Covidada
Não costumo ficar doente. Não sei se por sorte, genética, acaso ou excesso de água com limão, que passei a beber com frequência desde que alguém me disse que era bom, num sonho que tive em 2016. Sempre tomei chuva e sorvete até no inverno, e foram pouquíssimas as vezes que fiquei mal e caí de cama. De tão raras, tenho até dificuldade de me lembrar quantas vezes foram.
Mas aí parece que tudo o que não vivi em gripes e resfriados me dediquei a experimentar em situações maiores. Por exemplo, em 2003 passei pela primeira cirurgia, quando operei para tirar um cisto do ovário esquerdo, que foi inclusive removido seis anos atrás, na terceira cirurgia – na segunda, em 2012, a operação foi para a retirada de mioma do útero, que também foi tirado fora na última intervenção cirúrgica. Isso me faz colecionar alguns causos (para não chamar simplesmente de “traumas”) em forma de cicatrizes que servem como disparadores para a minha ansiedade, que não à toa grita desde o começo do ano.
Assim como você, eu também vivi o pesadelo da pandemia em 2020, que teve um começo muito bem delineado, mas um final um tanto quanto borrado, com cada pessoa encerrando o isolamento ao seu próprio tempo. As lembranças do Google me mostram fotos de 2023 que ainda estou de máscara, então daí você consegue imaginar meu alto grau de paranoia. Com a saúde em geral, hum, talvez não tanto porque mesmo cagona eu sou bastante relapsa, mas com assuntos de covid a minha mente pira. Frita! Provavelmente por ser uma chavinha que destranca e escancara uma portinha dolorida das minhas memórias já nem tão recentes (estamos em 2025, afinal).
Esses dias estava no banho, a água quente alfinetando a minha pele sensível de febre, e aí lembrei de uma história que circulou naquela época, em forma de meme, que a pessoa estava feliz e dizia algo como “ela não está com covid, não, é só dengue hemorrágica, graças a Deus”. Bom, não tive dengue de novo, graças a Deus, mas pela segunda vez peguei covid-19. A esta altura da vida, sim.
Eu tenho um potinho de álcool em casa bolsa, mochila e sacola de academia que você possa imaginar. Inclusive, meu “álcool oficial” tem até roupinha, é uma graça. Até hoje eu ainda não encosto nas portas nem nos botões dos elevadores aqui do meu prédio. E se encosto, imediatamente higienizo as mãos, com medo de me contaminar. Tenho um potinho de álcool socado na caixinha do correio lá embaixo, que garante que eu possa correr sem ficar na noia de ter coçado o olho depois de encostar na maçaneta suja que, de manhã, sou obrigada a manusear (afina, saio cedinho, antes do porteiro chegar). Eu abro o portão com o pé. A porta do meu andar tem a madeira toda “estilizada” porque eu uso a chave para abrir. Fiquei neurótica, com excesso de cuidados e mesmo assim vi dois risquinhos no autoexame que enfiei no nariz, com a mão trêmula, alguns dias atrás.
Até então, enquanto eu ainda acreditava ser gripe, resfriado, virose ou simplesmente ouvido inflamado, tudo estava relativamente bem. Mas aí por algum motivo decidi fungar o desinfetante. E quando não senti cheiro algum, comecei a surtar. Parece que meu ouvido ficou até mais tampado porque passei a ouvir meu coração agitado, em pânico, ao constatar que me infectei, mesmo tendo um histórico de cinco doses de vacina. E de atleta também, porque é o que me deixa mais fortinha e sei que foi isso que me ajudou no ano passado, quando tive dengue. Meu corpo é bom, funciona até que bem, mas a minha cabecinha...
Inclusive esse foi um dos pensamentos mais recorrentes que povoou minha mente nos últimos dias. Talvez, se não fossem as várias vacinas, eu teria “ido de arrasta”. Não necessariamente teria morrido, mas possivelmente teria sido internada, quiçá até entubada, vai saber. E o mesmo vale para a dengue do ano passado: não fosse a “memória muscular” trabalhada durante a corrida, provavelmente o fim da história teria sido mais trágico. Mais doloroso, sem sombra de dúvida.
Me domar é muito difícil, principalmente quando estou de guarda baixa, que é quando geralmente eu me ataco. Ainda bem que conheço muitas das minhas investidas e consigo me defender minimamente de mim mesma, mas vou te dizer que termino sempre cansada, vencida de algum modo, e ainda tendo que lidar com um corpo que se arrasta da cama para o sofá, do sofá para a cama, sem condições de fazer nada além de existir me sentindo um peso morto.
Os dias que fiquei arriada (foram quase 20, ininterruptos) me afastaram dos meus únicos prazeres e eu não pude correr nem treinar. Fiquei só deitada me sentindo esquisita, sem condições até de limpar a casa; a louça se acumulou suja na pia e a roupa lavada ficou no varal por quase uma semana. Meu apetite mudou e mesmo sendo vegetariana há quase dez anos, passei a ter vontade de comer frango (devorei uma coxinha em duas dentadas e um pastel com catupiry foi macetado enquanto eu gemia). Peço perdão, galinhas.
Agora me sinto bem. Ou melhor, de saúde estou ótima, mas a minha cabeça deu uma bela de uma estragada. Voltei a usar máscara mesmo quando vou só à padaria e voltei a ter receio de frequentar lugar fechado, mesmo estando protegida. Tosse virou motivo de alerta e qualquer espirro acende uma luz de emergência sonora que praticamente me paralisa. Sou de novo a neurótica da pandemia, só que muito pior, porque agora tenho o peso da memória daqueles dias tão tenebrosos, e porque dessa vez fiquei ainda mais debilitada do que quando adoeci anteriormente. Para piorar, ainda sinto minhas ideias embaralhadas e as palavras me escapam; mesmo as mais simples conseguem fugir do meu raciocínio.
Mas estou viva, sim. Sou uma sobrevivente dos nossos dias.
No fim, a vida só é fácil quando tudo não é tão difícil. Então se hoje você está bem, com a saúde em dia e a cabeça mais ou menos boa, aproveite. Os dias mudam muito rápido e a gente se altera a cada esquina.
Mantenha suas vacinas em dia, passe repelente e se cuide!
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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