Happy Hour (conto)
Esta é a quarta história da Novelinha.
Se ainda não leu a terceira, O contrato, clique aqui.
De longe, sexta-feira é o pior dia da semana. O mais corrido e atribulado,
sem dúvida, e por isso mesmo, o mais cansativo. Tudo se concentra nesse dia,
inclusive os problemas que eventualmente acontecem. E sempre surge algum
imprevisto, acredite. É quase uma regra: se algum xabu pode acontecer, a bomba
estoura no meu colo na sexta-feira e quase sempre no fim do dia, já bem perto
do final do expediente, para dar mais emoção. Às vezes, ira ou desolação.
Começa que praticamente todos os clientes decidem que sexta é um bom dia
para o fim dos prazos e entrega dos trabalhos, às vezes de projetos que
chegaram literalmente no dia anterior. A alta gerência nunca se opõe, ao
contrário; já soube de várias reuniões em que o diretor inclusive nos lançou às
feras, sugerindo, ele próprio!, de entregarmos campanhas inteiras nesse dia, dentro
de prazos insanos, ciente de diversas outras atividades rolando, com a mesmíssima
data de entrega.
Agência de publicidade às vezes se parece um pouco com pastelaria. “Oi,
me vê duas artes com queijo. Para agora”. E o pior é que tenho que dar, sou
obrigada a fazer, me desdobro para entregar todos os trabalhos (que são mais
complexos do que fritar massas recheadas em óleo quente, sem querer desmerecer
os pasteleiros). E aí justamente o que mais me irrita é precisamente o que me
diferencia na Agência Rubi, e sou conhecida no mercado pela minha agilidade com
qualidade, mas poucos sabem que realizo muitas tarefas virando os olhos num
looping eterno e com a cabeça latejando de desgosto.
Teve uma vez, para ilustrar, que fizemos uma campanha gigantesca em
incríveis 15 dias e foi tão desastrosamente desgastante que fiquei com olheiras
profundíssimas por dias, tive uma crise nervosa que quase ninguém soube, mesmo depois.
E isso porque na ocasião, tinha acabado de voltar de férias!
Não vou mencionar que ganhamos um prêmio por essa campanha porque a
informação tiraria parte do peso do que estou relatando.
O fato é que minha vida é tensa, se quer saber. Vivo sob intenso estado de
nervos, tenho sérias dificuldades para dormir, sofro com crises constantes de
enxaqueca e meu cabelo não cai; ele se joga. Acordo todos os dias já exausta,
como se um bonde tivesse me atropelado, e essa referência por si só já é claro um
indício do quanto me sinto uma velha cansada, daquelas que soam até um pouco
amargas. Estou sempre mal humorada.
É inevitável! Quem é feliz vivendo assim?, meu estímulo na vida é
sobreviver entre os dias úteis, na corda bamba do cotidiano!
Mas isso, claro, relato só para mim. Ao redor quase ninguém percebe meu
desgaste, meu cansaço e até meu mau humor, que disfarço bem. Meu rosto vive
enfeitado com um sorriso bonito que reconheço como meu nos reflexos por onde
passo, inclusive do prédio espelhado em que trabalho, mas apenas como se fosse uma
espécie de rótulo harmonioso de algum produto, como os milhares que já criei e ainda
crio, diariamente. Por dentro, entretanto, o conteúdo soa meio inacabado, ou
mal acabado. Sinceramente, não sei bem em que momento me perdi! Eu tinha
bastante potencial de envelhecer sã!
Agora, cá estou, sofrendo por antecipação nesta sexta, não querendo
confiar no meu instinto que nesse momento grita por algo que sinceramente me
recuso a ouvir. Hoje está que parece uma sirene histérica, insistindo em me alertar
de algo que pode nem acontecer. Vivo rodeada de alarmes falsos, é preciso
reconhecer. Mas tem vez que acerto também e talvez por isso esteja tão estressada
e pensando nessas coisas agora. Faltam só alguns minutos para, em teoria, eu entrar
de férias. Temo não conseguir; tipo nadar e morrer na praia.
Para desfocar da tensão, ligo o som do computador e abro com dois cliques
a tela do e-mail. Led Zeppelin começa a tocar baixinho com I can’t quit you
baby e dou o comando no teclado para atualizar o recebimento das mensagens,
no ritmo da música, tentando me distrair. Nada novo. Nem spam. Não sei
se isso me deixa aliviada ou mais aflita. Olho em volta e tudo parece normal, naquela
tranquilidade típica. Estranho!
Nada no momento indica alguma reviravolta, a não ser a minha intuição,
aquele pelo que se eriça na nuca diante do receio de algo fugir do meu
controle. A semana toda vi o pessoal da diretoria agitado, em reuniões externas
e encontros quase secretos, às portas fechadas. É fato que algo está para
acontecer, e meu desejo é só que dê tempo de eu ir embora antes disso.
Inevitável não pensar que cliente é o bicho mais complicado do catálogo
porque a única certeza que ele tem é de quando quer receber o job,
aquilo que ele próprio pediu, mas que depois sempre muda de ideia. Na primeira
aprovação se duvidar altera até o conceito, e aí são dias refazendo e ajustando
e editando e suspirando, quase sempre para terminar tudo até sexta. Deveria existir
um adicional por insalubridade só para lidar com pessoas.
