Sobre ser mulher no fim deste mundo
Existem determinadas situações na vida que
a impressão que tenho é que quanto mais se foge de algo, mais esse algoz corre
atrás de nós, como uma sombra, numa projeção qualquer de luz. Num primeiro
momento parece pura e simples perseguição, já que a rotina nos força a
contragosto a encarar aquilo que definitivamente nós não queremos enxergar, mas
no fundo, bem lá no fundo, trata-se na verdade de parte da magia da vida, que
traz ao nosso alcance toda e qualquer oportunidade para a gente trabalhar e
finalmente aceitar um determinado assunto – que pode ser bastante indigesto e apresentar
um sabor bem amargo, porém é fundamental para o nosso crescimento.
Aparentemente, é tudo pelo nosso bem, ainda que doa bastante.
Nos últimos dias tenho sido obrigada a
confrontar a triste realidade do mundo em que vivemos, especificamente aqui no
Brasil, embora eu saiba que está longe de ser um privilégio verde e amarelo. A torrente
de notícias ruins deságua em mim e me afoga, diariamente, sem trégua. Isso me
faz o tempo todo repetir e refletir sobre o quanto é difícil ser mulher por
aqui. O tempo todo estamos expostas a situações embaraçosas, que não por acaso
rimam com “criminosas” e “perigosas”, e que mesmo sendo terríveis nos fazem
questionar a nossa responsabilidade, mesmo quando somos as vítimas. Dito de
outra forma, enquanto estamos acuadas, somos obrigadas a nos defender para
sobreviver. É bizarro!
Que o mundo é feito por homens e para os
homens nós já sabemos. A questão é por que e até quando. Em que momento será
que esse poder de definir a História e o que é verdade passou para as mãos de
seres tão monstruosos, tão egoístas e maldosos? Alguém pode até dizer que “ai,
mas nem todo homem...”, ao que respondo com um sonoro foda-se, já que eu mesma
não coloco a minha mão no fogo por ninguém já tem muito tempo e ainda assim
continuo me chocando e me horrorizando com personagens que atuavam muito bem no
nosso cenário. Os monstros da vida real estão longe de se esconder debaixo da cama;
ao contrário, estão todos livres por aí, vivendo bem atrás de máscaras e
títulos nobres como “pai”, “avô”, “ministro dos Direitos Humanos” e por aí vai.
É sempre um homem, ainda que alguém queira alegar que um ou outro se salve. Prefiro
mil vezes encontrar um urso, mesmo assim, seja numa floresta imaginária, seja
na rua, no trabalho ou dentro da minha própria casa. Principalmente em casa.
A decepção mais recente (note que eu disse
“mais recente”, porque infelizmente não vai ser a última vez) envolve alguém
que ninguém jamais imaginava ser um abusador. Ora, mas é assim sempre, não é
mesmo? A gente se horroriza talvez por isso; são sempre pessoas acima de
qualquer suspeita, bons cidadãos, do tipo que disfarçam muitíssimo bem suas
próprias ruindades. Provavelmente por isso a tendência é creditar a esses
sujeitos algum tipo de doença, algo que seja mais do que um simples desvio de
caráter, já que isso explicaria o porquê de seus comportamentos transviados. Algo
como: “ah, Fulano nasceu com o gene da maldade, por isso age assim”. Seria simples
e fácil se fosse verdade, só que não é. Não é, não se trata se uma doença. O
mal é um só e se chama homem, um animal perigosíssimo, dito racional.
Pode ser um parente, um chefe, um vizinho,
um amigo ou um completo desconhecido... o fato é todos nos ensejam a nos
proteger, nos forçando a viver num eterno estado de alerta. Não estamos seguras
em lugar algum e, mesmo depois que algo abjeto, absurdo e asqueroso acontece, o
que sobra é a exposição, seja porque a mulher denuncia, seja porque ela resolve
esconder. O julgamento recai sobre quem sofre, é muito estranho.
E aí a internet se inunda de comentaristas
especialistas em passar pano, em procurar brechas, em inventar teorias apenas
para não admitir o óbvio: nós falhamos como sociedade. Falhamos, tem jeito mais
não. E os casos de abuso são apenas um dentre tantos motivos que me fazem
acreditar nisso. Honestamente, eu não vejo mais salvação ou solução, acho que
agora só resetando, mesmo.
Só que como já observado outras vezes,
enquanto na ficção os personagens se atiram loucamente em altas aventuras do
barulho enquanto o mundo que conhecem colapsa, por aqui o que fazemos é continuar
preenchendo planilhas enquanto tudo explode, massacradas todos os dias pelos
piores tipos de informação, enquadradas num cenário tóxico e poluído, adornado
com cortinas de fumaça que embaçam a vista e entopem o pulmão.
Seguimos, porque não há para onde correr.
Corremos, porque ficar parada é propício para enlouquecer. E alguém precisa
narrar esse rolê, né?
*
Em tempo, aproveitando a valiosa deixa:
tocando minha vidinha como se nada estivesse acontecendo, finalmente criei
coragem, tomei vergonha na cara e voltei para a academia. Foram meses de
ensaios, tentativas e frustrações, muitas dores, de vários tipos, mas deu tudo
certo. Ou melhor, está dando. Ainda não completei um mês.
E meu conselho do dia, com base em tudo
isso, é: invista em você. Mesmo que tudo se acabe, mesmo que a gente se lasque,
se dedique a você, o presente é todo seu. Só você pode se cuidar e se mimar, e
isso envolve cuidar do seu corpo e da sua cabeça, também. Nós somos pepinas
estressadas, cheias de emoção e sentimentos, precisamos muito de terapia, de
academia, de tudo que dê nem que seja um porcentinho de felicidade. Porque no
final é você com você, gata, e é muito importante que você chegue lá, onde quer
que seja, bem e com saúde – inclusive mental. Se cuida, tá? Eu venho tentando
fazer o mesmo.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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