3xTPM - O final (conto erótico)

  Essa é a última história da última temporada da Novelinha <3 

Se ainda não leu a penúltima, "O quadro", clique aqui.


Tudo na vida tem um começo, um meio e um fim. Ou, dito de uma forma mais romântica, otimista e popular, “tudo passa”, e isso inclui as pessoas, os momentos, cada uma das etapas da vida... Absolutamente nada dura para sempre, a começar por nós mesmas, que temos um determinado prazo de validade. Nascemos com um certo tempo de duração.

Talvez com as distrações do dia a dia a gente nem pare muito para pensar a respeito, mas se você colocar sua vida numa perspectiva de linha do tempo vai ver que a sua história, assim como todas, se constitui por uma sequência de fases; algumas duraram coisa de um momento, apenas, outras um pouco menos, ou um pouco mais, mas repare que todas de alguma forma terminaram. Porque assim a vida é: as situações novas vão dando lugar às mais antigas, e é durante esse processo que a gente amadurece, se desenvolve, se transforma e muda. É assim que se cresce, gostando ou não.

Claro que não é também tão terminativo assim, quer dizer, não no sentido de que tudo acaba, fim, ponto final. Tanto é que há pessoas que passam a vida toda num mesmo relacionamento, por exemplo, ainda que vivenciando também essa sucessão de mudanças de fases, cujo controle definitivamente não está nas mãos de ninguém a não ser da Senhora do nosso Destino. Porém, mesmo nesses casos existe uma transformação porque nós somos como a natureza que nos cerca, e as nossas estações também se alteram enquanto o tempo avança através de nós. Prova disso é que quem se casa não é a mesma pessoa que mais tarde enviúva. Há vezes em que a gente muda entre a manhã e um fim de dia, que dirá depois de anos, passadas algumas décadas!

Mas longe de sermos vítimas de algum tipo de emboscada ou armadilha temporal, somos é quem define cada uma das esquinas a que chegamos. Nossa responsabilidade na vida é enorme!  

Perto de completar 40 anos de idade, Patrícia entendia bem o encargo de suas escolhas ao longo dos dias, inclusive as microdecisões, aquelas que tomamos no cotidiano e que acabam por determinar boa parte de quem somos, da nossa personalidade e de como somos vistas na sociedade. A chef compreendia também o conceito de que tudo é passageiro, assim como o fato de que as dificuldades, ou testes, ou como quer que você os queira chamar, são igualmente progressivos; evoluem tal qual uma prova na escola, que tem o grau de dificuldade aumentado a cada série que se estuda.

Um bom exemplo disso era O Bistrô. O restaurante, com pouco mais de uma década de funcionamento, atualmente enfrentava problemas diferentes e mais complexos do que aqueles que existiam na época de sua inauguração. Antes, a dificuldade era mais relacionada à abertura do negócio, à contratação de pessoal, à elaboração do menu etc. Hoje, Patrícia perdia o sono quando havia problemas mais estruturais, como vazamentos ou goteiras, por exemplo, ou quando alguém de sua confiança decidia mudar de emprego de repente, ou ainda quando algum concorrente resolvia copiar suas receitas – algo que já havia acontecido pelo menos uma dúzia de vezes.

Mas se havia algo que a maturidade definitivamente servia para iluminar, como se fosse um farol que guia os navegantes mais perdidos no mar, é que a vida vai muito além de bater cartão e pagar boleto (para a nossa alegria!). Sem dúvida, O Bistrô era o resultado de seu maior sonho. Muito mais do que um simples trabalho ou mero emprego, aquele era um projeto especial que havia recebido sua atenção, esforço e dedicação quase que diariamente nos últimos anos, mas que mesmo assim estava longe de significar ser a sua vida, propriamente dita. Por isso, Patrícia esforçava-se para não perder de vista o fato de que existia muita coisa além do expediente, fora do restaurante, dentro de sua casa, no mundo em geral.

Por saber que uma hora tudo acaba, e seu casamento com Tatiana era prova irrefutável disso, considerando que relacionamentos anteriores precisaram acabar para servirem de pontes até ela, valiosos degraus que a trouxeram até sua vida, por tudo isso, Patrícia se empenhava para reconhecer o valor do presente. E, verdade seja dita, essa necessidade aumentou bastante depois que Mariana surgiu na história delas, e se ressaltou ainda mais quando o casamento do trisal foi para a berlinda, após o ocorrido no baile a fantasia da Agência Rubi. Na ocasião, Patrícia e Lola protagonizaram uma cena inesperada que envolveu um beijo demorado no meio do restaurante às escuras. Beijo que, vale dizer, foi flagrado pelas duas esposas da chef, ao vivo.

Aqui neste caso em particular também não havia vítimas, mas sim responsáveis. Fosse porque andava se sentindo demasiadamente cansada ultimamente, fosse porque o apagão repentino no salão dO Bistrô a tirou um pouco do eixo, o fato é que Patrícia não podia negar que quis beijar a bartender. Talvez não integralmente de maneira consciente, com certeza não durante um evento daquele porte, mas a vontade existia antes da festa e quanto a isso não havia muito o que fazer. Principalmente porque era algo que já estava lá atrás no passado, logo, era inalcançável para realizar qualquer ajuste ou alteração.

Para a sua sorte ainda havia o hoje, o agora, e nem tudo estava perdido, ainda que parecesse, dada a postura de Tatiana desde o evento. Ou melhor, desde incidente durante o evento.

Além dela própria, Tatiana era a pessoa que Patrícia melhor conhecia no mundo inteiro. Ela sabia ler cada movimento da esposa, cada gesto, tinha o poder de decifrar suas expressões faciais, que diziam tanto, assim como seus silêncios, que ultimamente serviam como gritos. Tatiana andava furiosa.

Vontade e desejo são inegavelmente diferentes de amor. É o que Patrícia falaria, se a mulher a ouvisse. Havia, sim, é claro, um certo tesão direcionado à Lola, como existia em relação a outras pessoas que eventualmente cruzavam seu caminho e que, mesmo assim, Patrícia não beijava (ou não se deixava ser beijada. É diferente?). Há mulheres que são sedutoras, ué, especiais, despertam interesse sem querer, às vezes até um pouco contra a nossa vontade. Acontece.