Minha sorte é não ter de tratar diretamente com ninguém, a não ser com o próprio
pessoal da agência. Meu contato com os clientes sempre é via Atendimento, feito
pela Preta. Ainda bem que somos amigas, porque essa parceria é tão fundamental
quanto a química que é preciso existir entre designer e redator, para a boa
dinâmica de um trabalho como o nosso. Na Rubi tirei a sorte grande, e meu time
é quase todo só de mulheres. Incríveis mulheres! O que estraga minha rotina são
apenas os clientes mesmo, mas sem eles não tenho emprego, então os aturo. Sou
obrigada a aturá-los.
– A rede de
hotéis fechou contrato com a agência – Preta diz, entrando na sala, o salto de
seus sapatos disputando com as palavras que proferia em boa dicção. Consultava
algo no tablet em suas mãos e não me olhou enquanto falava. Tinha uma ruga
marcando o meio da testa, que unia suas sobrancelhas – O Ric fechou o prazo,
naquele esquema – ela complementa, num tom de voz mais baixo, quase desanimado.
Então aquele era o anúncio que
estragaria meu dia. Achei que viria por e-mail, mas foram meus ouvidos quem
captaram com desgosto à sentença, na voz melódica da minha fiel colega de
trabalho. Suspirei fundo, organizando as ideias na cabeça, rapidamente. Defini então
quem seriam as coordenadoras do projeto junto comigo.
– O Ricardo é um
cuzão – resmungo, e ela escuta. Foi quando enfim me olhou, daquele jeito que
sempre fazia quando me analisava, por cima da armação dos óculos azuis – Ele
disse que contrataria gente para ajudar nessa campanha, caso fechasse, aí assina
o contrato antes disso.
– É, amada, sabe
como é... Eu nem contaria com isso, se fosse você – Preta diz, puxando sua
cadeira de rodinhas para perto. Sentou e cruzou os braços, ainda me encarando
por alguns segundos. Seu olhar não revelava em nada o que pensava.
Minha mesa é grande e fica bem
no centro da sala, um local bastante espaçoso e cercado de vidro, que lembra um
aquário, e daqui consigo ter uma visão completa da equipe. Ao todo são pouco
mais de 20 pessoas, espalhadas em baias com conjuntos de quatro mesas cada, tudo
marrom, que combina com o tom do chão, também de madeira. Cada profissional é
parte de uma sinfonia orquestrada por mim, e todos se dividem em tarefas que se
complementam. De longe, essa área da agência quase se assemelha a uma linha de
produção. Só que em vez de peças, aqui nos valemos da criatividade dos membros,
gabaritados e escolhidos a dedo para cada uma das funções.
Preta se ajeita na cadeira e
cruza as pernas, suspirando. Apoiou o tablet branco em cima do joelho e o
deixou equilibrado ali, enquanto ajeitava o cabelo, preso num coque alto. Quando
falou, sua voz saiu num tom quase conspiratório e combinou com sua postura,
toda virada em minha direção.
– Essa é uma campanha
milionária, a reunião com o pessoal foi bem tensa, num hotel chique lá em
Pinheiros. Você provavelmente viu a movimentação durante a semana, estavam
todos bem agitadinhos. Cliente quis enfiar várias coisas no contrato, e
não sossegou enquanto não conseguiu o que queria. E a Rubi vai atender tudo, é
claro – ela faz uma pausa – Uma das exigências é você gerenciar a campanha,
amiga.
O comentário dela me faz suspirar e virar os olhos. Conheço bem clientes
assim, nesse nível de exigência, com essas verbas escandalosas. São os que
sempre fazem a pálpebra do meu olho esquerdo tremer em quase crises nervosas. Acham
que só porque estão pagando têm direito a mil palpites e regalias – o que em
partes é até verdade, mas não me impede de me irritar mesmo assim.
– Ritinha, Lu –
eu chamo, e a redatora me olha por cima do monitor, puxando os fones de dentro
dos ouvidos. Uma música agitada escapa por ali, antes de ser pausada. Do outro
lado do corredor, Rita faz um gesto parecido, e me encara – Aquela rede de
hotéis Etur Lux fechou contrato com a agência – informo, e ela e Luana balançam
a cabeça, no mesmo instante puxando as cadeiras para perto de mim.
– Enviei para
vocês a ata da reunião, o manual de marca e todas as especificações do cliente
– Preta diz, mexendo no tablet – Segunda, às oito? – ela pergunta e nós três
nos entreolhamos, concordando com a cabeça. O dia já estava quase terminando
mesmo, não teríamos muito o que fazer antes do fim de semana – Começamos
segunda às oito, perfeito, mandei o invite para o e-mail de vocês.
– Eu ia sair de
férias... – resmungo, num comentário que não consegui conter, e minhas colegas automaticamente
se compadecem. Luana com uma careta e Rita com algo que pareceu um sorriso
triste, acompanhado por um muxoxo.
– Já desmarquei
com o RH – Preta diz, comprovando sua eficiência – Sinto muito, querida! A
gente tenta de novo daqui uns meses – ela complementa, segurando minha mão por um
instante, enquanto os olhos varriam meu rosto à procura de uma estabilidade que
eu ainda não conseguia nem fingir que possuía.
– Tá, né – levanto
os ombros, piscando de maneira dramática, me sentindo repentinamente uma menina
sem o presente de natal. Mas logo me recomponho porque é o tipo de postura que não
combina comigo. Não em público. O fato de eu estar chateada não é desculpa para
demonstrar essa chateação, afinal – Segunda, às oito, então – repito, e Preta
finalmente sorri.
– E aí, vamos
beber? O cliente deu a verba do happy hour, pelo menos? – Luana
pergunta, se referindo ao adiantamento que era sempre liberado pela agência
quando grandes contratos eram fechados. Ela se levantou e ficou apoiada no
encosto da cadeira, aguardando uma resposta, com uma das mãos em suspensão.
