Bloqueio criativo

 

Dia desses estava eu à toa na vida, distraída, como é habitual, quando me dei conta de que a luz que acende e clareia minhas ideias dentro de mim havia se apagado, não sei bem em que momento, mas reconheço com facilidade o porquê. Quando dei por mim, a escuridão já era total e embora conheça muitíssimo bem o espaço entre as enormes prateleiras da minha mente, desde então me sinto tateando, como se sapateasse, perdida no centro de um labirinto que eu nem sabia ser capaz de existir.

Vez ou outra acontece de eu me ver caindo no abismo da minha essência, já flutuei por essas bandas em algumas situações bastante específicas e absolutamente traumáticas. Em todas elas, acreditei que seria a última vez. Mas não só o tombo foi se agravando a cada queda como o buraco foi se tornando mais e mais profundo. Como se o fundo do poço sempre tivesse uma espécie de alçapão, por onde deslizo até quase não reconhecer mais o poder da gravidade, numa experiência carregada de ambiguidade. Sem romantismos nessa hora, cair não é o que me dá impulso para levantar depois, ao contrário. Sou do tipo que se deita e rola por anos a fio. Anos!

Por muito tempo, e por diferentes motivos, sempre que me vi em situação de desastre recorri à escrita que, de maneira confortável ora me servia como bote, como asa, ora fazia as vezes de um portal por onde eu atravessava para longe de mim, distante o suficiente dos meus dramas ao ponto de conseguir me inspirar. Escrever sempre foi a minha terapia, minha parceira nessa vida maluca, que me chacoalha de jeitos tão criativos que é impossível não admirar a engenhosidade de quem escreve esse roteiro maior (que sou eu mesma, eu sei, ainda que num ponto que eu não compreenda integralmente). E tudo vai bem, mesmo quando não vai bem, se consigo colocar o rostinho para fora e respirar. De certa forma, foi assim que me mantive viva até aqui: sobrevivendo. E escrevendo.

Mas aí aconteceu isso do apagão, a luzinha que brilhava mesmo fraquinha nos momentos de apreensão se apagou completamente, me abandonou, aparentemente, me deixando a esmo, solta à minha própria sorte (se é que há). E no seu lugar ficou uma parede, uma barreira, um bloqueio do tamanho de um tufão, que me venta para longe da inspiração, me impedindo de recorrer à minha tão conhecida receita de salvação, sempre tão eficiente. Me sinto agora presa, mesmo sem ter cometido crime nenhum. Acorrentada ao martírio de dias que seguem praticamente sem palavra, sem verbo e sem ação.

Chamei o bloqueio para dançar, fiz um convite para correr, tentei de alguma forma conter a sangria criativa que desagua onde eu não posso acessar, onde não consigo alcançar, onde desatina meu vazio num eco que ninguém ouve porque sequer existe. Assim como também inexiste a minha capacidade de registrar, de tatuar em linhas em branco emoções que se sobrepõem a sentimentos já bastante complexos e difíceis de lidar.

Eu não sou do tipo que sufoca. Dou espaço, deixo respirar. Não vou forçar a barra, tentar espremer até que algo saia porque isso tende a machucar e frustrar. Então só me resta esperar. Preparar a casa para o dia que a inspiração vai finalmente decidir voltar. Vou recebê-la com pompas, festas e paetês, para que ela se sinta tão confortável ao ponto de nunca mais querer me abandonar. Para que sigamos juntas, como era o plano antes de eu ter que me reinventar.

Espero que esse dia esteja breve e que esse reencontro seja logo.

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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