Só que isso, para Patrícia, em nenhum momento significava que todo o resto automaticamente deixava de existir. No caso, seu amor por Tatiana e Mariana e a tranquilidade que o casamento com elas trazia para o seu agitado coração eram infinitamente mais importantes que qualquer fogo no priquito que pudesse acontecer vez ou outra. Atração a gente sente às vezes até por uma personagem, é normal.

Provavelmente o problema é que elas não conversavam sobre essas coisas. Deveriam, mas sequer tocavam no assunto – não porque fosse velado, mas porque era um tema sensível. Mas, sim, com certeza era algo que deveriam ter debatido antes, exaustivamente, até que o tópico todo se esgotasse! Com Mariana, é claro, mas esse diálogo tinha que ter acontecido entre Patrícia e Tatiana, para começo de conversa.  

Ela entendia o fato de que a rotina as engoliu de um jeito que discussões mais importantes e pontuais acabaram surgindo, e sendo priorizadas, mas agora era inegável a importância de isso acontecer. Não que achasse necessário, por exemplo, toda a burocracia de um contrato, mas um rascunho nesse sentido teria sido de muita valia. Seria agora de grande importância, melhor dizendo.

Há situações às vezes que nos forçam ao óbvio. Patrícia sentia que era este o caso: precisava verbalizar e deixar claro que amava as esposas, mas eventualmente podia se interessar por outra mulher.

Isso não era o mesmo que dizer que ela tinha a pretensão de abrir o relacionamento, nem de longe, porque era extremamente ciumenta e não cultivava a menor disposição em dividir Tatiana ou Mariana com quem quer que fosse (só de pensar na possibilidade já ficava zangada). Acontecia de às vezes fantasiar um sexo casual com uma estranha? Sim, muito mais do que gostaria que acontecesse, mas seu egoísmo conseguia ser ainda maior que o tesão. Patrícia era possessiva com as esposas, as duas eram dela, só dela, e fim de papo. Isso era algo inegociável e uma das poucas coisas que as três tinham combinado previamente, antes de casarem.

Ela as amava demais e sentia muito, muito amor! Só de pensar na alegria de seu casamento qualquer problema automaticamente se apequenava, porque com Tatiana e Mariana, Patrícia era um time. E juntas as TPM eram capazes de absolutamente tudo. Venciam qualquer que fosse o desafio, não importasse o tamanho ou o grau de dificuldade.

Ou nem era preciso nenhuma provação, necessariamente. A rotina não deixa de ser uma sucessão de dia após dia, e o cotidiano do trisal era no geral muito tranquilo; elas trabalhavam, se encontravam à noite, conversavam sobre o dia, faziam planos para o fim de semana, planejavam desde grandes coisas, como alguma viagem de fim de ano, alguma reforma na casa ou a troca de um carro, às pequenas coisas, como a ida ao mercado, a elaboração da lista de compras, algo de casa que precisava ser reposto, consertado, ajustado ou reparado.

Era um relacionamento confortável, como são aqueles pijamas de flanela mais antigos, como é um sofá de tecido depois de amaciado, ou o seu travesseiro, que tem o formato da sua cabeça e todas as noites embala seu sono, com o seu cheiro. Além de confortável, era seguro, estável, gostoso, o sonho de muita gente. Sobravam adjetivos!

Embalada no pensamento de que a vida acontece agora, que é no momento presente que temos o poder de transformar nossos dias, e criar nossas melhores memórias, Patrícia decidiu que já era hora de fazer as pazes em casa. Vinha dando tempo e espaço para Tatiana, mas passado quase um mês não via ainda nenhuma movimentação da mulher. Ou, se via, era no sentido oposto à onde estava, o que a deixava extremamente desconfortável.

Entendia integralmente os motivos da esposa, mesmo!, compreendia seus sentimentos do momento, todas as emoções, mas Patrícia sentiu que já estavam naquele ponto em que algo precisava ser feito, e logo, porque estagnada não se chega a lugar nenhum, afinal. Tudo isso vinha afetando demais o seu sono, que nunca foi dos melhores, o que a deixava ainda mais cansada do que já vinha se sentindo ultimamente. Precisava de paz, se reconciliar e dormir nua de conchinha, depois de uma trepada bem dada com duas mulheres gostosas, com direito a um merecido orgasmo em sua cama cheirosa.

Por isso, Patrícia largou o trabalho no meio do dia. Tomou o cuidado de esperar o movimento do almoço passar, porque não era boba, nem louca, ainda que confiasse cegamente em sua equipe. Então, logo que o salão começou a acalmar, decidiu que tiraria a tarde de folga. Voltaria obviamente a tempo de trabalhar no turno do jantar, mas deixou dois funcionários encarregados pelo serviço prévio que era religiosamente feito por ela. Isso a daria quase cinco horas em pleno dia útil, o que representavam valiosos minutos que Patrícia pretendia aproveitar da melhor maneira possível. E na melhor companhia.

Não quis dar detalhes à Zezé, mas garantiu que não estava doente, que não havia nada de errado e que logo estaria de volta. A gerente ficou desconfiada ao vê-la largar o posto no meio da tarde, algo inédito e dificílimo de acontecer, mas não comentou nada.

Ou melhor, não disse nada para Patrícia, até porque nem deu tempo de falar algo, uma vez que o anúncio foi feito quando a mulher já estava praticamente de saída. Mas com Andreia, dois minutos depois, Zezé comentou sobre o seu estranhamento com aquilo tudo. Primeiro, a dona dO Bistrô simplesmente tirou seu avental e foi visitar Pedro no hospital, uns dias atrás. Agora, como se virasse moda, ia ficar sabe-se lá quanto tempo fora, em pleno dia útil. Talvez a garçonete tivesse razão e algo de muito sério estava acontecendo na casa do trisal! A chef não parecia estar em seus dias mais ajuizados...

Alheia ao que se passava no restaurante após sua saída, Patrícia dirigiu pensando que, àquela hora, Mariana e Tatiana estariam almoçando juntas em casa. Em outros tempos, as três teriam se encontrado no restaurante, almoçariam juntas no escritório e seguiriam com suas rotinas, mas desde o baile, Tatiana se recusava a comer por ali. Na verdade, desde então ela mal aparecia nO Bistrô; tinha ido apenas uma única vez e só porque foi o jantar de aniversário de Patrícia. E embora a chef acreditasse que nenhum dos convidados tivesse reparado, ela notou o desagrado da esposa por estar ali e achou gritante o distanciamento da mulher na ocasião, como se Tatiana tivesse erguido uma espécie de muro de concreto entre elas, mas permitindo que Mariana adentrasse em seu espaço pessoal. Apenas Mariana.