– Verba
liberada, sim – Preta confirma, e vê a redatora virar os olhos, como se a
resposta fosse outra.
– Ótimo, é o
mínimo – Luana dá um suspiro, parecendo impaciente – Mas seria por minha conta,
chefe, caso fosse um cliente fura-zoio, mão de vaca.
- Grata, Lu –
sorrio para ela, que tinha uma agilidade nas respostas sempre muito superior ao
ritmo de entrega dos seus trabalhos – Mas nem sei se estou em clima de happy
hour hoje, meninas...
– Ah, chefe –
Rita resmunga, ao se levantar – Você tem que ir, poxa...
– Vamos, vai – Preta
insiste, só então deixando o tablet de lado – Hoje é sexta e merecemos um
aperitivo.
– Você muito
mais que nós – Luana se levanta e empurra a cadeira até o outro lado da sala.
Desligou o computador antes que uma de nós respondesse algo – Vai, chefe! Você
escolhe o lugar!
– Faz dois anos
que tento tirar férias e descansar. Não sei se me embriagar é uma boa hoje... –
falo baixinho.
– A gente podia
ir naquele bar de novo, que tem aquela caipirinha rosa. Sabe? – Preta diz,
também voltando para sua mesa e desligando o computador, como se não estivesse
me escutando. Guardou o tablet dentro da bolsa, porque ela é daquelas que não
se desliga nem aos finais de semana – Qual era o nome? Aquele que você quis
dançar em cima do balcão – ela fala, olhando para a designer, que balança a
cabeça só em ouvir a menção.
– Gata, eu não
posso voltar lá – Rita a lembra, bebendo água numa garrafinha cor-de-rosa, nos
olhando por cima – Se chama Óbide.
– Não, você não
pode entrar no Cazzino, lá na Lapa. Óbide é aquele barzinho da Vila Madalena –
Preta fala, rindo – Que a gente foi, você bebeu todas e depois a gente pegou
aquele Uber, lembra? Que era uma motorista cheirosa! Ficou a viagem toda
falando isso...
– Mayara... –
Rita suspira, um pouco teatral, acessando alguma lembrança boa, a considerar
pela expressão em seu rosto – Daria cinco estrelas para ela para o resto da minha
vida...!
– Ótimas
histórias – eu digo, rindo também – O bar da caipirinha rosa é aquele que fica
para cima da Praça Roosvelt, se chamava Privata. Fechou, lembra que a gente
tentou voltar?
– Ah, é mesmo – elas
concordam, juntas, e por um momento ficam em silêncio, pensando em outras opções.
– Deixa, gente –
eu falo, já convencida a só ir para casa e assistir algo na TV – Eu já não
estava mesmo no clima de beber, vou só pedir algo pelo Ifood depois de um banho
morno e curtir o meu sofá.
– Amiga, você
envelheceu uma década só com esse comentário – Preta ri – Não posso te deixar
fazer isso com sua vida, hoje é sexta, você perdeu suas férias. Deixa a agência
pagar nem que seja o seu jantar. O nosso jantar, com álcool – ela complementa e
puxa o celular do bolso de trás da calça – Eu estava mais cedo vendo a nova
edição do Guia Goodyear de restaurantes. Vocês viram a lista?
– Minha amiga
foi em um desses restaurantes e disse que a comida é ótima – Luana comenta,
também com os olhos na tela do celular. Os dedos faziam um movimento, digitando
– Só não lembro o nome... Vou perguntar. Ela disse que a dona é lésbica.
– Por mim,
fechou. Vamos nesse – Rita decreta – Chefe, você veio de carro?
– Veio, mas
vamos de Uber – Preta responde por mim, e me dá uma piscadinha – Você merece
beber sem se preocupar em dirigir depois.
– Não sei se
quero beber...
– O restaurante
se chama O Bistrô – Luana fala, logo após receber uma mensagem no celular – Parece
que tem um bar lá dentro – o sorriso em seu rosto me fez sorrir também. Acabei
me convencendo a ir só pela expectativa das minhas colegas, que claramente só
queriam me entreter e se divertir um pouco.
– Está no topo
da lista do Guia – Preta tinha uma expressão de surpresa – Deve ser lotado... –
ela olha para o relógio, parecendo desanimar.
– Então vamos
logo – Rita diz, batendo duas palmas.
– Quem chega em
restaurante uma hora dessas? – resmungo, mas pego minha bolsa e as acompanho
quando começam a caminhar em direção à porta. Ainda não eram nem sete da noite.
– Nós! – Luana
responde, me olhando por cima do ombro, depois que passamos pela porta de vidro
– E até chegar lá, chefe, com o trânsito de sexta... já vai ter passado do
horário de jantar.
Não falo nada porque ela tem
razão. E isso me desola um pouco porque ainda que aprecie bastante a companhia
dessas mulheres, gosto muito mais do meu sofá, do meu pijama, do conforto do
meu lar. Meu humor, que já não era dos melhores hoje cedo, degringolou quando
perdi minhas férias deste ano. Por sorte, sabia que ninguém me faria interagir
além da conta durante o tal happy hour.
Por isso, me permiti me manter
distraída no trajeto até o restaurante escolhido. Rita, Preta e Luana foram
conversando animadamente com o motorista, que contava sobre um protesto que
tinha acontecido mais cedo, na região da Avenida Paulista, por onde agora
passávamos. Esta é uma área que gosto bastante e me surpreendi quando o carro
encostou, não muito longe dali.
– Região boa...
– Rita comenta, como se lesse meus pensamentos, logo que paramos na calçada –
Esse restaurante deve custar uma fortuna.
