3xTPM – O jantar (conto)
Esta é a segunda história da Novelinha. Você pode começar sua leitura por aqui, sem problemas <3
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Patrícia estava nervosa. Suas mãos suavam, mesmo que as
secasse a todo instante no avental preto amarrado na cintura. Queria que tudo
estivesse impecavelmente perfeito para aquela noite, e essa exigência interna
era justamente o que a deixava tão agitada e ansiosa. Por isso, acompanhava com
os olhos verdes e apreensivos todos os movimentos captados naquele espaço claro
e azulejado, como se fosse possível fiscalizar cada uma das tarefas que via ser
desempenhada por mãos tão habilidosas, e que tanto acreditava. Talvez só por
isso não surtava de vez: ela confiava naquelas pessoas. De olhos fechados, até.
Com seus quase 1,70m, estava com os cabelos amarrados e
presos em uma touca de proteção preta que tampava parte de suas orelhas,
desprovidas de qualquer adorno. Vestia um dólmã branco e bem cortado, com
botões escuros que desciam enfileirados pelo dorso. Sua aliança de casamento marcava
o tecido justo do bolso esquerdo da vestimenta, que descia acinturada por cima
da calça preta que ela usava. Paramentada, em quase nada se parecia com a
mulher que era nas horas vagas, e que nunca dava as caras ali, naquele ponto específico
daquele endereço tão especial.
Neste momento, andava de um lado para o outro na cozinha,
desviando dos funcionários que estavam igualmente alvoroçados, estimulados pela
energia intensa emanada pela chef. O restaurante O Bistrô estaria fechado para
público até o dia seguinte, e justamente por isso Patrícia se preocupava tanto.
Em algumas horas apresentaria, para alguns poucos convidados especiais, as
mudanças do cardápio que seriam colocadas em prática já no começo do próximo
ano. Mas não era só isso: durante o evento também apresentaria para amigos íntimos
sua nova esposa, Mariana, e isso a deixava mais inquieta do que receber o feedback
pelas receitas que tinha inventado e adaptado.
Deu uma rápida olhada para o caos, tão cotidiano, que
sempre incendiava a cozinha dO Bistrô. Sua equipe ali era compacta, apenas sete
pessoas, contando com ela, entre sous chef, cozinheiros e assistentes,
mas ainda que fosse um trabalho complexo, juntos eles davam conta de todos os
pedidos, diariamente. A eficiência do serviço, inclusive, somada ao menu
diferenciado e de alto requinte, levou O Bistrô ao Guia Goodyear de
Restaurantes, uma importante publicação do mundo da gastronomia. Há três anos ela
e sua equipe se mantinham no topo da lista, com pontuação máxima: cinco
estrelas. Os certificados das premiações estavam emoldurados e enfeitavam as
paredes do escritório, que Patrícia frequentava algumas vezes por mês.
Aquilo obviamente exigia de todos um comprometimento
ainda maior, especialmente dela, porque mais difícil do que entrar no Guia Goodyear
era se manter na publicação, e algumas mudanças no cardápio, anuais e pontuais,
eram parte de sua estratégia para isso.
Até
aqui, so far, so good, e a meta era não apenas manter, mas também fazer
prosperar toda a credibilidade conquistada nos últimos tempos. Para isso, vivia
em constante atualização, fazia mil cursos pela internet, alguns vários de maneira
presencial, inclusive no exterior, mas Patrícia sabia que parte do segredo do
sucesso tinha relação direta com as estratégias de marketing escolhidas. Então ela
sempre alegava, de maneira misteriosa, usar um tempero secreto, só para
instigar a curiosidade dos clientes, dizia ser algo que ninguém conhecia. Nem
ela, porque esse ingrediente não existia.
A
mulher se assustou por um instante, quando uma labareda bem alta iluminou a
área central da cozinha, onde ficava a fileira de fogões industriais. A chama
vinha de uma panela larga e de cabo comprido, comandada por Filipo, e o cozinheiro
lançou um sorriso para ela quando a viu erguer as sobrancelhas e depois piscar
rapidamente algumas vezes.
– “Flambado é mais gostoso!”
– ele diz, repetindo uma frase que a chefe adorava proferir. Sua voz saiu abafada
pelo som das panelas se chocando na preparação de várias comidas, que estalavam
em chapas bem quentes, e ele manteve o sorriso, mesmo Patrícia não dizendo nada.
Sabia que a chef estava tensa, todos naquela cozinha reconheciam seu humor pela
intensidade da ruga que se formava entre suas sobrancelhas. Hoje, seu estado
beirava o crítico porque além da ruga ela se mantinha também terrivelmente
quieta, o que significava que sua cabeça fervilhava como caldo quente.
Listando mentalmente o que ainda estava pendente para o
seu evento do ano, que começaria dali menos de uma hora, Patrícia deixa a
cozinha e caminha em passos largos, os lábios se mexendo como se falasse
sozinha, balbuciando algo que só ela entendia. Logo que passou pela porta balcão
encontrou os cinco atendentes organizando a grande mesa que foi formada na
parte central do salão, a esta altura bem iluminado pelo grande lustre metálico
com várias lâmpadas, que lembrava um candelabro.