Das outras vezes, ainda que as discussões não tenham atingido exatamente o patamar de briga, Tatiana e Patrícia se desentenderam e se acertaram em questão de pouco tempo, as duas, entre elas. Agora, com Mariana na jogada, a coisa estava muito mais complexa, ao ponto de o abismo que se criou parecer tão imenso que era quase como se fosse instransponível. E pior: Mariana estava do lado de lá! De repente, Patrícia passou a se sentir de fora de um rolê que era dela. Que era delas!

Portanto, o que ela mais desejava era ter o retorno de sua harmonia. Queria sua esposa de volta, o trisal, o time de ouro que eram, queria sua vida de volta, tudo. E pagaria o preço que fosse necessário para isso porque não queria viver só, às margens de seu próprio casamento. Tampouco gostaria de se ver retirada de um acordo que ela mesma tinha proposto, tempos atrás. Desfazer o casamento não era uma opção. Nunca foi!

Então, se o vacilo foi dela, cabia apenas a ela repará-lo. Ou melhor, cabia à Patrícia reparar-se, o que parecia ser o mais adequado para a situação, uma vez que o beijo já tinha sido beijado e Lola já nem trabalhava mais nO Bistrô. Neste sentido, sabia que Mariana era sua “aliada”, embora todo o tempo se mostrasse cúmplice de Tatiana, porque a esposa já tinha feito as pazes com a bartender, ainda que se recusando a revelar como havia sido a conversa das duas, e de que maneira ocorreu esse acerto entre elas.

No caminho, Patrícia foi ensaiando como seria a conversa que teria em breve e, ao decidir de que forma faria sua abordagem, selecionou quais seriam suas respostas para tudo o que Tatiana certamente iria proferir. Foi o trajeto inteiro se preparando para ouvir possíveis gritos, xingamentos e impropérios de variados tipos, se convencendo de que seria merecedora de cada uma das palavras atiradas em sua direção, mas principalmente ciente de que isso traria de volta seu devido bem-estar doméstico e familiar.

Tatiana era muito pacata, não gostava de discutir, nem de fazer escarcéu num eventual desentendimento, mas por outro lado, Patrícia jamais a havia tirado do sério desse jeito; era a primeira vez que a esposa ficava tão brava, e por tanto tempo, então tudo era passível de acontecer, por isso era importante se prevenir. Ainda assim, Patrícia foi incapaz de se preparar para aquilo que de fato ocorreu.

A começar que, ao chegar em casa, o carro de Mariana não estava estacionado na garagem como de costume, o que causou uma decepção assim que Patrícia acionou o botão para abrir o portão e viu que a vaga ao lado da sua estava vazia. Achou estranho, considerando a hora, porque a mulher trabalhava de casa e tinha o costume de almoçar com Tatiana, que naquele horário com certeza já tinha chegado da escola.

O carro dela parado ali comprovava que Patrícia estava certa, mas o silêncio em casa era absoluto e contrastante. Lá dentro, não encontrou nem uma viva alma – nem a de Percival! O gato, assim como as esposas, parecia ter dado no pé.

– Perci, Perci? – Patrícia chamou, na esperança de ver o bichano sair por trás de algum móvel – Psss, pss, psss – ela insistiu, mas nada se movimentou e ninguém apareceu.

Com o coração aos pulos, e aos prantos, Patrícia constatou que tudo dentro de casa estava estranhamente normal. Quer dizer, os móveis, os objetos todos estavam ali, e ela tentou usar isso para se consolar, diante dos infinitos alarmes e alertas que passaram a soar dentro de sua cabeça, projetando mil possibilidades para aquele sumiço generalizado.

Talvez algo tivesse acontecido com o gato de Mariana, pensou. Imprevistos acontecem, emergências também, e ainda que não desejasse que nada de ruim tivesse acontecido com Percival, este seria um motivo justificável para não encontrar ninguém em casa, no meio da tarde.

Ela correu então até a cozinha, onde Mariana guardava a caixa de transporte, e ficou sinceramente frustrada ao encontrar o objeto ali, junto com os outros pertences de Nonô.

Patrícia puxou o celular de dentro do bolso enquanto subia as escadas, na esperança de encontrar alguma mensagem que pudesse explicar algo, mas não havia nada, nenhum contato ou ligação. Abriu a porta do escritório de Mariana lá em cima e viu que o cômodo estava como de costume, com sua bagunça habitual, mas um detalhe lhe chamou a atenção: um dos computadores da esposa, que permanecia sempre ligado em cima da mesa, não se encontrava por ali, o que provocou um muxoxo sincero de preocupação, seguido de um suspiro pesado. A falta do notebook era muito mais preocupante que a ausência de Percival.

“Detalhes nem sempre são só detalhes”, ela pensou, quase correndo até o quarto. Tinha receio do que poderia eventualmente encontrar lá dentro, porque seu cérebro adorava sabotá-la das piores maneiras e nesse momento berrava sem parar as mais terríveis teorias que supostamente explicariam o porquê de a casa estar vazia em plena quinta-feira. Nenhuma era boa.

E cada uma das hipóteses mais incômodas e inconvenientes ganhou força no instante em que Patrícia abriu a porta e seus olhos varreram o que parecia ser a cena de um crime. Ou a de um abandono.

– Que porra... – ela diz, mas não completa a frase.

Caminhou até a cama e analisou algumas roupas que estavam em cima do colchão, evidentemente atiradas num momento de pressa e descartadas por um motivo qualquer. Ela se virou então para o guarda-roupa e viu que faltavam algumas peças lá dentro. Um filme inteiro se passou diante de seus olhos nesse momento; primeiro, com flashes de seu passado em comum com Tatiana, quando as duas se conheceram e se apaixonaram, e então quando decidiram se assumir e namorar, ainda que Patrícia na ocasião estivesse envolvida com outra pessoa.