– Vamos beber e
comer na conta da agência – Luana lembra, e dá um sorrisinho rápido para Preta,
que não retribui – É o mínimo, depois que cortaram suas férias – ela me olha e
fico com vontade de sorrir, só que mais em solidariedade, porque esse assunto
ainda me deixa bastante irritada. Nem mesmo me fartar com comidas caras parece
consolar, então me mantenho séria, mas movo a cabeça, em concordância. Não é
porque meu dia estava ruim que a noite dela teria que ser também.
O local tinha a fachada bonita,
com o muro de pedras todo entremeado de samambaias, que pareciam reais. Luzes
amarelas se acenderam antes de entrarmos, destacando ainda mais o verde das
plantas, que combinavam com o tapete grosso estirado na frente da porta
giratória, com o nome do restaurante bordado em letras azuis.
Lá dentro, um grande salão tinha
parte das mesas ocupadas, e algumas poucas seguiam arrumadas e dispostas com
toalhas brancas e azul marinho, todas num mesmo padrão, rodeadas por cadeiras
de encosto alto, elegantes. Uma música ambiente escapava dos fundos do
restaurante, e Preta indicou que era onde ficava o bar. Ela foi seguindo na
frente, abrindo caminho para nós, atendida por um garçom atencioso que nos
abordou logo na entrada, e escolheu uma mesa perto do balcão preto. A música,
instrumental, ressoava baixinho e não consegui identificar de onde vinha,
exatamente. Mas encontrei a porta da cozinha enquanto procurava, e passei a
olhar para lá sempre que ouvia o barulho dela sendo aberta. Aromas diversos
escapavam dali nestes momentos, e me apeteceram ao ponto de eu quase me esquecer
que estava brava. Quase!
A primeira rodada de drinques
foi servida em taças altas de formato diferente, com canudinhos coloridos que
competiam com a cor da bebida, meio esverdeada. Parecia gin, mas Rita disse ser
absinto, e antes de terminar de beber eu já me sentia um pouco alegre. Mais
leve, sem dúvida. A música pareceu ficar mais baixa porque nossas risadas
começaram a soar um pouco mais altas nos meus ouvidos.
A segunda rodada veio em copos
menores, mais achatados. A bebida cheirava a vodca e maçã verde, e tinha gosto
de gelatina com álcool. Era bom, e gelado, e me fez esquecer completamente da
música, da porta da cozinha e até do restaurante em que estávamos. Por longos e
preciosos minutos quase me esqueci até de quem era.
Lembrei de mim quando quis fumar,
e fui sozinha até o fumódromo do restaurante, que parecia ter um teto giratório;
se movia conforme eu andava, deixando para trás as risadas e vozes das minhas
colegas, cada vez mais abafadas pelas outras conversas do recinto, agora lotado.
Caminhei devagar, consciente de cada uma das minhas pernas, que bambearam em
alguns dos passos – numa demonstração clara do quanto eu já estava embriagada.
A área de fumantes é um espaço
reservado, a céu aberto, com alguns bancos e mesinhas altas, feitos de madeira
de demolição. Reparei que os cinzeiros tinham o logo dO Bistrô e uma garçonete
me deu um porta-copos antes que eu apoiasse minha bebida na tábua da mesa. Os
detalhes fazem toda a diferença, pensei, acendendo o cigarro. Dava para ver o
porquê de aquele ser um local cinco estrelas.
Um muro baixo separa os limites do restaurante com a calçada, e fiquei
olhando a movimentação enquanto tragava sem pressa. Nicotina e álcool são dois
bons amigos, um parece que chama o outro, e por isso acendi mais um cigarro
quando o primeiro acabou, e vi minha bebida ser reposta antes mesmo de pedir
outra.
Desta vez me foi entregue um
copo que lembrava uma caneca, apoiado numa espécie de pires, que tinha uma
colher pequena junto. O coquetel de frutas provavelmente era para ser primeiro
bebido e depois comido. Achei diferente, e só por isso pesquei um morango com a
coleirinha, que permaneceu entre meus dedos enquanto mastigava. Ainda não tinha
engolido quando ela chegou.
De primeira, imaginei que a
mulher tinha se confundido, talvez sentado na mesa errada, por engano. Talvez
estivesse bêbada. Depois, imaginei que as outras mesinhas estavam ocupadas, e
por isso ela fumaria ali, ao meu lado, mas vi que estava errada quando
constatei que nem fumante a indivídua era, e parecia estar bem sóbria!
– Alto teor
alcóolico – ela aponta para o meu drinque, suando em gotículas na transparência
do copo – Você comeu alguma coisa?
– Desculpe, nos
conhecemos? – perguntei, num tom de “vá à merda”. Nem minha mãe controla as
coisas que ingiro! Emendei dois tragos no final do cigarro, antes de apagá-lo
no cinzeiro verde de vidro.
A mulher pareceu surpresa com a
minha resposta, porque arqueou uma das sobrancelhas. Mas foi também seu único
gesto, e nos lábios permaneceu o sorriso da pergunta.
– Está
comemorando algo? Não! Bebendo as mágoas, entendi – ela diz, antes que eu diga
algo, e seu comentário me faz querer levantar. Mas permaneci sentada porque com
exceção daquele morango, eu não comia nada desde o almoço. Além de fraca,
estava mole de álcool, e confortável naquela banqueta que deixava meus pés
longe do chão.
Embora incomodada com a impertinência daquela estranha, que chegou já
sentando, como se me conhecesse, dela emanava algum magnetismo que na hora não
soube dizer. Nem depois fui capaz!