Todas
as luzes estavam acesas, inclusive as laterais, presas em arandelas fixadas na
parede de tijolinho à vista. Naquele salão, o silêncio só era interrompido pelo
tilintar dos talheres, posicionados pelos funcionários à frente de cada uma das
cadeiras de encosto alto. À primeira vista estava tudo impecável, quase
perfeito, e Patrícia sabia que era aí que morava o perigo. Nessas horas sempre
afastava a lembrança do pai lhe dizendo que “o ótimo é inimigo do bom” porque
se fosse pela cabeça do seu progenitor, jamais teria alcançado a perfeição que
sempre almejou, em tudo o que fez até ali.
Até
ali, Patrícia pensou,
soltando um suspiro pesado. Estava nervosa por isso; pela primeira vez
admitiria para as pessoas uma falta de tradicionalismo que beirava a imperfeição.
Mas ela sabia que aquilo era só mais um julgamento do pai, ecoando novamente em
sua mente.
Até
porque não se importava com os julgamentos que faziam dela. Mas se preocupava
com Mariana, e especialmente com os seus sentimentos. Temia que a coisa saísse
dos trilhos e ela se machucasse.
Voltou
a se lembrar do pai, a contragosto. Se Cássio estivesse vivo jamais seria
convidado para aquele jantar, ainda que parecesse tentador esfregar em sua cara
todo o seu sucesso. Mas teria sido banido, também nisso, porque certamente ele seria
o primeiro a querer intimidar Mariana, só para provocar Patrícia. Pensar nisso
a fez bufar, zangada.
– Maravilhoso, está tudo
maravilhoso! – Tatiana diz de repente, ao entrar no restaurante, fazendo
Patrícia levantar os olhos para ela e sorrir. A mulher sempre parecia trazer uma
luz a qualquer ambiente que habitava. Como agora, que dava a impressão de
carregar, junto com a bolsa pendurada no ombro, algum tipo de holofote – Se o
seu Cássio estivesse aqui ele concordaria comigo, amor, tenho certeza.
Tatiana para em frente à Patrícia e a beija, enlaçando um
dos braços em sua cintura, a outra mão a puxando pelo pescoço, não encontrando
o menor sinal de resistência. Manteve os olhos abertos, como se sorrisse para o
olhar meio contrariado da mulher, fazendo um estalo com os lábios em sua boca
ao término do beijo. Antes que se afastasse, Patrícia já parecia um tanto mais
serena, e sentiu às suas costas o avental ser desamarrado. Tatiana tinha o
poder de acalmá-la.
– Eu não estava pensando no
meu pai – se justifica, mas nem ela se convenceu do que dizia, naquele tom tão
incerto.
Ela observa
a esposa dobrar seu avental e apoiá-lo no encosto da cadeira, alisando o tecido
para desamassar. Aquele era um hábito entre elas; Tatiana sempre zelava pelo
visual da dona daquele restaurante, porque se dependesse dela, Patrícia estaria
sempre parecendo apenas mais uma cozinheira.
Tatiana
acenou para uma garçonete que a cumprimentou, e sorriu para outra, que passou
perto dela. Ela também fazia parte daquele lugar, e Patrícia sorriu, com gosto,
constatando isso, mais uma vez. Era sempre muito satisfatório perceber esse
tipo de coisa.
Reparou
que a mulher estava com uma calça de cós alto escura e uma camisa fina, azul
marinho, com as mangas dobradas até os cotovelos, por cima de outra, branca, decotada
e mais justa. Seu cabelo, num tom ruivo aloirado, estava solto, em cima dos
ombros.
– Aham – foi tudo o que disse,
levantando uma sobrancelha e dando a mão para Patrícia, caminhando com ela em
direção ao bar, nos fundos do salão. Tatiana tinha uma postura como se fosse
mesmo a dona dO Bistrô, e ajeitou duas cadeiras pelo caminho, que julgou
estarem em desalinho.
Se
sentaram lado a lado, nos bancos altos em frente ao balcão espelhado que não
tinha nada de pó ou digital em cima, nenhuma marca. Aquela parte dO Bistrô era
um local mais reservado, separado do salão principal por uma treliça forrada de
jiboias com as folhas bem verdes, que subiam como cobras e se enroscavam nelas
mesmas, formando uma espécie de parede viva, muito bonita. Ali a luz era mais baixa,
convidativa, combinava com os móveis pretos, e naquele momento ressoava em
notas baixas Mine, de George Gershwin, que dava todo um clima. Tatiana faz
um gesto para o garçom, após piscar um olho em tom de cumprimento, e ele logo
colocou três taças no balcão e serviu.
– Mariana está atrasada...
– Patrícia reclama, olhando para o relógio moderno pendurado na parede oposta,
com seus ponteiros enormes girando em volta de um círculo sem números. Se
ajeitou no banco, mordendo a boca, dando uma breve olhada para as bolhas
alcóolicas do champanhe atrás do vidro da taça, que começava a suar.
– Ela já está chegando,
meu amor – Tatiana afirma, e sorri, ao ouvir a porta se abrindo, lá na frente –
Não disse?