Depois, viu cenas de momentos felizes, de quando já estavam estáveis, casadas há alguns anos, tocando juntas um negócio de sucesso que tinha mais reconhecimento do que jamais imaginaram um dia ser possível de acontecer. O Bistrô só existia porque ao lado de Patrícia havia alguém perseverante e detalhista como Tatiana.

Na sequência, surgiu o sorriso bonito de Mariana, que brotou quente, como era o aconchego de seu abraço, quando o coração dela afagava o seu. Isso a fez suspirar novamente.

Agora, diante do que contemplava, mas principalmente de tudo aquilo que pensava, o que Patrícia viu foi Tatiana indo embora. Com as pernas trêmulas, precisando se apoiar na beirada da cama para não sucumbir e cair no meio do quarto, ela sentiu o gosto amargo da decepção, do desamparo e de um vazio que a deixou até um pouco sem ar. De tantas possibilidades imaginadas, em tempo algum considerou que já era tarde demais para agir. Não imaginou que existia nem a mais remota possibilidade de Tatiana simplesmente partir – e levando Mariana junto, a tiracolo. E o gato também!

Num primeiro momento, evitou pensar em como seria a vida sem elas, porque sem as esposas não parecia haver nada digno de ser chamado de “vida”, ou de “normal”, mas inevitavelmente Patrícia foi bombardeada por projeções horrorosas que a mostravam sem as suas melhores partes, sem as suas companheiras. Se viu completamente sozinha, desamparada e desacompanhada das mulheres que ela tanto amava e isso a devastou.

Num drama queen, ficou pensando para onde teriam ido, se tentariam contato, se um dia voltaria a vê-las. Patrícia não sabia nem o que pensar, pois sentia-se em choque, aturdida, completamente atônita. Imaginou surpreender Tatiana e Mariana, aparecendo de repente em casa, mas ela é que foi aterrorizantemente surpreendida.   

E o que se faz em momentos assim? Patrícia decidiu faxinar. Nem tirou a roupa que chegou da rua, como se não se preocupasse com a possibilidade de se manchar com a água sanitária que ela despejou no chão do banheiro, ou como se estivesse amortecida demais para pensar em cuidados desse tipo. Começou a esfregar o chão com uma vassoura velha após enrolar as pernas da calça jeans até os joelhos e se permitiu ser humana e chorar um pouco enquanto fazia os movimentos, com força, descontando parte de sua frustração na limpeza do chão.

Até ali ela ainda não havia pensado que, no caso de uma separação, não necessariamente as três iriam se divorciar de maneira simultânea. Claro, se ela é que cometeu um deslize, um vacilo, uma falta ao ponto de quererem se separar dela, não havia motivos para penalizar Tatiana e Mariana duas vezes, as obrigando a se separarem também.

Era mais do que justo, portanto, que as esposas a abandonassem e seguissem juntas para um destino em que Patrícia não cabia. Só que o problema é que pensar sobre isso tornou a possibilidade de separação muito pior e infinitamente mais dolorosa, a fazendo chorar agora de maneira ainda mais sentida, com soluços. Entretanto, ainda assim, em vez de mudar o foco, Patrícia se martirizou mais um pouco, se perguntando se as duas por acaso procurariam alguém para preencher o seu lugar.

Foi então que, pela primeira vez, sentiu ciúmes delas juntas e se flagrou refletindo que provavelmente aquilo era o que as mulheres de fora sentiam, quando as viam. Patrícia sabia que muitos boatos circundavam seu restaurante e, principalmente, seu casamento pouco convencional. Havia muita cobiça e agora ela seria mais uma a desejar ser parte daquilo que, a distância, até parecia uma festa!

Mais uma vez, como vinha acontecendo frequentemente nos últimos dias, Patrícia se arrependeu amargamente por ter cedido ao beijo de Lola. A bartender errou, mas ela errou muito mais, a partir do momento em que não a barrou, não a impediu, não segurou sua mão quando ela a puxou pela nuca. Maldita a hora em que foi contratá-la, também!

Como de costume, a culpa veio escalonada, a fazendo se lamentar até mesmo por ter aceitado ceder o espaço dO Bistrô para a festa de aniversário da Agência Rubi. Tinha sido um ótimo negócio, rentável para caramba – financeiramente falando, mas em termos de publicidade também. Deu mais destaque para o restaurante do que a entrevista que ela concedeu para o Jornal Conexão Sáfica, que até hoje ainda lhe rendia clientes, mesmo já passados tantos anos.

Mas, ao terminar de lavar o banheiro, Patrícia teve a certeza de que o preço para tudo isso foi alto demais, e hiperinflacionado. Custou, além de seu casamento dos sonhos, sua saúde mental, que certamente ia desandar a partir de agora, considerando que a chef se jogaria com tudo no trabalho, só para esquecer o desastre de sua vida pessoal. Até perigava de ter uma crise de Burnout, porque agora mesmo ela já se equilibrava na corda bamba e tênue da estafa.

– Quem foi mesmo que teve um piripaque assim? – Patrícia se pergunta em voz alta, ao descer a escada. O diálogo interno serviu para amenizar parte da angústia que sentia, e no último degrau ela até ajeitou a moldura do porta-retrato que tinha uma foto do trisal sorrindo. A vida estava torta, mas a foto não precisava estar também.

Aí se lembrou de Preta. Ou melhor, lembrou da colega de Elias na agência, que foi afastada do trabalho por causa de cansaço. Num primeiro momento isso lhe pareceu ser o auge, mas depois soou como assustadoramente possível. Foi quando passou a ler sobre Burnout. 

Não era de hoje que Patrícia trabalhava bastante e tinha só os domingos de folga para descansar. Mas geralmente usava esse único dia para colocar todos os assuntos de casa em ordem, então fazia tudo, menos relaxar. E ainda que jamais fosse admitir em voz alta, seu novo formato de casamento a consumia demais, era muito difícil acompanhar o pique de Mariana e Tatiana, que rejuvenesceu com a nova esposa e ganhou um novo gás – fôlego este que Patrícia terminou por não ser contemplada.   