– É, vamos
chamar assim – respondo, bebendo um gole curto do drinque de gosto
perigosamente doce, para um paladar já alcoolizado – É este o nome quando seus
planos de férias são frustrados? Às mágoas, então! – direciono o copo em sua direção,
como se brindasse.
Por algum motivo, a resposta não
pareceu ser o que ela esperava escutar, e desta vez a mudança na sua feição foi
bem mais visível. Mas ao final riu, como se a surpresa tivesse sido positiva.
– Pretendia viajar para onde? – ela pergunta,
parecendo interessada.
Busquei por sua mão à procura de alguma aliança, mas ela estava com ambas
apoiadas no colo, longe da minha vista. Se tem uma coisa que não gosto é de
mulher comprometida. Nunca dá bom.
– Não pretendia
viajar. Precisava descansar, só. Preciso – me corrijo, considerando
brevemente que comer algo poderia não ser má ideia. Percebi que minha fala saiu
meio enrolada, então pigarreei antes de continuar – Ando muito cansada, mas infelizmente
trabalho num lugar que me suga até a última gota e prioriza mais o dinheiro de
clientes do que o meu bem-estar, minha saúde mental.
– Que injustiça,
pobre menina... – ela pareceu irônica – Ou então você é muito boa no que faz! –
A mulher tinha um sorriso afiado.
– Desculpe, você
trabalha aqui? – pergunto, ameaçando levantar, mas meu gesto se resumiu apenas
a isso, e permaneci sentada. Talvez porque esperasse uma resposta que parecia
já conhecer. Óbvio que não era funcionária! Ela não usava o uniforme que todos vestiam,
com o logo do restaurante estampado. Era um logo bonito, elegante.
– Oh! Não, eu
não. Sou amiga da chef, Patrícia. É a dona dO Bistrô. Você a conhece? Te vi há
pouco olhando várias vezes para a porta da cozinha – ela faz um gesto com o
polegar, em direção ao salão, onde eu estava antes com minhas colegas. Não
havia aliança na mão direita.
Fico
alguns segundos analisando o que acabo de escutar, os olhos estreitos, associando
o comentário à presença da mulher que nem fumava, mas que estava ali, me aborrecendo
com perguntas tolas.
– Você tem
razão, talvez seja bom eu me alimentar – falo, depois de pensar em mil outras
melhores respostas. Me levanto e apoio minha mão em seu ombro, antes de me
despedir. Sei lá por quê! – Você é bastante observadora, podia até ganhar dinheiro
por isso, é quase um dom – falo, com minhas palavras se atropelando, mas tudo
bem.
Saio do fumódromo torcendo para
que ela tenha percebido meu tom irônico, e só quando chego na metade do salão é
que percebo que deixei cigarro e isqueiro lá fora. Merda! Meu isqueiro
preferido.
Sentei me sentindo um pouco
contrariada, por vários motivos, e as meninas estavam debatendo qual seria a
bebida da próxima rodada. Rita estava com a colherzinha do drinque no canto da
boca, parecia sexy, mas fiquei na dúvida se ela queria seduzir alguém ou se só
estava distraída. Rita era sempre bastante imprevisível, especialmente quando
bebia. Ela se transformava!
Ao seu lado, Preta parecia
discutir com o menu, falava sem parar coisas que não consegui entender. Nos
dedos ia elencando listas que só ela entendia, e na sequência a mão se movia em
gestos de “deixa pra lá”, mas o debate parecia longe de terminar.
Na ponta da mesa estava Luana,
com aquela expressão típica, meio distante. Uma incógnita para mim, beirava um
desafio. Ela não sabia, mas secretamente a chamava de geniazinha, pois tinha
mesmo uma mente brilhante! Tê-la em minha equipe era um mérito e até um facilitador
para o meu trabalho, mesmo que eu nunca conseguisse decifrar qualquer
pensamento seu que fosse. Mas ela estava sorrindo agora, com o rosto corado
como sempre ficava depois da terceira dose.
– Gente, eu vou
beber uma coca-cola – resmunguei, e levantei o dedo para procurar o garçom, que
entrou no foco da minha visão em alguns segundos, com uma vermelha e brilhante
lata de refrigerante em cima da bandeja – Cinco estrelas – respondi, em tom de
agradecimento.
O garçom não sei se entendeu, mas sorriu para mim antes de sair do curto
perímetro que minha vista alcançava ali, e virou um borrão. Não só pelo álcool!
A luz nos fundos dO Bistrô é mais baixa, estratégia para se beber à vontade,
talvez. Bem pensado! Talvez depois procurasse pela tal de Patrícia, a chef,
quando estivesse sóbria. Fazia questão de cumprimentá-la, era mesmo um
restaurante requintado, digno do Guia Goodyear. Pensava nisso quando voltei a
ouvir a música. Foi quando lembrei do meu isqueiro, meu maço perdido e a
estranha.
Bebi três goles longos do (medicinal!)
refrigerante, o gás espirrando bolinhas geladas na lente dos óculos enquanto
outras desciam felizes pelo meu esôfago, me trazendo uma imediata e
reconfortante cura e recuperação dos sentidos. Suspirei antes de apoiar o copo
cuidadosamente em cima do suporte com o logo do restaurante, vendo que nenhuma
das minhas colegas respeitava o limite estabelecido pelos seus próprios
porta-copos.
Difícil clientes assim. Difícil
clientes! Povo complicado, quase indesejado, estraga todo o rolê. Balanço a
cabeça, me sentindo de repente tão bêbada quanto as mulheres à minha volta,
mergulhada também em discussões que só eu debatia. Rio sozinha antes de
levantar, me perguntando se deveria caminhar até o banheiro em linha reta com
os óculos sujos ou sem óculos, e uma torcida gritou pela primeira opção.
