Competitivus fingidus corporativus
Que a Terra
é um lugar terrível, horroroso, povoado com tudo o que há de pior, nós já
sabemos, mas pouco se fala sobre as assombrações que existem no mundo
corporativo, esse pequeno universo que encarcera numa mesma companhia gente da
pior espécie (como os mortos-vivos da produtividade, por exemplo, que andam
pelos corredores arrastando seus crachás enquanto cospem metas que mal sabem
mastigar). Essa gente está sempre pronta a te olhar com aquela cara de falsa superioridade,
ao questionar: “você viu que eu respondi seu e-mail, às 3h48 da manhã?”. Sim,
porque essa galera não vive; eles performam, como verdadeiros artistas de uma
nota só, donos de seu próprio fã clube falido, fodidos. No fundo, querem
aplausos, mas honestamente se contentam com elogios a um slide mal diagramado.
E hoje,
que eu poderia perfeitamente estar trabalhando, me vejo impelida a vir aqui
dissecar o perfil psicológico e comportamental de um tipo muito conhecido
nesses ambientes, preenchidos com todo tipo de vazio. Estamos falando do “puxa-tapete
eficiente”, ou se preferir, o Competitivus fingidus corporativus, no nome
científico. Seu habitat natural, refrigerado com ar-condicionado, são espaços
confinados com mesas e cadeiras do mesmo tom, iluminados com luz fria, que
incluem salas de reunião sem janelas, grupos de WhatsApp corporativo (ou do
Teams) e LinkedIn (ah, o LinkedIn... essa é simplesmente a rede social
preferida desses mal-amados). Ali, postam frases motivacionais sobre liderança
e empatia – geralmente no mesmo dia em que colocam alguém na geladeira com um
e-mail atravessado.
O “puxa-tapete
eficiente” fala sobre entrega, comprometimento e proatividade como se fossem
virtudes sagradas, mas só no altar em que ele mesmo é o deus; vive em prece
pela própria promoção e não se incomoda em fazer sacrifícios, desde que a
oferenda seja você. Na prática, entrega os outros, se compromete com a própria
ascensão e é proativo em queimar o próximo na reunião de avaliação – ou até mesmo
antes! Tem gente que não espera e te ferra na primeira oportunidade. E na
segunda também. E na terceira, na quarta... É uma dedicação completa ao caos,
travestida de profissionalismo.
Essa gente,
que definitivamente leva o trabalho a sério demais, gosta de parecer ocupada
mesmo quando está só ocupando espaço. Eles respiram alto, digitam forte, fazem
anotações com cara de compenetrado, como se estivessem salvando o mundo (ou a
empresa, que para eles vale muito mais que um reles planeta). Eficientes? Sim,
pode ser. Éticos? Nem um pouco. Sempre que podem, falam mal e reclamam de você
pelas costas, mas oferecem um sorriso amarelo quando te veem por perto. São os
reis da cordialidade forçada: elogiam publicamente e detonam no privado.
Seu
excesso de eficiência exacerbada é um verdadeiro espetáculo dissimulado, um
teatro fingido de méritos individuais com holofotes voltados para o próprio
umbigo. Seu passatempo preferido é puxar o tapete daquele que está começando a
se firmar, pelo simples prazer de avacalhar. Provavelmente porque se sentem
ameaçados por qualquer brilho que não seja o deles, aí apagam o dos outros
antes que alguém perceba.
Veja,
não se trata de paixão pelo trabalho. É mais uma carência afetiva com plano de
carreira. Gente que troca terapia por check-in no Trello. Que busca
pertencimento nos feedbacks do gestor. Que, na ausência de vida, enche a
agenda.
O
interessante é que, às vezes, esses diabos têm nome de personagem bíblica, falam
com voz de desenho animado e parecem saídas de um coral evangélico, desses que
cantam sorrindo enquanto te apedrejam com ternura. Jamais levantam a voz angelical,
mas esfolam você num áudio de três minutos enviado à chefia, com tom doce e
vocabulário florido, cheio de frases como “me preocupa muito” e “fico chateada
com esse tipo de postura”.
A postura,
no caso, é a sua, mesmo quando o erro foi dele. Porque o “puxa-tapete eficiente”
não erra; ele no máximo “teve dificuldade”. E você, ao reagir, é que é
agressiva, a maluca, a desajustada. Porque com voz mansa, minha gente, aparentemente
tudo se justifica.
Esses
filhotes de satanás sabem manipular o ambiente pela passividade; se fazem de
santos enquanto empurram os outros para a fogueira inquisidora. Se você se
defende, eles se vitimizam. Se você se cala, eles ganham terreno. Se você
denuncia, eles oram por você...
Talvez
o mais cruel de quem puxa o tapete de maneira eficiente seja isso: não o que eles
fazem, mas o que nos obrigam a fazer para sobreviver. Porque diante de tanta
mansidão perversa, a gente acaba aprendendo a se calar, a disfarçar e, o que é
pior: aprende a jogar também. E assim vai perdendo, sem perceber, o pouco de humanidade
que ainda nos resta.
Depois de dez anos trabalhando no silêncio e na calmaria do meu lar, cercada da minha própria respiração, o capitalismo me arrancou de casa e me jogou no mundo gelado dos escritórios. Ali, além do uniforme, é preciso vestir uma armadura também. Porque lá fora a gente não luta só contra os prazos. Luta contra os sorrisos e até mesmo contra quem se diz seu aliado.