A esta altura, já estava totalmente convencida de que a culpa de tudo era mesmo o seu cansaço, responsável também por fazê-la beijar uma funcionária no meio de um evento e, consequentemente, perder seu casamento. Por isso, antes de começar a lavar a cozinha (do chão ao teto), Patrícia tomou o cuidado de mandar uma mensagem para Zezé, avisando à gerente que não voltaria ao trabalho. Primeiro porque novas prioridades foram estabelecidas e tinham que ser respeitadas, por exemplo, ela precisava descansar. Segundo porque ainda não tinha parado de chorar, nem sabia se seria capaz de conseguir tal feito, então preferia evitar qualquer tipo de exposição desnecessária. O Bistrô parecia ter olhos e ouvidos nas paredes!

Quando a noite chegou, a lua minguante trouxe junto a comprovação de que a solidão seria mesmo a nova realidade de seus dias. A casa estava com a cozinha e o banheiro impecavelmente limpos; brilhavam, assim como seus olhos, marejados pelas lágrimas. O silêncio só era quebrado pelo som do ponteiro do relógio na parede, igual ao que havia no restaurante, presentes de Mariana.

Pensar na esposa a deixou novamente chateada por seus atos recentes e, principalmente, pelas consequências que vieram a partir disso. Era tão ruim constatar como a vida seria quieta sem suas mulheres que Patrícia teve até a impressão de ouvi-las conversando.  

– Não, mas pelo que você falou, isso não é negociável. E outra... – Tatiana diz, entrando pela porta da garagem. O espanto ao ver Patrícia em casa àquela hora foi tanto que ela até parou de falar.

– “Não é negociável”... mas e a gente, Tati? – Mariana pergunta, vindo logo atrás. Só percebeu que a conversa foi interrompida ao entrar na cozinha – Ué, por que você já está em casa uma hora dessas? O que houve? – ela analisa Patrícia de cima a baixo, e depois vira a cabeça para os dois lados, observando a cozinha limpa.

– Boa noite para você também – Patrícia resmunga. Seus olhos fitavam a enorme embalagem de pão que Tatiana carregava. No caso, o pão, de uma dessas lojas de meio de estrada, era maior que seu antebraço.  

– Desculpa, amor – Mariana dá um beijo em seu rosto – Boa noite, está tudo bem? Aconteceu alguma coisa no restaurante?

– Onde você estava? – Patrícia pergunta, pegando Percival no colo. Ao abraçar o gato com força, começou a chorar. Agora de alívio.

– Pati... – Tatiana deixa o pão no balcão e se aproxima dela, colocando uma das mãos em seu braço – O que houve nO Bistrô? Por que você já está em casa? – ela consulta as horas em seu relógio no pulso, e depois no maior, pregado na parede. Eram pouco mais de 19h.

– Não aconteceu nada lá, eu só... Eu... – Patrícia fala, sem conseguir terminar a frase. Abaixou a cabeça, chorando, e sentiu o abraço de Mariana, assim que a proximidade de seu cheiro provocou um rebuliço dentro dela. Mariana tinha um cheiro bom demais.

– Vou dar comida para o “Dora Aventureira” – Tatiana comenta, assim que o gato pula de volta para o chão – Foram muitas aventuras hoje, não é mesmo? – ela pergunta para Percival, que mia em resposta, como se conversasse sobre o seu dia.

– O Nonô se enfiou dentro do carro, a gente só percebeu quando já estava no meio da estrada – Mariana explica. Sua voz saiu diferente porque Patrícia a ouviu com a cabeça apoiada em seu peito.

– Que estrada? De onde veio esse pão? – Patrícia pergunta, com uma fungada.

– Amor, a gente precisa conversar – o tom de Mariana foi sério, mas sua voz ainda estava com a acústica de sua caixa torácica. Patrícia permanecia dentro de seu abraço, o que amenizou a fala – Estrada que vai para Campinas, a SP-348. O pão eu comprei na estrada – ela ri, respondendo às perguntas da forma como queria.

– O Percival viajou com vocês até Campinas? – Patrícia se solta apenas para observar o gato comendo, perto do fogão. Estava faminto – Por que você foi lá? – ela direcionou a pergunta para Tatiana, que parecia estar fazendo café.

– A Mari perdeu os óculos, foi chamada para uma reunião no interior às pressas... Cheguei em casa, da escola, ela me pediu para dirigir e a gente logo saiu. O Nonô embarcou e nós nem vimos, escutamos o miado dele quando já tínhamos passado do segundo pedágio.

– E por que voc...

– Fiquei sem bateria, meu celular desligou – Tatiana responde, antes que Patrícia terminasse a pergunta. Estava de costas para a esposa e o cheiro de café invadiu o recinto, junto de suas palavras  – E a Mariana você já conhece bem... – complementa, se referindo ao fato de que o celular dela vivia descarregado. Ou que ela sempre perdia os óculos.

– Eu ia comprar um carregador desses de carro, mas a Tati disse que não prestava... – Mariana resmunga.

– Mas aquele não prestava mesmo! – Tatiana ri – Vou te dar um bom.

– Grata, amor, vou precisar, vai ser útil – Mariana manda um beijinho para ela.

– Você foi em reunião de quê? – Patrícia enxuga uma lágrima com a ponta do dedo. As esposas estavam colocando a mesa para um lanche da tarde tardio, ou um jantar diferenciado, considerando que teriam café para acompanhar.

– Um cliente novo... – Mariana aspira o remédio de asma, desanimada.

– Você não vai nos falar o porquê de já estar em casa? – Tatiana indaga, sentando-se em uma das banquetas altas. Cortou uma fatia generosa de pão enquanto aguardava a resposta, vendo Mariana completar sua xícara de café quase até a boca.

– Eu vim porque... – Patrícia gagueja, ao se sentar ao lado delas. Pigarreou antes de continuar – Vim porque precisava me desculpar, me redimir, pedir o perdão de vocês porque não quero perdê-las. Não posso te perder... Não posso te perder – ela fala, primeiro olhando para Tatiana e depois repete para Mariana.

– Aí você...

– Minha prioridade são vocês, Tati – Patrícia diz, a interrompendo – Talvez eu tenha me focado demais no trabalho, preciso me focar mais em vocês, mais em nós. Achei que vocês tinham ido embora – ela volta a chorar – ... e o vazio que senti aqui sozinha foi tão terrível, tão doloroso... Não quero isso para mim, não quero isso para a minha vida! Me desculpem, por favor, eu não devia ter feito aquilo... Se pudesse, voltava no tempo e mudava tudo. Juro! Eu amo tanto vocês...