Torcida, sim. Minha cabeça funciona de um jeito peculiar quando estou bêbada.
Segui o que todos diziam, sem
questionar, os pés batendo no chão talvez com um pouco de força exagerada, mas era
isso ou nada, então segui o mapa que me dei, até a porta que procurei assim que
entrei nO Bistrô algumas horas antes, porque é importante saber onde ficam os
banheiros de um lugar antes de precisar usá-los. O encontrei vazio, sem fila.
Cinco estrelas! Faria recomendações nas redes sociais, com certeza. “Restaurante
maravilhoso, banheiro impecável”.
– Recomendações que eu certamente valorizaria,
caso lesse! – falo em voz alta, tirando os óculos para lavar na pia quadrada do
banheiro, bem iluminado. Havia um espelho incrível ocupando uma parede inteira.
– Ah, olá de
novo – a voz já familiar me cumprimenta, e sem querer viro os olhos, como se o
fato de eu estar sem óculos fizesse o resto do mundo não enxergar direito
também. Ela riu com o gesto, antes de continuar – Vou achar que você está me
seguindo!
– Nossa, e eu ia
falar exatamente a mesma coisa de você! – provoco, lavando as mãos com um sabão
super cheiroso, esfregando as lentes meladas debaixo da água corrente – E eu
nem sei seu nome...
– Você não me perguntou
– ela rebate a provocação, lavando as mãos de maneira demorada. O sabão que
usou era de outra cor.
– Nem você o meu!
– respondo, minha voz saindo um pouco mais fina do que achei correta. Balanço a
cabeça por isso, ignorando que ela estava bem ao meu lado.
Seu rosto parecia diferente, mas
não só porque eu estava sem óculos. Meu grau nem é tão alto assim, afinal, e
enxergo bem de perto. Assim, perto como ela estava de mim, naquela pia do
banheiro cheio de luz, sorrindo daquele jeito tão bonito. Pera, quê?
Puxei o papel para limpar a
lente, voltar ao prumo, como se colocar os óculos fosse minha fantasia de Clark
Kent, e ao focá-la vi que ainda sorria. Quis perguntar seu nome, mas gostava de
joguinhos também. Não perguntaria enquanto ela não quisesse saber o meu,
foda-se.
– Você está com
o meu isqueiro? – pergunto, e de novo vejo uma expressão de surpresa, que
terminou num mesmo sorriso, que era mais sincero e menos debochado que o outro,
que estampava sua cara quase o tempo todo, de um jeito até um pouco irritante.
Ela nitidamente não esperava por aquela pergunta, e desisti de esperar pela
resposta quando não disse nada, mesmo depois de me encarar por mais de dez
segundos. Eu tinha apreço pelo isqueiro, foi caro! – Deixa para lá – resmungo,
só porque senti que precisava dizer algo antes de sair do banheiro.
E foi nessa hora que ela
movimentou o corpo. De um jeito sutil, mas eu percebi. Assim, meio na minha
direção. Como se insinuasse.
Pareceu.
– Ah, uau – ela
diz, desta vez realmente surpresa, quando avancei para beijá-la. Foi neste
momento que fiquei confusa porque a iniciativa do beijo partiu dela! Ao menos
no meu entendimento, sim!
– Desculpa,
eu... – começo a dizer, mas nem sei o que falar. Vou me desculpar pelo que, se
nem quero me desculpar por algo, exatamente?
Nessa hora a porta do banheiro
se abre, e vejo uma confusa Preta me encarar, seus olhos repentinamente
adquirindo um lampejo de lucidez em meio ao álcool, que os enevoava.
A mulher passou por ela depois
de cumprimentá-la, e eu só levantei os ombros quando Preta me encarou, ao
ficarmos sozinhas ali, meio que esperando uma resposta.
– Preta, perdi
meu isqueiro – reclamo, acompanhando a mulher de quase 1,80m caminhar trôpega
até a cabide do sanitário. Me apoiei na pia antes de continuar, porque me senti
mais bêbada por estar perto dela – Aquele, recarregável, importado.
– Caríssimo! –
ela fala, lá dentro, ao mesmo tempo que eu, que rio ao ouvi-la.
– Esse mesmo,
Pretinha – minha voz sai num fio, quase uma lamúria – Culpa daquela mulher! –
concluo, mas Preta não me ouve porque nessa hora deu descarga, e abriu a porta na
sequência, num solavanco.
– Vamos te dar
outro isqueiro – ela diz, com o dedo em riste – E férias, amiga! Férias, um
isqueiro e um aumento. O Ricardo vai entender, e a cliente também. Ela é sua
fã, Mi! Fã! – Preta repete, desta vez para o espelho – Fã – diz mais uma vez –
Você acha que falo estranho? Fã. Fã!
– Vamos comer
alguma coisa, precisamos – a puxo pelo braço, gentil.
Rita não estava na mesa quando
voltamos, e os ânimos à nossa volta pareciam todos mais exaltados do que antes
de eu me levantar, o que me deu um pouco de preguiça e vontade de ir embora.
Tédio, talvez. Eu sempre fumo quando me sinto entediada, e bati à toa a mão no
bolso, procurando um isqueiro ausente e um maço perdido.
Bebi mais um pouco do
refrigerante, ainda bastante gelado, desta vez tomando cuidado de tirar os
óculos antes. Balancei a cabeça, contrariada, lembrando da mulher que quis me
beijar e depois pareceu surpresa. Quase ofendida! Ou isso era coisa da minha
cabeça?
