O presente

Eis que pelo segundo ano consecutivo me presenteio, com a ajuda de terceiras, com algo que me faz, de novo, questionar minha sanidade, julgar minhas escolhas e me taxar de masoquista esquisita que opta pelos meios mais duvidosos para se sentir viva nessa vida. No ano passado, quando deliberadamente decidi passar por esse experimento pela primeira vez (que honestamente não sei se tem maior ou menor agravante que a segunda experiência, vivida horas atrás), simplesmente jurei nunca mais beber dessa água. Hoje, exatos 365 dias depois, lá estava eu, chafurdando depois de cuspir para cima.

Em 2021, um dia depois de fazer aniversário e ganhar um PIX após pedir um PIX de presente no Facebook, fiz um piercing no mamilo. Não foi um ato impensado ou impulsivo, nem nada do tipo, e provavelmente foi por isso que não desisti na hora. Há anos que me preparava para esse momento que, eu sabia, um dia chegaria. Aniversários, como você já sabe, são momentos que considero equivalentes a viradas de ano particulares, faço resoluções, e planos, e piercings, e tatuagens, sempre que dá. É uma época propícia para isso!

Se teve algo de positivo em sentir na pele uma agulha atravessando o mamilo de um lado ao outro, além do piercing depois, é claro, que fica lindo DEMAIS, é que a experiência na ocasião me rendeu um conto (se ainda não leu, clique aqui). Um conto e a promessa agora quebrada de nunca mais passar por isso.

Ainda bem que são só dois mamilos, porque se fossem três eu estaria fodida! É uma dor que piercing nenhum se assemelha (tenho na orelha, no nariz, já tive na língua). E ainda que seja breve, como insiste a percepção do tempo depois que o tempo passa, na hora é uma eternidade que eu chego a pedir arrego. Para a minha sorte (posterior, que seja) na hora o profissional, que faz jus ao título de especialista em furações de mamilos alheios, nunca me dá ouvido e vai até o fim. Mesmo quando imploro: “chega, chega, chega”.

Hoje, ainda estava na recepção, mal tinha acabado de chegar, e percebi que desta vez precisava escrever uma crônica relatando esse presente de grega que resolvi me dar, tendo ainda a lembrança da dor passada tão fresca na memória. Porque tudo começou parecendo que nem ia acabar, considerando que cheguei lá antes do cara responsável pelos piercings. Jogo da Copa rolando na tevê, jogo velho rolando no celular, pezinho chacoalhando para lá e para cá, já suado dentro do tênis, nervosismo berrando na minha cabeça, me dando vários motivos para ir embora. Me distraí lembrando que meu sobrinho de seis anos contou para todos os monitores da escola que a tia dele tem um piercing no mamilo. Acho engraçado porque se dependesse dele, eu teria muito mais, e outras milhares de tatuagem.

O cara que fez o piercing não era o mesmo que a moça que furou o peito passado, mas achei gente boa, respeitoso dentro do possível (no final eu já estava até tirando foto sem camiseta, no espelho do estúdio, totalmente desinibida). Acho até que ele é o dono, porque me ofereceu de refazer o furo antigo, que foi furado torto (e olha que a mina mediu muito mais que ele...). Descobri hoje que é torto. E deve ser muito torto, para o cara oferecer de refazer, sem custo! Não refiz, porque não sou maluca de furar os dois mamilos numa mesma manhã... Fiquei de pensar, depois que a dor deste passar, mas acho que vou mesmo é deixar assim. Torto por torto, eu também sou torta e cheguei aos 40, está tudo certo!

Depois que ele marcou a furação, e eu escolhi a joia, chegou a hora tensa que é deitar na maca. Deitar antecede a dor, então deito sempre já gemendo, nessa hora o pé tá lá sambando na palmilha, até a mão sua! Ele falou para respirar fundo três vezes, e na terceira prender a respiração para ele furar, mas na primeira contagem meu mamilo escapou. Agora eu rio, mas na hora pareceu um sinal para eu ir embora (mais um!). Sem ter onde segurar, me prendi no cós do meu short, a esta altura também suado – e tinha um ventilador na minha direção! Na minha fuça!

Eu achava que a mocinha não tinha força, mas ou o cara não tinha força também, ou para furar o mamilo são necessárias mesmo duas etapas. Dói, menina, dói, dói, dói... aí dá uma pausa de alguns milésimos de segundos, o sangue latejando na frente do ouvido tocando um baticumbum alucinado, aí vem a dor de novo. Desta vez mais intensa, porque a área já está toda sensível, a ardência vai tomando conta de todos os sentidos... é nesse segundo momento que eu grito. Sim, porque inicialmente me contenho, me comporto, me seguro, mas depois, minha amiga... não há classe que resista! Eu grito e quase choro!

Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi colocar algodãozinho com sorinho fisiológico bem geladinho, uma delícia. Vou fazer compressas por um ou dois dias, e tentar tomar o máximo de cuidado pelos próximos dois ou três meses, porque qualquer esbarrãozinho é uma porcentagem pequena daquela dor, mas ainda assim representa uma tortura doloridíssima. Mas meu problema é que sou muito descuidada. Para você ter uma ideia, escrevendo aqui, quietinha, bati sem querer umas quatro vezes, então que a Deusa me ajude, amém.

Bônus: aproveitei que estava na rua, a uma quadra da farmácia, e me pesei depois de muito tempo sem subir numa balança. Quero dizer que não poderia haver momento mais adequado para eu fazer esse piercing (e trocar o outro, torto, por uma argolinha) porque enfim os ponteiros resolveram se mexer, depois de um ano inteiro estagnados. A última vez que cheguei ao peso que estou no momento, dois quilos a menos do que quando comecei a correr em janeiro, foi no ano 2000. As mais de mil calorias queimadas a cada corrida finalmente estão se fazendo visíveis no meu corpinho de corredora. Estou eu aqui, cheia de dor, andando até devagarinho para não ter muito atrito com a pisada no chão (sou muito molenga, nossa), e para minha sorte tem um espelho que fica bem na passagem, então toda hora me relembro o porquê de estar tão dolorida, e tão enfeitada! Acho que os 40 anos me caem muito bem!

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


Clique aqui para acessar o menu completo com todas as histórias.

Ajude esta escritora independenteclique aqui e faça uma doação
Você não precisa se identificar, se não quiser! 💙


Postagens mais visitadas