– Você está se desculpando por ter beijado alguém, por ter sido flagrada beijando outra mulher ou por ter sentido atração por ela? – Tatiana quer saber.

– Mesmo que vocês não vissem nada, a culpa por ter feito algo do tipo iria me consumir. Caso acontecesse! – Patrícia rebate, respondendo primeiro o que era mais fácil – Então eu me desculparia de todo jeito, vocês vendo ou não.

– Tá certo, Patrícia... – a mulher retruca, parecendo impaciente.

– Tatiana, eu não tenho culpa de sentir atração pelas pessoas! – Patrícia afirma. Embora suas palavras fossem duras e sinceras, foram amortecidas pelo seu choro – Tenho culpa por ter cedido à Lola, é óbvio, mas nesses anos todos eu nunca te traí. Nunca! Nem uma vez!

– Tá. Tudo bem, eu entendo – Tatiana rebate, provocando uma olhada torta de Patrícia – É sério, entendo mesmo. Conversei bastante com a Mari nesses últimos dias, ela me abriu os olhos para muita coisa. Talvez a gente tenha falhado por não ter debatido todos os detalhes antes, por não termos discutido os pormenores da nossa relação, mas ainda dá tempo – ela dá uma piscadinha para Mariana, antes de bebericar seu café – Temos muitas coisas para ajustar.

– Mas você disse que pode dar certo! – Mariana retruca, como se falassem de algo relacionado a alguma conversa anterior.

– E pode! Só cabe a nós fazer dar certo – Tatiana afirma, segurando na mão da esposa por cima da mesa.

– Esse café vai te fazer tão mal... – Patrícia resmunga, nitidamente se controlando para não empurrar a xícara de Tatiana para longe.

– É, hoje eu dei uma destruidinha na minha dieta, porque não almocei, enfim... Um café no fim de um dia tão atípico e agitado não vai ser o que vai me matar. Ao contrário, eu diria até que mereço.

– Merece sim, meu amor – Mariana concorda, falando de dentro de sua caneca. Evitou de propósito olhar para Patrícia.

– Pati, você sabia que tem um quadro rolando por aí... – Tatiana fala, como se repentinamente se lembrasse disso – ... que relaciona um monte de sapatão à gente? Fala aí, Mari.

– É, a Nicole montou um quadro estilo The L Word – Mariana comenta, bebendo mais um pouco de café – Fez lá umas ligações, uns riscos que nos ligam e tal. Ficou interessante.

– É uma obra de arte! Vou te mostrar uma foto depois, quando meu celular estiver com a bateria carregada. A Nicole tem uma forma muito interessante de analisar os relacionamentos... A vida em geral, né?

– É, ela é bem desapegada – Mariana responde, oferecendo um pedaço de pão para Patrícia – Como deveríamos ser todas, né? Com certeza a humanidade seria menos estressada se vivesse consciente de que ninguém é de ninguém. O apego pode ser bem tóxico.

– É, mas é que é difícil – Tatiana resmunga, cabisbaixa – Falar é fácil.

– Sim, mas como você disse, cabe a nós fazer dar certo – Mariana rebate, levantando o queixo da esposa com o dedo. Quando teve sua atenção, olhou para Patrícia – Pati, hoje eu fui chamada para gerenciar um projeto em Campinas. É um trabalho integral, ao menos enquanto estiver sendo desenvolvido, então eu teria que passar a semana inteira lá. Claro que viria todo fim de semana para casa, mas ainda assim isso afetaria a nossa rotina...

– A semana toda? – Patrícia quis saber. Foi inevitável não pensar que há poucos minutos estava considerando trabalhar menos para se dedicar ao casamento e agora a esposa anunciava que aumentaria a carga horária no trabalho – Mas como funcionaria isso, exatamente? Você viria na sexta à noite para casa? E voltaria quando para lá? No domingo à noite ou na segunda de manhã? E os seus outros trabalhos, e a sua equipe, como fica sua firma?

– O projeto tem a duração de um ano e meio, mas pode ser prorrogável por mais um. Ou dois. Não pensei em todos esses detalhes ainda, amor... Sinceramente, não sei como seria a dinâmica disso. Mas a firma continua, minha equipe dá conta do recado sozinha, eu já não tenho que ficar em cima de ninguém, mesmo... – Mariana se recosta na banqueta, antes de continuar – Não sei, vou te dizer que fui totalmente pega de surpresa, não estava esperando por essa proposta, foi algo bem inesperado. Fui nessa reunião hoje só porque a Nicole estava com uma crise de enxaqueca, porque ela é quem ia. Aí fui para cobri-la, tinha que apresentar o projeto, né... Acabei conhecendo uma das sócias dessa empresa... conversa vai, conversa vem, enfim...

– Sócia, é? – Patrícia pergunta, mas emenda um pigarro para disfarçar o ciúme – E quando que começa isso? Dá tempo de, sei lá, tirar férias antes?

– “Férias”, dona Patrícia? – Tatiana indaga. Estava com as duas sobrancelhas arqueadas, a cara do puro deboche – Logo você, que não para por nada?

– Eu estou aqui agora, não estou? – Patrícia rebate e Tatiana fica em silêncio porque quanto a isso não havia nada a dizer.

– Não, não sei se dá tempo de férias não, amor... – Mariana resmunga. Estava feliz por ver as esposas interagindo sem brigar, mas igualmente triste porque não queria se afastar de seu núcleo de amor – Até porque a Tati está aí no meio do ano letivo, a gente nem ia conseguir ir para nenhum lugar...

– Nem pensei em viajar, não, queria mais era ficar com você, mesmo, a gente ficar junto – Patrícia segura na mão das duas. O fato de Tatiana não se esquivar foi um bom sinal – Para mim, basta estarmos juntas, Mari, não importa onde. Pode ser até aqui em casa. Inclusive, amo.

– Sim, eu também, por isso que fico meio assim de aceitar essa proposta... Campinas é perto, mas ao mesmo tempo é tão longe... Não sei como seria...

Será com certeza horrível e estranho – Tatiana diz, numa sinceridade chocante – Mas também vai ser ótimo para a sua carreira, seu currículo, sua empresa. Vai ser bom para você em vários sentidos e a gente vai continuar se vendo, meu amor. Não vai ser nada terminativo.