Tatiana dá uma piscadinha para Patrícia, que agora parecia
sorrir também, embora ainda estivesse com a testa marcada pela preocupação. Mariana
veio ao encontro delas contraindo os olhos, do jeito que fazia quando estava
sem óculos, e abriu um sorriso largo quando as viu. De longe, se parecia
fisicamente com Tatiana, inclusive a cor do cabelo e o corte – a exceção é que
mantinha os fios um pouco mais compridos, porque em geral tinha preguiça de ir
ao salão para cortar. Mas de perto apresentava detalhes únicos, como as
covinhas nas bochechas e as sardas perto dos olhos, que eram de um castanho
mais escuro que o de Tatiana. Além das roupas, que tinham um estilo um pouco
mais casual que a mulher.
Agora,
porém, estavam as três vestidas de maneira até que parecida, como se tivessem
combinado antes o look para aquela noite. Patrícia só se diferenciava mais
devido ao seu dólmã branco.
– Você demorou... – ela
reclama, aumentando a ruga na testa, antes de ganhar um beijo de Mariana. Fechou
os olhos, inebriada, sentindo seu perfume.
– A Pati já estava achando
que você não vinha – Tatiana brinca, falando junto com ela.
Mariana
abraçou Patrícia, a puxando com os braços no alto das costas, perto dos ombros.
Se encaixou entre suas pernas, que automaticamente se abriram para abrigá-la, depois
encostou a ponta da língua de levinho no lábio inferior de Patrícia, sorrindo
quando a mulher respirou um pouco mais pesado, como sempre fazia. As mãos dela
apertaram sua cintura e o beijo se tornou mais apressado, mais urgente. Estavam
as duas sorrindo quando pararam de se beijar.
– Até parece que eu não
viria... – Mariana resmunga.
Deu um
beijo final na testa de Patrícia, ainda balançando a cabeça, um pouco
contrariada, e se virou para Tatiana, que a enlaçou pela cintura e deu um beijo
molhado e estalado em sua boca. Se abraçaram ao final e Mariana parou perto do seu
ouvido.
– Nera às oito? –
perguntou, baixinho, no ouvido da esposa.
– É às oito –
Patrícia responde, às suas costas, demonstrando tê-la escutado. Cruzou os
braços porque não sabia o que fazer com eles, mas logo descruzou, pois não
queria parecer boba.
– Amor, são 19h35 –
Mariana diz, puxando o banco para perto dela. Sentou entre as duas, como
adorava fazer. Deu um beijo na bochecha de Patrícia, antes de entregar uma taça
primeiro para ela, depois outra para Tatiana, a beijando no rosto também – Eu
jamais perderia uma noite como essa, sei o quanto é importante para você. Seu
evento vai ser um sucesso, querida, como foi no ano passado.
Ela fez menção de brindar com as duas, mas parou na
metade quando viu Patrícia balançando a cabeça, do jeito que fazia se frustrava.
Ou quando Mariana dizia algo errado.
– O quê? – pergunta, mas
para Tatiana, que estava rindo dela.
– Mari, eu não me canso
disso – Tatiana se levanta, e a abraça, sem cerimônia, fazendo um som quando a
apertou um pouco mais forte. Deu a mão para Patrícia, sentada ao lado dela, enlaçando
seus dedos, e beijou Mariana, que ainda estava com aquela expressão de quando
não entendia algo – Não me canso de você, meu amor. Grata por estar em nossas
vidas – complementou, sentindo Mariana ceder ao seu abraço, o tronco amolecendo
de encontro ao seu corpo.
– Eu que agradeço, amorzinha,
mas nem sempre entendo o que vocês falam – ela reclama, fazendo uma breve
careta, afundando o rosto em seu pescoço – Nós combinamos sobre as piadas
internas...
– Não foi uma piada
interna – Patrícia fala, levantando finalmente sua taça para o brinde – É que o
evento de hoje é muito mais importante do que foi qualquer outro no passado. Só
isso.
– A nós, ao nosso amor –
Tatiana encosta sua taça nas outras duas, olhando as mulheres nos olhos, e continua,
com a voz mais baixa – Ao seu sucesso, Pati, sempre. E à Mari, o delicioso ingrediente
secreto dO Bistrô de dona Patrícia Figueiredo.
As três riem e brindam, saboreando em pequenos goles a
bebida borbulhante, que manteve por um instante em seus rostos aquela feição
amena. Mariana e Tatiana seguravam a taça com a mão que exibia suas alianças
iguais, brilhantes, e Patrícia sorriu por isso, sentindo no bolso o seu anel,
ainda guardado.
– Está tudo lindo, amor –
Mariana diz, olhando para o salão, agora sem funcionários. Por estar sem óculos
e com os olhos contraídos, Patrícia não acreditou muito no que ouvia.
Dali
era possível ver a mesa arrumada, toda elegante, com as oito cadeiras em volta,
bem organizadas e simétricas. As toalhas finas de linho branco estavam em cima
de outras mais grossas, azul marinho. Em cima, os pratos, as taças e os talheres
pareciam ter sido organizados em volta dos guardanapos de tecido com a ajuda de
uma fita métrica, porque a harmonização era quase centimetrada. Tudo reluzia à
meia-luz, num tom amarelado, uma penumbra agora convidativa e intimista.
– Quero que esteja
perfeito – Patrícia responde, mas desvia o olhar do salão, ornamentado com buquês
de rosas vermelhas e amarelas – Quero que seja perfeito – se corrige.
