzinhas, que lembravam um céu de um dia claro, só que estrelado.
Ela se abriu quando Rita parou
entre suas pernas, beijando sem pressa o interior de suas coxas, provocando
sensações que ecoavam até as extremidades de seu corpo, causando uma vontade
sincera de se entregar integralmente, sem medo. Sentiu confiança em Rita e por
isso gozou, recebendo seus beijos nos lábios que há muito não recebiam toque
tão certeiro, com a intensidade e os movimentos que tornaram o orgasmo um alvo
impossível de se fugir.
A cabeça rodou quando o ápice
veio, o cheiro do quarto de Rita ampliando as sensações, a fazendo segurar
forte no lençol da cama, única testemunha da intimidade delas, além das paredes
sóbrias. Seu gemido foi longo, profundo, e durou até que ela fechasse os olhos,
um dos braços caindo sobre o rosto.
– Mulher! – foi
a vez de Mayara falar, e Rita riu.
– Gostosa demais
– ela diz, dando um selinho no grelo de Mayara, antes de dar outro em sua boca.
– Demais, nossa
– Mayara resmunga, enlaçando seus dedos nos dela, depois que Rita deitou meio
de bruços em cima de seu corpo, apoiando a cabeça no ombro, o ouvido próximo ao
seu coração acelerado.
– A gente com
certeza vai precisar repetir isso.
– Sim, mas não
pode exceder três encontros. Tem a sua regra...
– É – Rita
responde, não parecendo dar muita importância ao que ouvia. Àquela hora, esse
tipo de detalhe nem passava pela sua cabeça.
– Ritinha –
Mayara a chama, depois de alguns minutos de silêncio.
– Hum... – Rita
resmunga. Pareceu que estava quase dormindo.
– A sua chefe
Miriá tinha um caso com a tal Preta. Mas terminaram.
– O quê? – Rita
nitidamente despertou, pois sentou na cama, piscando rápido para entender
melhor.
– Eu vi sem
querer um bilhete na carteira dela. Da Preta. Um bilhete escrito pela Miriá.
Depois que você falou, eu fiquei pensando...
– Bilhete de
que, Mayara? Que papo é esse? Me conta tudo, não me esconda nada!
– Um bilhete,
dizendo: “Terminar comigo foi um erro. Por favor, Pretinha, reconsidere”, e
tinha o nome dela, Miriá. Uma letra bonita...
– Nossa, e a
Preta é que terminou com a Miriá? Não acredito! – Rita deu uma risada
maquiavélica – É muito mais interessante do que eu imaginava. Grata pela
informação! – ela beija Mayara de maneira demorada.
– De nada! Não
imaginei que ficaria tão empolgada.
– Claro que fico
– Rita ri de novo – Como eu disse, informação é poder, gata. É sempre bom saber
das coisas.
– Hum – Mayara
resmunga, fazendo uma cara de “tanto faz”.
– É, sim. Quer
uma prova? – Rita pergunta, e espera Mayara voltar a abrir os olhos e encará-la
– Sua ex, Cibele, da Vila Mariana, se casou por impulso com a Camilinha, que
morava no Minhocão. As duas terminaram por causa das brigas e porque rolaram altas
traições.
– Mentira! –
Mayara estreitou os olhos, meio desconfiada com o relato. Quis ficar feliz com
a notícia, mas estava em choque.
– Tô te falando!
Depois que você falou, eu fiquei pensando – Rita imita a voz dela – Falei para você
não duvidar dos meus contatos!
– A Cibele foi
traída?
– Uhum.
Informação é poder, eu disse. De nada – Rita dá um beijo nela, antes de puxá-la
de volta para os seus braços.
Mayara se deixou se aconchegar
no colo de Rita, sem dizer nada. Nem quis ficar pensando na ex, estando ali, na
cama de outra. Não que Rita se importasse, caso soubesse, mas Mayara só não
quis. Por ela, mesmo, foda-se a Cibele chifruda.
Rita a abraçou e fechou os
olhos, o corpo todo relaxado do sexo, a mente querendo debandar para
frequências mais tranquilas, ela toda enroscada em Mayara (tão mais cheirosa
depois de gozar!), que a abraçava com os braços e também as pernas. Se não
tivesse juízo, cancelaria a baladinha de mais tarde, pediria para a mulher
dormir com ela, passariam o final de semana inteiro só na fodelança. Na
verdade, antes do cochilo, Rita até considerou rever sua regra de três
encontros; por Mayara, valeria a pena, não tinha dúvidas.
Dormiu esparramada no colchão, o
corpo descansando o que deixou de descansar durante a noite, mal dormida no
sofá. Quando acordou, umas duas horas depois, se viu sozinha na cama e
encontrou um bilhete de Mayara perto do travesseiro. Dizia: “Tive que ir
trabalhar. Adorei o nosso primeiro encontro. Ansiosa pelos próximos dois”.
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