Matemática

 

Sempre tive problemas matemáticos. Sempre, desde criança. E lá na infância, esse era justamente meu maior bicho-papão, o principal motivo da minha agonia juvenil, o grande terror dos meus pesadelos, que me assombrava também durante o dia, enquanto eu ficava acordada. E foram dias difíceis aqueles, lutando impiedosamente contra dificuldades que me impediam de compreender conceitos tão... relativamente simples para pessoas da minha idade. Para pessoas de qualquer idade, melhor dizendo.

Cresci numa casa com mais dois irmãos e minha irmã um ano mais velha sempre foi genial. Minha irmã sempre foi foda, desde pequenininha, quando aprendeu a ler sozinha. E eu... bom, eu aprendi a andar de bicicleta sem ninguém me ensinar e a subir em árvores e a criar histórias enquanto me divertia num bairro com poucas casas. Nesse contexto, a matemática representava a parte ruim da minha melhor fase. Um motivo de desgosto do meu pai em relação a mim. Quer dizer, um dentre tantos e tantos.

Meu pai sempre foi um sujeito relativamente ausente e sua presença dentro de casa sempre foi marcada por críticas, por olhares de desaprovação e aquele ar de que algo em mim não correspondia às expectativas dele. A matemática era, sem dúvida, um desses “algo”. Cada nota baixa era sinônimo de ter que estudar com ele e cada erro nessas horas ecoava dentro da cozinha, quando ele gritava comigo, com a voz quebrando o silêncio enquanto eu chorava chateada me sentindo estúpida.

Naquela época eu, muito teimosa, insistia em gostar só do que me dava prazer, o que me levava a fugir de tudo que provocava algum tipo de medo – e isso englobava meu pai. E a matemática. Naturalmente, eu preferia inventar brincadeira na rua, subir na árvore da calçada ou pedalar pelo bairro, que naquela época se preparava para abrigar um shopping. Sentia que assim as minhas habilidades floresciam, sem cobrança e sem que eu precisasse me preocupar com questões de escola. Mas ainda assim os números me seguiam, invisíveis e insistentes, sem trégua. E aí vez ou outra lá ia eu com meu caderninho amarrotado de tanto passar borracha, me humilhar, pedindo para o meu pai explicar algo que eu definitivamente não entendia. Porque era confuso, porque era chato demais e porque o sujeito não sabia ensinar (prova disso é que todos que estudavam matemática com ele saíam chorando no final, um horror).

Aí, o tempo passou. Por sorte cresci, me afastei das cobranças, dos gritos e das frustrações, mas a matemática nunca me abandonou completamente. Sempre foi como aquele parente distante que se evita nas festas, mas que insiste em aparecer nas fotos, como se fosse importante. Talvez porque seja, mas na vida adulta percebi que o que não sei, a calculadora me ajuda. Ou o Google. E assim fui levando.

Já faz mais de um ano e meio que não falo com meu pai. Por outros motivos muito piores do que ele ser um péssimo professor, um mau pai. E curiosamente, depois desse necessário afastamento, me inscrevi para um curso cheio de números, lotado de fórmulas que antes me aterrorizavam, mas que agora me desafiam a entender, a compreender, a resolver tudo o que empurrei para o fundo do quintal da minha memória mais distante.

E, surpreendentemente, não me sinto mais derrotada. Ainda tropeço em equações, ainda me frustro (para caralho) com problemas que parecem não ter solução, mas já percebi que errar faz parte do processo – e que o erro não é motivo para me diminuir; é aprendizado. Os números continuam teimosos, às vezes impiedosos, mas agora não são mais ameaçadores. Descobri que a persistência que me fazia inventar histórias para fugir da minha no passado também me ajuda a enfrentar contas complexas.

Provavelmente eu nunca vou amar a matemática como amo um livro ou uma personagem, mas aprendi, já nesse segundo bimestre do curso, a pelo menos respeitá-la, a sentar à mesa, encarar os números e dizer: “ok, vamos tentar de novo, mais uma vez”. E isso, provavelmente, seja mais do que eu poderia esperar da menina que chorava na cozinha. Me sinto bem em poder me amparar e ensinar a mim mesma coisas que nunca soube fazer.

Sei que você ainda tem medo, pequena, mas prometo que vou te ensinar tudo o que não soube antes. Pode segurar minha mão sem receio. Eu vou cuidar de você enquanto faço nossas contas.

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.

Clique aqui para acessar o menu completo com todas as histórias. 

Sou uma escritora independente, mas você pode contribuir com a minha arte!

Clique aqui e faça uma doação💙  

Postagens mais visitadas