– Cuidado que o “ótimo é
inimigo do bom” – Mariana retruca, emendando mais um gole de champanhe. Parou
de beber quando viu Tatiana rir mais uma vez.
– Tá, agora foi uma piada
interna – Tatiana se defende, rindo novamente, desta vez mais alto – Coisa
fofa!
– Ai, vocês estão cheias
de gracinha hoje... – Mariana vira os olhos. Duas vezes, porque o gesto fez as
duas mulheres rirem.
– Meu pai dizia isso, Mari
– Patrícia explica, apoiando a mão em sua perna – É só algo que ele dizia e que
sempre me lembro, mesmo não querendo, ou não gostando de me lembrar.
– Desculpa, meu benzinho,
eu não sabia – Mariana se inclina em sua direção e a beija – E você, para de
rir! – complementa, apontando com a taça na direção de Tatiana. Mas no final,
riu também.
– Não prometo, amor. Você
sempre me faz rir, te acho tão bonitinha – Tatiana comenta, dando um selinho na
mulher – Mas eu disse isso para a Pati, está tudo lindo mesmo, querida. A noite
vai ser um sucesso.
Mariana repara que Patrícia apenas suspira, parecendo não
muito convencida daquilo, e Tatiana levanta as sobrancelhas, antes de se
esconder dentro da taça.
– Me apresentar como
oficial muda tanto tudo assim? – Mariana quer saber, e balança a cabeça antes
de ouvir a resposta. Tatiana estava rindo mais uma vez.
– É claro que muda, gatinha – Patrícia responde, num sorriso.
– Claro que muda, Mari – Tatiana
fala, ao mesmo tempo – Cadê seus óculos, garota?
– Não sei, perdi – Mariana
diz, e vira o rosto, desviando o olhar, bebendo o resto do champanhe de uma só
vez.
– Mari? – Patrícia a
chama, apoiando a taça vazia no balcão.
– Eu perdi, amor, não sei...
– Mariana afirma, mas levantou os ombros no final.
– Eu te falei hoje cedo que
eles estavam no teto do seu carro, antes de você sair da garagem. Você esqueceu
de pegar? – Tatiana tinha o olhar divertido, e sorveu mais um gole curto de sua
bebida, que ainda estava pela metade. Não era chegada a álcool, mas sempre
acompanhava as mulheres pelo menos nos brindes.
– Não sei, talvez –
Mariana responde, mas desta vez até ela riu.
– Você é mesmo uma gracinha,
Mari – Patrícia diz, se levantando e dando um beijo nela – Agora, se as
senhoras me dão licença...
– Boa sorte lá, amor,
coloca ordem na bagunça e arrase – Tatiana diz, mandando para ela um beijinho
no ar.
– Sim, agradeço, vou. E vocês,
se comportem – ela faz um aceno para ambas – Até já.
Patrícia sai em direção à cozinha e ao passar pela porta
o ruído das atividades que aconteciam lá dentro ficou audível por um breve
instante, e um cheiro gostoso de comida escapou, com a passagem.
– Nunca vi a Pati tão
ansiosa – Mariana comenta, se virando em direção à Tatiana.
Sorriu,
apreciando seu look, a olhando de cima a baixo, como se gostasse do que via. Sem
dizer nada, pegou a taça da mão de Tatiana e bebeu todo o champanhe.
– É, ela está tensa mesmo.
Sabe como é a nossa mulher... e como é a rivalidade que ela tem com aquela tal
de Márcia.
– Sim, a “amiga” que não é
amiga, mas que ela gosta de chamar para todos os testes de cardápio dO Bistrô,
desde sempre.
– Isso, essa mesma –
Tatiana dá um sorriso para ela, e pisca um olho, de maneira cúmplice – Acho que
a Pati guardou aqueles seus óculos antigos lá no escritório. Quer que eu
procure?
– Você faria isso?
– Claro. Mas só por você.
E pela Patrícia – Tatiana se apressa em dizer, e dá a mão para ela depois que
se levantam.
As duas tinham quase a mesma altura, por volta de 1,73m,
mas Mariana estava alguns centímetros mais alta, por conta do salto de sua
bota, que ecoava o som de seus passos conforme atravessavam o salão. Ao passar
por ali ela respirou fundo e sorriu. Adorava o cheiro daquele lugar, a
segurança que a invadia ao sentir aquela mistura de aromas, tão característica
dO Bistrô, de Patrícia, de Tatiana. Delas.
Entendia parte do que afligia a esposa porque ela própria
sentia o estômago dar voltas dentro da barriga, contraído numa agitação que sempre
tomava conta de seu corpo antes de momentos importantes, como aquele. Mariana
sabia que Patrícia não se preocupava com o fato de não gostarem do jantar ou
algo do tipo; ao contrário, aquele evento era quase uma exibição, apenas, do
que o restaurante ofereceria pelos próximos 12 meses, só uma prévia, mesmo. A
ansiedade era provocada outro motivo, sabia, e sentida de maneira partilhada.
Inclusive com Tatiana, que ia à sua frente, abrindo as portas e acendendo as
luzes, bastante íntima daquele espaço.
Mariana
hoje seria finalmente apresentada de maneira oficial como parte daquele
relacionamento, e se dependesse dela tudo sairia conforme as esposas
planejaram, e terminariam a noite felizes e juntas em sua cama king size
forrada com lençóis floridos e perfumados. Foi para onde combinaram ir, naquela
manhã, quando acordaram com o despertador estridente de Tatiana, tocando às 5h45.