– Meninas, vou
comprar cigarro – aviso, já levantando, sem ter certeza de que me ouviam. Preta
falou alguma coisa, mas eu tampouco escutei, embora tenha feito um gesto em
concordância.
Aquela era uma área com vários
bares e restaurantes, as calçadas estavam todas cheias e por sorte encontrei
uma loja de conveniência perto de onde estava. Acendi o cigarro com um BIC que
em nada se parecia com meu isqueiro eletrônico e soltei a fumaça com força, com
frustração e alívio. Fumar é um hábito horrível, mas amo.
Ainda estava na metade do
cigarro quando me reaproximei dO Bistrô, reparando de novo nos detalhes externos
do restaurante, que eram de muito bom gosto. Sapatão um dia vai dominar o mundo,
penso, dando uma risadinha que imaginei que ninguém via.
– E cá estamos
nós, novamente – a mulher disse, parada perto da entrada do estacionamento do
restaurante. Desta vez, não me irritei com sua presença como anteriormente
porque senti uma vontade gigantesca de entender o que ela queria comigo, afinal
– A publicitária explorada no trabalho – a estranha completa, depois que não
digo nada. Penso brevemente se teria comentado antes a minha profissão.
– A sem férias,
essa mesma – respondo, entrando na dela, mas séria.
Desta vez, não foi só uma impressão. Eu vi a mulher se insinuar para mim.
Não sou boba, pô! Já tive outras mulheres demonstrando antes interesse pela
minha pessoa, pelo meu corpo, até. Sei reconhecer quando há alguma abertura,
algum tipo de brecha. Havia antes no banheiro, e havia de novo agora, naquele
estacionamento de chão de brita.
– Meu carro está
parado logo ali. Você...? – ela não completa a pergunta, e volta a fazer o
gesto com o polegar, novamente com a mão direita, indicando os fundos do
estacionamento.
Não sou do tipo que cede fácil,
juro. Mas também não costumo planejar muito minhas aventuras sexuais; não fico
pensando em prós e contras. Quando surge uma oportunidade que faz meu baixo
ventre flutuar, em geral embarco, sem recriminações. Sou uma mulher livre e
desimpedida, afinal. Joguei o cigarro, apaguei com o pé e a segui.
O carro da desconhecida era um
modelo importado, reluzente e espaçoso. Entrei pela porta de trás e fui
empurrando meu corpo pelo banco de couro quando ela entrou logo depois de mim,
seus braços já envolvendo minha cintura de um jeito que me excitou, nossas
pernas se encaixando para ficarmos com as virilhas próximas. Sua boca, ávida,
procurou pela minha no escuro e a encontrou igualmente sedenta por aquele
beijo. Assim como ela, eu estava cheia de vontade. A puxei para perto quando a senti
deslizando pelas minhas costas, a mão experiente abrindo o fecho do meu sutiã
por cima da camisa.
Deslizei a mão até sua nuca, por
baixo do cabelo, enquanto a outra a auxiliava a abrir os botões da minha roupa.
Nossa respiração se agitou quando fiquei com o dorso desnudo, ainda presas num
beijo que não foi interrompido. Puxei sua blusa para fora da calça, satisfeita
por bagunçar seu visual tão arrumadinho, e mesmo sem vê-la, senti que ela
sorriu também.
Tirei minha camisa e escorreguei as alças do sutiã pelos braços, que se
arrepiaram ao sentir a carícia dos dedos dela, roçando na minha pele agora descoberta.
Deixei um gemido escapar quando seus lábios então abandonaram minha boca para abrigar
meu mamilo esquerdo, que se entumeceu com o piercing ao sentir o toque macio e
gentil da ponta de sua língua. Me escorei na porta do carro e ofereci a ela o
outro seio, que também desejava um beijo seu.
Ela tinha a boca quente e molhada, e deixou no meu colo marcas que
lembravam carimbos, em beijos estalados que faziam vibrar a ponta do meu clitóris,
já úmido, como toda a região entre minhas pernas. Ao tirar a blusa o tecido
bagunçou seu cabelo, e emoldurou seu rosto de um jeito sexy. Antes de voltarmos
ao beijo, reparei em como seus olhos brilhavam, mesmo no breu do carro.
Quando ameacei tirar sua calça, com ela ainda meio em cima de mim, senti
no bolso da frente um volume que me fez rir. A mulher estava com o meu isqueiro,
afinal. Mas antes que eu dissesse algo ela me içou com os braços, suspendendo
minha cintura por alguns centímetros, o dedo invadindo atrás da minha calcinha.
O gesto me deixou surpresa e com tesão. Pisquei ao sentir sua digital no centro
da minha intimidade. Ela tinha uma tara, interessante.
Ainda estava sem muita reação quando seu toque alcançou com a outra mão meu
grelo molhado, que deslizou conforme rebolei para ela, em movimentos curtos, para
frente e para trás, numa pressão gostosa. A mulher suspirava comigo, em gemidos
que me deixaram maluca. Teve um momento que senti até um pouco de falta de ar,
naquele tesão típico que vem só de vez em quando, quando tenho a sorte de
encontrar uma mulher que sabe me comer de verdade.
Ao deslizar meus dedos para dentro de sua lingerie rendada, a encontrei
molhada e pulsante. Apetitosa! Teria lambido, se pudesse.
– Gostosa! – ela
murmura, acompanhando de perto o movimento que levou meus dedos para dentro da
minha boca, o que me fez gemer de satisfação. Seu gosto era sensacional.
