Sete anos de outubro

 

Hoje completo sete anos vivendo por aqui, no mesmo endereço, desde o longínquo 28 de outubro de 2017. Logo, faz sete anos que moro sozinha no quarto andar de um prédio barulhento com localização privilegiadamente verdejante numa cidade relativamente grande que escolhi para chamar de minha ao virar uma nova habitante. Sete anos é tempo e 7 é um número que eu gosto bastante; além de ímpar, é cabalístico e não binário, e quase tão sonoro quanto um canário (quase!).

Na numerologia, sete representa a busca pelo conhecimento e avançar sozinha o passar do tempo não deixou de ser uma rica e valiosa chance para o autoconhecimento, para a aceitação de mim mesma, para a apreciação sincera da minha própria companhia – tarefas que facilmente levariam uma vida inteira para serem assimiladas e que eu condensei tudo numa linha do tempo muito menor. Aprendizado express.

Quando cheguei, aqui era tudo mato. Eu mesma era uma espécie de floresta densa sufocada das mais variadas pragas que você possa imaginar, era uma desorientada no olho de um furacão, atormentada em meio a uma maldição que acometeu minha vida, virando absolutamente tudo de cabeça para baixo – a começar por mim. No horizonte, um tanto pessimista, o pouco que via me parecia que dali para frente eu apenas viveria resquícios de uma condenação sem crime, mais ou menos como se tivesse quebrado algum espelho num momento de puro descuido. Seriam, portanto, sete anos de azar daquele dia em diante, até hoje, mas com o tempo compreendi que do mesmo jeito que a vida dá rasteira, nos joga para os lados e nos sacode para baixo, ela também sabe ser gentil (do jeitinho dela, é claro). Entender isso me permitiu chorar até me curar, e me curar até conseguir levantar, me valendo unicamente da minha força de vontade, acostumada a ser falha, de um jeito que só seria possível se eu estivesse justamente aqui e não em qualquer outro lugar. Hoje, não apenas minha casa é meu lar, como meu peito virou também uma espécie de nova morada, me acolhendo e me enraizando para muito além de um simples CEP.

Nesses sete anos, com birra e confesso que um tanto na marra, precisei aprender a lidar com cada um dos meus receios, anseios e preocupações travestidas de ansiedade não porque estivesse exatamente empenhada em crescer e amadurecer. Não, na verdade eu mais sobrevivi do que vivi, em especial no começo, quando parecia haver excesso de lama atrapalhando a caminhada, atrasando totalmente a minha jornada.

Por sorte, em momento algum me acelerei ou me cobrei – nem antes, muito menos durante o longo e lento processo em que desabrochei. Porque um dia percebi que, além de mim, o mundo inteiro também se fechava dentro de si e hoje que a pandemia não é mais uma realidade posso bater no peito e afirmar que não há melhor lugar no mundo para estar do que aqui, comigo, sã e salva.

Estar em segurança é muito, muito mais mais do que apenas poder ser a vizinha nua, mas é igualmente ter a liberdade de exercer ao meu modo o protagonismo do meu mundo, visto de longe por uma janela entre tantos vitrais que escondem sob a barreira sutil do vidro a intimidade de estranhos que se veem e se reconhecem a distância, mas que provavelmente jamais vão se encontrar além de num eventual e casual tropeço no meio da rua que compartilhamos.

Hoje, a mulher que ocupa este imóvel não é nem de longe a mesma que aqui chegou, sete anos atrás, praticamente arrastada, completamente arrasada. E se houve progresso, em partes foi graças ao teto que me protege das intempéries da vida enquanto me recupero das investidas da minha própria natureza, que no fim e no fundo me transformam e me moldam em que eu sou de verdade. Essas paredes são testemunhas do meu esforço e também das minhas derrocadas, que me tornam humana ainda que eu insista em me portar lá fora como um tipo de heroína, feita de aço, com coração forjado no ferro.

 Desejo cor para os próximos anos, e também sorte e sol, porque levo na bagagem meu histórico e meus conhecimentos, que fundamentam e cimentam o caminho por onde passo, rumo a um destino que ainda desconheço, mas que será desbravado a partir de agora, durante o próximo ciclo dos novos sete anos da minha história.

Ainda que seja grata, de verdade e com todo o meu coração, desejo ser também desapegada, o máximo que conseguir. Por isso torço para que esteja breve o dia que um caminhão vai encostar aqui na rua e me levar para outro lugar, o meu lugar, de onde vou encarar com saudosismo todos os dias que me levaram até ali.


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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