– De todos os lugares dO
Bistrô, este é o que mais tem o cheiro da Patrícia – Mariana comenta,
respirando fundo mais uma vez, antes de se sentar na cadeira da mulher. Se
apoiou no encosto macio e sentiu o corpo se acomodar para trás.
O segundo andar do restaurante era dividido entre o
escritório e a despensa, e cada parte tinha uma entrada separada, com escada
privativa. Os ambientes eram acessíveis através de uma porta que ficava bem no
meio da parede sem quadros, pintada de bordô. Aquele era um espaço amplo com
poucos móveis ou objetos, apenas a mesa de trabalho e alguns arquivos, além do
armário alto de metal. Tudo muito simples e, talvez por isso mesmo, refinado. O
chão de madeira era quase inteiro coberto por um tapete grosso e marrom, que
fazia par com o sofá de três lugares perto da janela, do mesmo tom.
– É, eu também adoro o cheiro desse escritório
– Tatiana responde, mexendo na gaveta bagunçada da mesa de Patrícia, ao seu
lado – Aqui, baby – ela lhe entrega os óculos antigos de armação fina.
– Ahn – Mariana suspira
assim que os coloca no rosto e volta a enxergar direito – Fora de moda, mas
sempre atual. Grata, amorzinho.
– Vou te poupar do sermão
sobre ter dirigido sem óculos, ok – Tatiana fala, depois de ganhar um beijo da
mulher – Foi imprudente, Mari.
– Prometo ter cuidado –
ela diz, distraída. Mas volta a falar rápido, na sequência – Como tive,
dirigindo até aqui.
– Sei... – Tatiana
retruca, fingindo não acreditar. Atravessou a sala e ajeitou na parede oposta um
dos quadros, que estava torto.
– Amor, se a tal da Márcia
é tão víbora, por que a Pati faz tanta questão de chamá-la para a prova de
cardápio? Hoje podia ser uma noite tão mais agradável...
Tatiana sorriu antes de responder. Não resistia, sorria
de maneira involuntária quando Mariana tinha aquela expressão no rosto. Por
isso abriu os braços para ela, a convidando para um breve abraço, o que a fez
se levantar e vir ao seu encontro, antes de caminharem com os corpos unidos
para fora da sala.
– A Pati a convida porque
uma prova de cardápio dO Bistrô sem a Márcia jamais é completa, gatinha. Essa
mulher representa, sei lá, os críticos, digamos assim. Não que haja falhas naquilo
que a Patrícia apresenta... mas caso exista alguma, por menor e mais absurda
que seja, quem detecta é a Márcia – Tatiana apaga a luz, antes de fechar a
porta do escritório, voltando a abraçá-la para descerem os degraus – Ou
qualquer outro convidado desta noite, que também é sincero suficiente para
dizer algo que soe como crítica, só que a Márcia é mais. Infelizmente, por isso
ela acaba fazendo parte deste grupo, tão seleto.
– Mas ano passado tudo
correu bem, mesmo sem ela...
– Bem? Você viu como a
Pati ficou depois! – Tatiana diz e sorri de novo, piscando para Patrícia, que
as encontra no pé da escada, já sem a roupa de chef, com uma camisa de tom parecido
com o de Tatiana e Mariana.
Se deram as mãos por um momento e brevemente se olharam
nos olhos, unidas naquele elo reforçado por seus dedos entrelaçados. Nada foi
dito, não verbalmente, mas uma forte mensagem de união passava entre as três
naquele instante.
– Amo vocês. Minhas
mulheres! – Patrícia disse, e ficou no meio delas, caminhando à frente, abrindo
o espetáculo que era seu.
O salão apenas as aguardava, porque o jantar já estava
praticamente no ponto, e seria servido pontualmente às oito da noite, como
acontecia todos os anos. Os convidados sabiam desse importante detalhe, e chegavam
sempre um pouco antes do horário.
– Patricinha, querida,
satisfação em revê-la – Ramona cumprimenta, o primeiro a chegar. Tinha um
topete alto que contrastava com a calvície avançada do jantar anterior. Deu um
beijinho no rosto de Patrícia e na sequência se virou para Tatiana, parada ao
seu lado, a beijando também. A última a ser cumprimentada foi Mariana – Olá,
querida, prazer novamente – ele diz, quase num resmungo.
– Ramona – Mariana diz,
também resmungando. Sentia que o sujeito não ia muito com a sua cara, mas
seguiria o conselho de Tatiana e por isso sorriu, gentil. Percebeu ter agido corretamente
quando viu a esposa sorrindo para ela, parecendo orgulhosa.
Tatiana estava sempre com aquele sorriso no rosto, não
parecia haver tempo ruim para ela. Era uma mulher muito política e educada,
resolvia sempre todos os conflitos à sua volta. Do trisal, era a responsável
por colocar panos quentes, e seu papel naqueles jantares era fundamental. Por
isso se manteve de mãos dadas com Patrícia, o gesto transmitindo a serenidade
que a mulher precisava e apreciava.