– Você, que é
uma delícia! – respondo, com a voz fraca. Mais um pouco daquela carícia e eu certamente
gozaria nas mãos de uma completa desconhecida – Eu preciso saber seu nome – balbucio,
antes que ela volte a me beijar. Se corpo pressionava o meu dentro daquele
carro de um jeito que me deixava toda mole e entregue.
Gozei quando a ouvi responder. Sim,
meu orgasmo veio acompanhado pela melodia do seu nome, Célia. A alcunha da
mulher que me abordou num restaurante moderninho e me fez gozar como uma
qualquer, me tocando como se tivesse intimidade com o meu corpo e liberdade com
a minha pessoa, na parte de trás de um automóvel que tinha o cheiro dela.
Senti que ela deu uma latejada
longa, intensa, mas não soube dizer se gozou. Nem quis perguntar porque eu
própria me tremia inteira, em espasmos que nasciam nos meus nervos mais rígidos,
ainda alisados por seus dedos lá depositados. Minha cabeça estava toda
embaralhada e a última coisa que eu faria seria questionar algo do tipo.
Eu teria passado a noite ali. Como uma adolescente, alguém sem um pingo
de juízo e senso de perigo e responsabilidade. Mas nesta noite, o cigarro me
salvou. Graças ao meu vício em nicotina eu descobri quem era Célia. Ou melhor,
comecei a descobrir, quando insinuei pegar meu isqueiro em seu bolso e, ao
tentar me impedir, reluziu no interior do carro a aliança dourada que ela usava
na mão esquerda – exatamente a mão que me fez gozar, instantes atrás. Canhota e
casada.
Me desvencilhei dela, ou tentei, porque ela me segurou no começo. Só me
segurou, sem dizer nada, o que me irritou ainda mais.
– Célia! – eu a
chamo, e o comando a faz parar de me impedir. Seus braços desabaram em cima das
pernas, e ela sentou um pouco mais afastada, me dando espaço para pegar minha
camisa, que estava no chão do carro.
Me vesti enquanto reunia toda a
minha dignidade, o álcool se esvaindo por cada poro do meu corpo, suado agora
por motivos variados e conflitantes. Fiquei irritada com ela, e fiquei irritada
comigo. Acho que a princípio mais comigo, o que me aborreceu bastante também.
Depois fiquei irritada com o cliente, que cancelou minhas férias, o que me
levou a beber naquela noite, me levou àquele restaurante. Me senti atraída por Célia,
por alguém que eu só sabia o primeiro nome, e sinceramente nem fazia questão de
saber mais.
Saí sem encará-la e fiz questão
de bater a porta do carro. Maior que minha vergonha só mesmo o som dos meus
passos naquelas pedras de estacionamento, um ruído que impediu meu
discernimento e demorei a constatar que a bosta do isqueiro tinha ficado com
ela. Acendi um cigarro que fumei só cinco tragos, e apaguei com raiva no
cinzeiro que tinha na entrada do restaurante; a brasa estava enorme, resultado
das minhas tragadas intensas e a plenos pulmões.
Lá dentro minhas colegas
pareciam contentes, agora além das bebidas a mesa estava forrada de comidas
bonitas, algumas ainda intocadas.
– Amada, que
cigarro mais demorado! – Preta reclama, mas no final da frase estreitou um
pouco os olhos, vendo algo no meu rosto que me fez levar a mão à face – Vamos
comer, você deve estar faminta –
continuou, nitidamente se esforçando para manter uma neutralidade no tom
de voz.
– Vamos, sim. Não
precisavam ter esperado – respondo, me sentando.
Luana e Rita sorriram porque as
duas já estavam quase na metade de seus pratos. No momento em que iniciaram um
diálogo sobre o tempero, algo que não escutei direito porque havia muitas vozes
ao nosso redor, Preta se aproximou um pouco mais de mim e quase cochichou.
– Por favor,
amiga. Por favor, Miriá... – ela apoiou o cotovelo na mesa, e a testa na mão,
antes de continuar, num tom ainda mais baixo – Por favor, amadinha, me diga que
de todas as pessoas desse planeta você não teve um sexo casual justamente
com a Célia Dantas de Alencar.
Me surpreendo inicialmente com a
pergunta; não sabia que a tal de Célia era tão conhecida assim. Ela tinha um
rosto marcante, uma beleza única, mas eu mesma jamais a tinha visto. Quando fui
responder, porém, encontrei uma seriedade nos olhos de Preta que me fizeram
reconsiderar a resposta, e por isso só suspirei e balancei a cabeça. Pareceu
que neguei, porque ela respirou aliviada, seu corpo todo se rebaixando uns dois
centímetros de alívio.
– Ufa, que bom.
Arrasou. Ela é casada, você deve saber – Preta fala, e eu só resmungo qualquer
coisa – E fora que, imagina só a cara do Ricardo, ao descobrir que você foi
pegar justamente a CEO da Etur Lux, bem no dia em que fechamos contrato com a empresa!
– ela dá uma risada alta, sincera, e eu rio de nervosa.
A noite ainda nem tinha acabado,
o trabalho com a rede de hotéis sequer havia começado, mas eu já sentia os
primeiros vestígios de uma enorme ressaca, moral, inclusive, que poderia ter
sido evitada se eu tivesse feito uma busca simples na internet, quando soube do
projeto com os hotéis. Puxei o celular e a primeira foto que abriu era de Célia
e a esposa, uma tal de Bruna. Estavam ao lado de Patrícia, a chef dO Bistrô, a esposa,
Tatiana, e uma mulher sorridente identificada apenas como Mariana.
Nunca mais vi
meu isqueiro.
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