A polêmica da vez

 
Eu tive uma amiga na faculdade que conheceu o namoradinho e futuro marido numa partida de futebol... de botão. Rotina típica de quem é estagiária de jornalismo nas redações das menores cidades do Brasil. A gente cobre absolutamente tudo o que você possa imaginar, eu mesma uma vez fui obrigada a cobrir o “lançamento” de um posto de gasolina, só porque o dono era anunciante do jornal em que trabalhava. Mas voltando ao assunto, na ocasião o cidadão já tinha barba na cara. Digo, não era criança quando os dois se conheceram, ainda que ele fosse um sujeito totalmente infantilizado, morava com a mãe quando a gente já tinha saído de casa faz tempo. Mas para a minha amiga, no entanto, a situação era normal – tanto que começou a namorar com ele e até hoje os dois são casados, têm até um filho juntos (que eu particularmente não conheço porque em dado momento da vida a gente se desentendeu e hoje nem nos falamos mais).
Para não sair dessa seara da amizade, tenho dois amigos, dentre os poucos que dou a oportunidade de se aproximar de mim. Um deles, coleciona carrinhos de Hot Wheels. São milhares de carrinhos, de tudo quanto é tipo, na casa dele tem uma parede forrada de brinquedos que nunca, jamais, saíram de dentro da caixa – mas ele diz que tudo bem porque é assim que se “brinca”.
Meu outro amigo, que inclusive foi inspiração para a criação de um personagem que trabalha lá no restaurante da Patrícia, tem um drone de estimação. É muito legal, ele faz vídeos aéreos ótimos, pegando detalhes da cidade lá de cima. Vira e mexe eu o vejo por aí com o aviãozinho enfiado debaixo do braço.
Não raramente, observo grupos de amigos combinando partidas de futebol aos fins de semana. Meu ex-cunhado, que tem até chuteira profissional, por exemplo, colocou o filho numa escolinha quando o menino ainda nem andava. Às vezes estou de bobeira aqui em casa e vejo no Instagram dele fotos de partidas que acontecem, ao que parece, religiosamente todo santo sábado.
Conheço uma mulher que se decepcionou certa vez com um cara, antes mesmo do primeiro encontro, ao descobrir que o pretendente preferia jogar videogame ao invés de sair com ela, para conversar. E sabemos que tem por aí muito jogador de LOL que passa horas trancado dentro do quarto, na frente do computador, quase vidrado num mundo irreal, empenhando batalhas épicas com personagens que não existem. Sem falar naqueles que se dedicam horas dirigindo carros de corrida com simuladores que têm volante e até pedal...
A lista parece não ter fim. Tem muito barbado por aí que coleciona bonequinhos – chamados de “Funko”, talvez para parecer mais sério, que são bonecos de anime e super herói. Tem quem goste de “Lego para adultos” (entre aspas de propósito) e quem prefira brincar de RPG. E nada disso é novidade, sabe? Até onde me lembro, situações assim sempre existiram – e mais: sempre foram consideradas normais.
Há quem chame de “hobby”, há quem diga que é lazer, há quem defenda que não tem problema continuar brincando, mesmo depois de crescer. E eu concordo! Juro, sou adepta da teoria de que a gente espicha só no tamanho (e alguns nem isso, como eu, que sou minúscula), porque no fundo ainda somos as mesmas pessoinhas que éramos na infância; o que mudou foi só no quesito “responsabilidades”.
Eu acredito, piamente, que gente feliz não enche o saco. E não importa se a ocupação em questão é futebol de botão, carrinho ou drone. No fundo, tudo é “coisa de gente grande” e é maravilhoso demais poder satisfazer a sua criança interior depois que você cresce e define como quer gastar o seu próprio tempo e o seu suado dinheiro.
O problema é que, para brincar, parece que só pode se for menino. Porque se o brinquedo for de mulher... aí, meu amor, aparecem especialistas lá da casa do caralho só para dar palpite.
Nos últimos tempos, tenho ouvido muito as pessoas falarem sobre supostos transtornos, patologias e até mesmo diagnósticos que levariam mulheres adultas a comprarem bonecos de brinquedo – os chamados bebês reborn, tão polêmicos na redes sociais. Curioso é que esse assunto, que domina a internet, parece simplesmente não existir nas ruas – tanto é que nas praças e nos pontos de ônibus só se fala em outra coisa. Eu, pessoalmente, nunca vi um, a não ser nas redes.
E aí, me pergunto: por que tanta gente se incomoda tanto com uma mulher que quer brincar de boneca? Por que ninguém olha para as “mães de bebê reborn” com o mesmo olhar tranquilo que direcionam para o tiozinho que passa horas jogando no Tigrinho (perdendo tudo o que tem na conta bancária)?
Afinal, se brincar é uma forma de ser feliz, de relaxar, de se conectar com aquela parte da gente que não perdeu a vontade de sonhar... qual é o problema, me diz? Se uma pessoa adulta decide brincar com um boneco que é só um objeto, literalmente um pedaço de plástico, isso não deveria ser motivo para tanto alarde, para tanto debate!
Aí vai ter quem possa dizer: “ai, mas as pessoas estão saindo com boneco na rua”... E daí? Foda-se!
Todos os dias milhares de nós são mortas pelo simples fato de existirem e eu não vejo tanta comoção com o feminicídio como parece existir em torno de mulheres que só estão vivas, brincando, pelo amor de Deus!
Mas não, a sociedade insiste em rotular e, pior, em julgar tudo aquilo que foge do padrão – que, vale dizer, é machista, masculino e sexista. E isso me cansa. E me cansa ainda mais saber que quem mais aponta o dedo quase nunca está preocupado com a saúde mental de ninguém; só está desconfortável porque alguém ousou viver de um jeito diferente.
Então, para quem acha esquisito ver uma adulta com um bebê reborn no colo, eu tenho uma sugestão sincera, do fundo do meu coração: desliga um pouco o celular, olha para sua própria vida e vai brincar um pouco também. Quem sabe não te faz bem?

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.

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