O segundo convidado a chegar foi Ralf, irmão de Tatiana,
que se admirou ao ver Mariana novamente naquela prova de cardápio. Tinham se
conhecido no jantar anterior, e no seu entendimento a moça era apenas alguém sem
muita importância, que apareceu no restaurante em cima da hora e em horário
impróprio. Foi o que pareceu, uma vez que na ocasião não havia nem lugar reservado
para ela em volta da mesa de Patrícia, sempre tão farta e bem organizada.
– Olá, Pati... – Ralf
cumprimenta, com seu tradicional tom baixo, a voz pastosa, um pouco melosa. A abraçou
brevemente, depois de um beijo rápido e superficial – Mariana... – complementa,
dando apenas uma leve inclinada com a cabeça em sua direção.
– Ralf – Mariana
respondeu, no mesmo tom grave e repetindo o gesto, meneando a cabeça, o que fez
Tatiana rir. Ela não imaginava como era ser Mariana durante aquele jantar, mas
tinha a certeza de que a mulher era capaz de transformar o evento, como
transformava todos os setores de sua vida e os de Patrícia. Era mais um motivo
para não conseguir sequer se imaginar sem ela em suas vidas.
– Oi, maninho – Tatiana
abraça o irmão – Que bom te ver, fico feliz que tenha vindo – complementa,
alisando suas costas no abraço.
Tatiana
enlaça o braço em volta da cintura dele, e caminham em direção à mesa. Todos os
lugares eram sempre ocupados pelas mesmas pessoas, na mesma ordem, e Ralf notou
que, desta vez, havia oito cadeiras, em vez de sete. Pensou brevemente onde
Mariana se sentaria, considerando que Patrícia sempre ocupava a ponta, com
Tatiana à sua direita. A cadeira da esquerda, bem ao seu lado, era o lugar
reservado para a indigesta Márcia.
– Aquela agradável amiga
de vocês virá este ano novamente? – Ralf questiona, apontando com a cabeça para
a ponta da mesa. Estava sentado no meio, ao lado de Ramona, que riu com a
pergunta – Achei que depois da ausência no evento passado ela deixaria de vir...
– Sabe como é a Patrícia –
Tatiana ergue uma sobrancelha, os ombros se levantando num impulso – Ela gosta
de ter a Márcia perto.
Quando
terminou a frase, ouviu as vozes de Bruna e sua esposa, Célia, vindas da
entrada do restaurante. As duas pareciam manter uma pequena distância entre
elas, o que fez Tatiana pensar que provavelmente tinham brigado.
Ficou
observando a cena, queria ver como Mariana se sairia, recebendo as convidadas
como se fosse a Senhora Figueiredo. Achou que a mulher se saiu bem, nos
cumprimentos formais a pessoas que só havia visto uma única vez, e que nem
imaginava a importância que tinham na vida de Patrícia e Tatiana.
O casal
sorriu para ela de longe, e dali reconheceu nos olhos de Bruna a contradição de
não a ver na porta, quase inquirindo o porquê de ela ter cedido seu lugar ao
lado da esposa, e para uma “completa estranha”. Tatiana sorriu e desviou o
olhar de propósito. Jamais serviria a sobremesa, e de bandeja, antes da comida.
Mas
ninguém disse nada, nem mesmo quando Mariana deu um beijo no rosto de Patrícia
e caminhou até a mesa, solenemente.
Nada
também foi dito também quando ela se sentou na cadeira até então reservada à Márcia,
à esquerda de onde Patrícia sentaria, bem de frente para Tatiana, que sorriu
para ela ao vê-la ali. Mariana tinha um olhar travesso, e apertava os lábios
como se controlasse uma risada.
– A amiga da Patrícia não
virá? – Célia pergunta, revelando o elefante no salão.
Antes de responder, Tatiana olha brevemente para a porta
do restaurante, e o gesto acabou sendo sua resposta, pois Márcia acabava de
chegar, com algumas gotas da chuva escorrendo pelo cabelo. Ao retornar o rosto
para o centro da mesa, Tatiana encontrou um olhar aflito no rosto de Mariana,
contrastante com sua feição anterior. Voltou a olhar para Márcia, que abraçava
Patrícia, na entrada dO Bistrô, e não entendeu o que estava acontecendo.
Mariana a olhou de um jeito aflito, se remexendo na
cadeira, parecendo incomodada, e antes que pudesse perguntar o que tinha
acontecido ela a viu se levantar e, sem hesitar, se levantou também e foi atrás
dela.
– Mari? – Tatiana chama,
vendo a mulher sentar no segundo degrau da escada que levava ao escritório – O
que foi, amor?
– Tati, por favor, não me
diga que essa Márcia é a Márcia – Mariana parecia pálida.
– Sim? – Tatiana mantinha a
expressão de confusão – Você a conhece?
Mariana suspira e prega os olhos num ponto do teto. Por
causa dos óculos, se parecia com quem era no começo do namoro delas.
– Mariana? – Tatiana a
chama novamente, sua voz agora mais séria.
– Conheço, amor.
Infelizmente, conheço. Ela é “a Marcinha”.
– Mentira! “A sigilosa”? –
Tatiana leva as mãos até a boca, num misto de choque e regozijo – Mentira! – repetiu,
agora com a voz mais grave, a risada escapando por entre os dedos, dos lábios
entreabertos. Aí uniu as palmas, os dedos se juntando enquanto suspirava
profundamente, olhando para o teto tentando organizar os pensamentos.