– Eu tenho medo de vocês acharem alguém para ficar no meu lugar – Mariana reclama, num sussurro.

– Isso jamais vai acontecer, gata – Patrícia afirma, sem revelar que instantes atrás esta também era sua preocupação – Nossa relação só funciona porque a gente se encaixa – complementa, sentindo um pequeno afago na mão segurada por Tatiana, validando o que ela dizia.

Em todo caso, ainda teriam alguns dias pela frente, uma semana ou duas, para pensarem em todas as adaptações e ajustes que teriam que fazer. Então, por ora, tratariam de aproveitar o tempo para curtirem a companhia umas das outras.

Naquela noite, Mariana foi a última a se deitar. Ficou até tarde no escritório, ajustando o cronograma do novo projeto, acompanhada de Percival, que ainda não sabia que daqui alguns dias passaria a morar em outra cidade, ao menos durante a semana.

Alheio às mudanças que viriam em breve, o gato pisou em cima do celular de Mariana, que estava carregando em cima da mesa, e com o movimento fez iniciar um vídeo ao vivo no YouTube de uma premiação que estava acontecendo naquele momento, em Nova Iorque. Assim que foi desligar, Mariana viu que Miriá, da Agência Rubi, era quem estava ganhando o tal prêmio. Quando a câmera se virou para a plateia, deu para ver Célia sentada ali, aplaudindo sua amante.

Ainda que estivesse bastante cansada, afinal aquele tinha sido um dia realmente agitado, ao se deitar, Mariana só conseguiu dormir coisa de pouco mais de um cochilo. Acordou sem querer perto de uma da manhã com a cabeça a mil, ansiosa, pensando em como seria passar um ano inteiro (ou até mais!) morando fora de São Paulo. Em outros tempos isso jamais a teria perturbado, pois era acostumada com mudanças, mas agora havia Tatiana e Patrícia em sua vida e o peso de cada decisão era muito maior.

Sem dúvida alguma, aceitar à proposta feita naquela tarde seria benéfico em muitos sentidos, mas embora tenha se esforçado, não conseguiu imaginar uma rotina longe das esposas, que a esta hora dormiam o sono das justas, finalmente reconciliadas. No meio das duas, Mariana quis que aquele momento durasse para sempre e por isso aspirou profundamente o cabelo perfumado de Tatiana, na tentativa de fazer o aroma impregnar em cada uma das memórias que estava prestes e disposta a criar naquela madrugada.

Sem acordar, mas deixando escapar um gemido baixinho, involuntário, Tatiana recebeu alguns beijos estalados em seu pescoço, depois que Mariana empurrou gentilmente seu cabelo para cima. Entretanto, a segurou no alto com relativa força, o que combinou com o movimento que ela fez em sua cintura com a outra mão, a puxando para perto, despertando a mulher no meio da noite, já com tesão.

Tatiana estava de costas para a esposa e permaneceu assim, porque Mariana começou a se esfregar atrás dela, por cima da roupa, despertando vontades enquanto acelerava o ritmo dos beijos em seu pescoço. Ela gemeu novamente, agora completamente consciente, ao sentir os dentes de Mariana mordiscarem sua pele, de levinho, num morde e assopra provocante que aqueceu cada parte do corpo a partir de sua nuca. Se sentiu escorrer e latejar de desejo.

Mariana tinha algo que era mágico, para não dizer inflamável. Qualquer contato gerava uma faísca que virava incêndio em coisa de dois minutos e Tatiana ficava num tesão incontrolável, o corpo inteiro virava de repente um verdadeiro campo minado, e a boca de Mariana percorria de propósito cada canto, que explodia de prazer. Era neste momento que ela fazia uma cara que era única, linda, deixava explícita toda a satisfação em provocar desejos na mulher.

Nessas horas, Tatiana sentia vontade de se esfregar inteira nela, a lambendo de cima a baixo, se saboreando de seu gosto delicioso, que era único no mundo todo. Mariana tinha um sabor fascinante e era também dona de um cheiro inebriante, fazia Tatiana sentir vontade de se enrolar em seus pelos para sempre e viver o resto de seus dias entre as pernas dela.

Jamais passaria fome ali. Ou sede.

E o que a tornava ainda mais apetitosa e gostosa era o fato de que Mariana vinha sempre complementada à Patrícia. Tatiana morria de tesão pela esposa desde sempre, a achava deslumbrante, maravilhosa demais, e Patrícia conseguia ficar ainda mais atraente quando excitada, com Mariana junto.

Tinha vezes que Tatiana podia jurar que seria capaz de morrer de tesão. Literalmente! O coração acelerava de um tanto que seus ouvidos se tampavam, a vista ficava turva, a garganta seca, sentia até falta de ar. A necessidade de se fartar num bom chá beirava a dependência. Ela se sentia uma viciada, uma verdadeira adicta! Aí era sempre preciso se deitar um pouco, retomar o fôlego e recomeçar.

Mariana, a mais nova e de longe a mais disposta das três, sempre respeitava o tempo das esposas e se revezava arrancando o ar ora de uma, ora de outra. E era nítido o quanto se satisfazia com isso.

Com muita facilidade ela simplesmente colocava as duas de quatro, completamente rendidas, entregues às suas vontades mais sacanas. Podiam estar cansadas, dormindo, no meio do banho ou acabando de acordar, não importa. Mariana ia lá e as atiçava de um jeito que ficava impossível negarem o que ela queria. Aí não restava mais nada a Patrícia e Tatiana a não ser darem. Elas davam tudo, e davam com gosto, davam até duas vezes, três, quando tinham condições para tanto.

Excitada, Mariana puxou a calcinha de Tatiana para baixo, se roçando agora em sua pele nua, obrigando a mulher a se virar em sua direção para beijá-la. Fazia dias que, por conta de tudo o que houve no baile, elas mal se tocavam e o beijo de Mariana era muito instigante, quase sempre desembocava em luxúria. Ela tinha a boca quente e macia, emendava selinhos em carícias que fazia com a língua, que lembravam muito os movimentos que performava quando praticava o sexo oral. Então acabava sendo uma associação mais do que natural e Tatiana se controlou para não empurrá-la para baixo.  

