Horrores, delírios e delícias
Tem dias
que parecem um roteiro mal escrito, uma ficção cabeluda de quinta categoria.
Você se desvia e dribla a depressão de domingo, mas já na segunda não consegue
nem engatar uma terceira. Antes mesmo de quarta já está pedindo arrego, com a
confiança arregaçada numa rua arreganhada da vida real. Só nesta semana encerrei
um (importante) contrato de trabalho, levei minha colega de quarto, de vida, ao
veterinário, depois para fazer exame de sangue, depois para o ultrassom, e no
meio disso meu celular foi de arrasta, pifou. Quer dizer, ele já vinha ensaiando
a tragédia, certas tecnologias parece que avisam quando vão estragar. Meu
celular primeiro começou a ligar e desligar, ligar e deligar, ligar e
desligar... depois parou de funcionar quando tocava algum tipo de som (de
vídeos ao despertador, incluindo Spotify e Instagram). Na sequência, inventou
de reiniciar quando eu tentava abrir um aplicativo (qualquer um). Por fim,
virou um telefone fixo: desligava sempre que desconectava da tomada. A Nani, ao
contrário, começou a passar mal de repente.
Já tem
um tempo que meu vizinho está em obras – o vizinho de baixo, mês passado quem
estava reformando não sei o que era o vizinho de cima. O convívio em sociedade
não dá trégua e digo isso ciente de que o meu banheiro está com algum problema
porque eu não deveria ter que fechar o registro a cada descarga. Ou seja, a
próxima a fazer barulho sou eu (mas não será nada perto da algazarra que
diariamente ocorre dentro de mim, então vida que segue). Prometo fazer de tudo
para que os latidos permaneçam neste andar também.
E no
meio de todo esse caos, finalmente estourei uma champanhe, guardada na geladeira
para momentos especiais. Porque por aqui é dedo no cu e gritaria sem parar:
horrores, delírios e delícias acontecem simultaneamente, literalmente em tempo
real. Presenciamos, enquanto meu mundo ruía, a condenação do capetão, junto de
alguns coronéis. Vimos a direita se rachar, e então se colar de novo, para
votar a PEC da blindagem, da bandidagem. Enquanto isso o Super Dino deu início
ao processo que nasceu da CPI da Covid. É “eita atrás de vixe”, como diria o
nome do grupo que tenho com meus irmãos.
Ao que
tudo indica, viver é exatamente isso aí: uma sequência de obras, falhas,
remendos e remédios, temperada por notícias que nos lembram que a roda gira,
que a terra plana capota. A confusão não some, mas às vezes brinda com a gente –
e ainda oferece a próxima rodada.