– Amor... – Mariana tinha
um fio de voz.
– Está tudo bem, querida –
Tatiana a acalma, mas mexeu no cabelo de uma maneira conflitante com o que dizia,
parecendo nervosa – Não sei se devemos contar para a Pati. Não ainda.
– Mas...
– Você confia em mim? –
Tatiana a interrompe, de um jeito que sempre deixava Mariana rendida.
– A minha vida.
– Ótimo. Então vamos.
Ela estendeu a mão em sua direção, a fazendo se levantar
e acompanhá-la de volta ao salão. Devido ao contratempo, não viram a explicação
de Patrícia para a troca de lugares em volta da mesa, inédita na história dO
Bistrô, e quando chegaram Márcia já estava sentada quase no outro extremo da mesa,
bem longe, por sorte.
Mariana não quis olhar para ela, mas Tatiana fez questão
de cumprimentá-la e ficou vendo sua reação, com Mariana sentada bem ao lado de Patrícia,
como se tivesse sido promovida e ela, por sua vez, rebaixado de posto na escala
de importância da prova de cardápio. Tatiana sorriu, agora por vários motivos,
e procurou os olhos de Mariana, depois os de Patrícia.
– Queridos amigos, é uma
satisfação encontrá-los mais uma vez, de antemão agradeço a presença de todos
vocês – Patrícia fala.
Era a única em pé em volta da mesa, sua voz límpida
cessando imediatamente os burburinhos entre os convidados, que a olharam,
atentos. Antes que continuasse, dois garçons entraram no salão, parecendo
sincronizados, e serviram juntos as taças em cima da mesa arrumada. Patrícia
serviu água para Tatiana, e segurou sua taça, a última a ser servida, a
levantando para um brinde.
– Que tenhamos uma ótima
noite, espero que apreciem o jantar.
Patrícia encostou sua taça na água de Tatiana, um
movimento quase ritualístico, e antes de beber, fez o mesmo gesto na taça de
Mariana, erguida em sua direção, do outro lado. O brinde foi feito também na
direção Tatiana-Mariana.
– Este é um evento muito
especial – Patrícia comenta, ao sentar-se, depois que os garçons deixam o salão.
Apoiou sua taça na mesa e segurou a mão da esposa, depois a de Mariana – ...
porque hoje queremos, oficialmente, Tatiana e eu – continuou, com o mesmo
timbre – ... apresentar para vocês a nossa nova esposa, Mariana.
Como num movimento orquestrado, sua fala terminou
pontualmente com a aparição dos funcionários no salão mais uma vez,
acompanhados agora por outras duas garçonetes, que traziam em bandejas prateadas
as entradas programadas para aquela refeição. Tudo num timing perfeito!
Tatiana riu porque pareceu que todos se engasgaram com o anúncio,
inclusive Márcia (ela especialmente!). No final da noite, quando contasse para
a esposa sobre o passado em comum entre Mariana e “a sigilosa”, agora com nome
e rosto, se esforçaria para gravar cada uma das expressões que Patrícia
certamente faria.
– Pera, o quê? – Célia
perguntou. Partia sempre dela ou de Ralf reações que desencadeavam um efeito
cascata de atitudes iguais entre os presentes. De Márcia também, mas naquela
noite ela estava muda.
– Vocês se casaram de
novo? – era Ramona quem perguntava.
– Tatiana! – Ralf exclama,
parecendo em choque com a falta de reação da irmã, que tinha a audácia de estar
sorrindo.
– Aconteceu! – Tatiana se
justifica, como se bastasse só falar aquilo.
– Isso é o quê?, poligamia?
– Célia pergunta, sempre querendo rotular as coisas.
– Poligamia não é proibido?
– Bruna quer saber, sua voz sendo apenas mais uma entre as várias outras em
volta daquela mesa.
– Amigos – Patrícia chama,
e insiste, chamando uma segunda vez – Amigos, por favor.
Manteve as mãos espalmadas em direção aos convidados, e
só as abaixou quando recebeu a atenção que desejava. Ainda assim, aguardou alguns
segundos, esperando que os ânimos se acalmassem. Evitou olhar para as esposas
porque elas tinham insistido para que o anúncio fosse feito somente após a
sobremesa, e não queria se dar por vencida. Patrícia não era mulher de deixar o
melhor para o fim, afinal.
– Não foi nada planejado –
Patrícia fala, assim que o silêncio se instaura entre as pessoas que tinham na
cabeça mil pensamentos, cada uma – Aconteceu, como a Tati disse, não estávamos
esperando – ela sorri de um jeito amoroso para Mariana, que retribui – E foi
simplesmente a melhor coisa que poderia ter acontecido conosco.
– E como isso funciona? – Célia
pergunta, e recebe de imediato um olhar atravessado de Patrícia – Não, digo...
Legalmente falando.
– Nós entramos com uma
ação para celebrarmos união estável, entre nós três – foi a vez de Tatiana
responder – O resultado do processo saiu essa semana – ela exibiu na mão
esquerda uma aliança diferente da que costumava usar com Tatiana; esta era mais
fina.