As duas se entrelaçaram com os braços e pernas, num beijo que reestabelecia a paz também entre elas, ainda que não tivessem se desentendido. Mariana era uma parceira perfeita lá fora, no mundão, era fiel e companheira, mas Tatiana gostava mesmo era de sua versão ali na cama, despida não só de roupas, mas também de todo o resto.

Ela concordava, depois de muita reflexão, com o conceito de que realmente “ninguém é de ninguém”, porque no fim é assim que é, mas gostava de ter Mariana em suas mãos, como agora. Não porque se sentisse dona dela, ou de seu corpo, mas porque lhe parecia que, assim, ela era completamente sua. E Mariana demonstrava o quanto gostava de ser sua mulher, mas com inteligência emocional suficiente para não se sentir, de fato, a propriedade de ninguém.

“Detalhes”, Tatiana pensou. “Ah, os detalhes...”.

Mariana se virou de costas para ela, tomando o cuidado de antes puxar o próprio cabelo para o alto, deixando o pescoço e a nuca à mostra, ainda que a escuridão no quarto fosse completa. Por conhecê-la muito bem, Tatiana imediatamente lambeu cada centímetro de pele exposta, puxando a camiseta de Mariana para cima, a libertando das amarras de seu pijama de algodão.

Enquanto ficava nua, quase sem conseguir controlar os gemidos, que brotavam roucos, no fundo da garganta, Mariana avançou em direção à Patrícia, que era quem mais demorava a acordar nessas horas. Na ponta do colchão, ela ainda dormia profundamente, alheia ao fogo que começava a queimar o parquinho que também era dela.

Para essas horas havia uma tática que era primeiro despertar e instigar Tatiana para que, juntas, acendessem Patrícia. Não que a esposa precisasse de alguma forma “pegar no tranco”, mas uma ajudinha era sempre útil, especialmente porque, naquela cama e em todo o resto do universo, Tatiana era quem melhor conhecia o corpo de Patrícia. Uma das vantagens de ser casada há muitos anos!  

Por isso, quando acordou, Patrícia já estava completamente desnuda, encurralada por duas mulheres que tinham os corpos bem quentes para uma madrugada tão fria como aquela. Tanto Mariana quanto Tatiana estavam com a respiração acelerada e ainda que estivesse no meio do breu, com Mariana às suas costas, Patrícia reconheceu que quem estava à sua frente era Tatiana. Ou melhor, seu corpo a identificou, antes mesmo que suas mãos sequer a tocassem. Embora sonolenta, Patrícia a beijou, saudosa daquele contato e já excitada porque era sempre um prazer ser acordada no meio da madrugada com as esposas cheias de tesão.

Tatiana e Mariana, como se agissem numa ação coordenada, se movimentaram, assumindo lugares em cima de Patrícia. Ela permaneceu deitada porque ainda estava com os reflexos lentos e nem teve tempo de se mexer direito. Quando sentiu, Tatiana já estava sentada em sua pelve, com o púbis bem encaixado no dela, toda molhada, e Mariana acomodada mais acima, com as pernas abertas, sentada em sua boca. Apresentava-se igualmente quente e molhada. Praticamente escorria.  

Não dava para ver, mas ao sentir o contato com a língua de Patrícia, a cabeceira rangeu junto com um gemido alto, revelando que ela se segurava naquela parte da cama. Tatiana, por sua vez, mantinha as duas mãos na cintura de Patrícia, forçando seu corpo a ficar o mais próximo possível do dela. As três gemeram ao mesmo tempo e isso provocou um novo som, estimulado por outro tipo de satisfação. Estarem juntas era afrodisíaco.

Mariana voltou a gemer mais alto quando a mão de Tatiana espalmou em sua bunda. O contato a fez rebolar mais rápido, o que levou Patrícia a soltar Tatiana e segurá-la firme, acima dela. Não quis perder o ponto mais macio de seu corpo, onde era mais gostoso de passar a língua.

– Ai, amor, ai, amor – Mariana diz, com a voz um tom mais fino que o normal. Aquele timbre sempre fazia Patrícia se contorcer de prazer – Assim eu vou gozar, eu vou gozar, ai, amor... – ela anuncia.

Mariana imediatamente percebeu que Tatiana e Patrícia a seguraram mais forte, num estímulo ao orgasmo. As duas mantinham a cadência em movimentos sincronizados que lembravam uma dança e senti-las bailando foi um facilitador para gozar. Era inevitável não lembrar nessas horas que, ao conhecê-las, seu primeiro desejo foi justamente se meter no meio delas assim.

Longe de estar saciada, em um gesto Mariana acendeu a luz do abajur e na sequência alterou todas as posições na cama. Gostava de ver as expressões das esposas, que ficavam belíssimas quando excitadas. No escuro era gostoso porque a falta de luz dava asas à imaginação e à criatividade, mas no claro a maior vantagem era acompanhar à performance delas, de camarote. Patrícia e Tatiana tinham aquele tipo de química que se vê de longe e Mariana gostava mesmo era de ver de perto. Quanto mais, melhor.

Então, jogou Tatiana contra o colchão enquanto conduzia Patrícia para o local onde estava anteriormente, só que de costas para a cabeceira e de frente para ela. Sabia que os atritos faziam Tatiana gozar mais facilmente, assim como o sexo oral era o forte de Patrícia, então se esfregou em uma enquanto beijava a outra, que passou a ser chupada.

Praticamente de cócoras, Patrícia a beijou com o seu gosto impregnado na boca enquanto gozava, se esfregando na língua de Tatiana, logo abaixo, que gemia um som abafado pelo corpo da esposa. Suas contrações involuntárias fizeram a terceira mulher atingir o ápice também, estimulada pelo requebrado de Mariana que, num efeito cascata, gozou pela segunda vez.

Patrícia e Mariana beijaram-se novamente antes de finalmente se desmontarem, deitando-se ao lado de Tatiana, que emendou um beijo a três, demorado. Suadas, as mulheres riram por puro deleite, sem que fosse necessário dizerem nem uma única palavra, e adormeceram amontoadas, exaustas, porém recarregadas.

Era impossível prever, daqui, como seriam os próximos dias, como reagiriam a todas as mudanças que estavam por vir. Mas ainda que a vida real fosse bastante desafiadora, fariam como na ficção e viveriam cada fase sempre em busca de seu “felizes para sempre”.


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