– Márcia? – Patrícia a
chama, estranhando a ausência de acidez dos seus comentários tão sórdidos e
corriqueiros.
A mulher, encolhida na ponta da mesa, teve um pequeno
sobressalto ao ouvir seu nome, e tossiu ao se engasgar com um grissini de
parmesão com gergelim. Colocou o palito de aperitivo de lado e bebeu um gole curto
de vinho, que deixou os cantos de sua boca desenhados para cima.
– Eu... – Márcia diz, mas
estava notadamente sem palavras. Fechou os olhos, desgostosa, e balançou a
cabeça, deixando clara sua recusa em se pronunciar.
– Poligamia é diferente de
poliamor – Célia estava lendo algo no celular, seu rosto todo iluminado pela
luz da tela, refletida nos cantos dos óculos pretos. Seu comentário trouxe o
assunto de volta à mesa – Poligamia envolve religião e sexo oposto. O que vocês
têm é poliamor, portanto – ela continua, absorta na leitura que fazia, não
captando as reações contrariadas das mulheres perto dela.
– Amor... – Bruna a chama,
encostando em seu braço, e ela no mesmo instante desligou e largou o celular de
lado.
– Vocês sabem disso, é
claro... – Célia diz, cabisbaixa.
– Tenho vontade de
perguntar quem é o homem dessa relação – Ramona comenta, o topete balançando
cheio de laquê, conforme movimentava a cabeça.
– Mas nós somos três
mulheres! – Tatiana parecia um pouco indignada, com a voz um decibel mais
esganiçado do que gostaria.
– Sim, eu sei, por isso que
estou calado – Ramona fala, arqueando as sobrancelhas como se dissesse o óbvio.
– Deve ser uma dinâmica tensa!
Imagine só, três vezes TPM! – Ralf diz.
Os garçons voltaram para o salão. Alguns retiraram em
silêncio os pratos com as migalhas da entrada, outros serviram mais uma rodada
de vinho nas taças esvaziadas. Tão rápido quanto saíram eles retornaram, agora
já com a refeição principal, colocada em pratos largos que foram posicionados à
frente de cada um dos presentes. Nesse meio-tempo, ninguém disse nada. Aquele
era certamente o jantar mais silencioso de todos, em toda a história dO Bistrô.
Comeram em silêncio, depois que Patrícia explicou o novo conceito
daquela comida, que era uma massa típica do restaurante, mas agora numa versão
vegetariana, mais leve e com novos temperos. A chef se sentiu frustrada quando
Márcia não disse nada, nem mesmo um A, nem quando o cafezinho que ela sempre
reclamava de ser muito forte e amargo foi servido mais uma vez, anunciando o
fim da noite, quase duas horas mais tarde.
Quando os convidados já estavam de saída, se despedindo
satisfeitos depois de um jantar saborosíssimo, Mariana foi até o banheiro e
estava na saída da cabine quando viu Márcia lá fora, parada em frente à pia,
olhando para ela pelo espelho. Primeiro se assustou, depois pensou em sorrir,
mas aí ficou séria quando a mulher se virou em sua direção, com um olhar
perturbado.
– É para me provocar,
isso? – Márcia pergunta, sem especificar ao que se referia.
– É claro que não,
Marcinha. Eu nem sabia que você conhecia a Pati, ou a Tati...
– Pois parece que é – ela
emenda, como se não tivesse ouvido a resposta – Só por quê?, por que não te
assumi, é isso?
– Marcinha... – Mariana encosta
em seu braço, mas a mulher dá um passo para o lado, saindo um pouco do seu
alcance.
– Não encosta em mim! – ela
reclama, nervosa.
– Eu...
– Não sei nem o que pensar
– Márcia diz, e sai do banheiro, batendo a porta com força, demonstrando que
também não sabia o que falar.
Mariana ajeita o cabelo, depois de lavar as mãos, e se
encara por um momento no reflexo iluminado do espelho, vendo ali a mulher que
tinha sido anunciada há pouco como a nova esposa de um casal que já estava
junto há quase dez anos. Ficou pensando que era uma mulher de muita sorte,
porque se alguém lhe contasse uma história assim, envolvendo um trisal neste
formato, ficaria com muita vontade de ser uma das participantes.
Ao apagar a luz e fechar a porta, listou mais uma vez
todos os problemas que tinha detectado no jantar servido pela esposa, desde a brevidade
da entrada, passando pelo vinho “errado” (na sua opinião, tinha que ser Merlot,
não Malbec) e até o ponto da massa, que não estava al dente, como de
costume. Ao chegar no salão, porém, e encontrar abraçadas as mulheres que mais
amava, se esqueceu completamente da lista, das falhas e até mesmo do jantar. De
repente pareceu bobo ter ficado tão preocupada e aflita com aquele evento; não
precisava, pois sabia que não tinha com o que se preocupar, jamais e com nenhum
assunto, desde que Tatiana e Patrícia estivessem ao seu lado, qualquer que
fosse a ocasião.
As duas a recepcionaram com um sorriso, largo e sincero, como
se lessem o seu pensamento, e sem que pedisse deram lugar no meio delas, onde
Mariana gostava de ficar – e elas a adoravam ter. Saíram as três abraçadas dO
Bistrô, fazendo planos confidenciais e que só elas escutavam, para a sobremesa que
as aguardava em casa.
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