crô.ni.ca

 

Dia desses vi um meme que falava algo como “o mundo está acabando e eu aqui, preenchendo planilha de Excel”. Fiquei tão reflexiva, porque é tão verdade – o fato de um meme conseguir representar com precisão cirúrgica um momento histórico da sociedade e também que o planeta está realmente colapsando e a gente aqui, fingindo normalidade. Quando a ficção aborda o fim do mundo é sempre tão mais divertido (e criativo!), ainda que todo mundo exploda junto no final... fico triste por também agir assim.

Além de alce, sou uma trabalhadora na vida real, alada desde 2016 (também conhecida como trabalhadora informal, CEO de MEI e profissional liberal, sem deixar de fora o termo biscate, que eu sou também). E meu drama do momento (um deles porque por aqui a vida se assemelha a um eterno fisting realmente sem fim em que o universo soca o braço inteiro dentro do meu cu) é que fechei um contrato de trabalho diferente do que vinha fazendo nos últimos anos e de um jeito meio atravessado parece que junto ganhei uma “chefe” de brinde no pacote. “Chefe”, assim, entre aspas porque ela não manda exatamente em mim. Eu acho. Não sei, sei que desacostumei a ter alguém no meu pé e parece muito sem sentido acontecer algo assim justamente agora, à beira do fim.

E essa situação me faz questionar e sou capaz de ficar horas de serviço refletindo o porquê disso ou daquilo. Até porque não ironicamente uma das coisas que faço em horário comercial é de fato preencher planilha. Muito bizarro.

Infelizmente (ou felizmente, vai! Vamos colocar uma pitadinha de otimismo nessa crônica e reforçar o tal do lado bom) sou daquelas que pensa, muito, o tempo todo, sem parar, sobre tudo o que eu possa imaginar e além, porque consigo até criar personagem e inventar história, e voar, inclusive ancorada no chão, sem sair do lugar. Mas ainda assim sou humana e aí no meio do caos me chega uma Fulana de repente se achando no direito de me ligar enquanto eu estou cá ocupada, sei lá, lidando com uma caixa de gordura entupida, com um chão de cozinha todo molhado, tudo fedido... sabe? O que pode ser mais urgente do que sobreviver, me diz? Olha tudo o que está acontecendo, pelo amor de Jah! O que é que tem na água que esse povo anda bebendo?, alguém precisa tomar a iniciativa e examinar. Que loucura! Que capitalismo filho da puta que não nos deixa nem cuidar das nossas coisinhas enquanto todo o resto desmorona, que saco!

Pode parecer que sou pessimista falando assim, incluindo essas coisas de fim, mas vamos concordar que tudo realmente em alguma hora acaba, a começar por nós. E que bom, já pensou viver eternamente presa por aqui?

Semana passada mesmo, meu vizinho morreu. Vizinho de porta, nunca mudou desde que eu me mudei, minha amiga e eu o chamávamos pela sigla da placa do carro que ele já nem tinha mais. Foi só assim que descobri o nome dele, ainda que eu esteja morando aqui há quase oito anos já: quando o porteiro revelou, depois que a minha amiga fofoqueira perguntou (semana passada a polícia ficou um tempo parada na rua, com a luz ligada, sabe como é). E desde então a viúva, que vira e mexe era vista sentada na escada de incêndio, fuma e fuma sem parar. Para ela, o mundo mudou, de um jeito ou de outro, e mesmo assim a vida não vai esperar até ela se ajeitar. Ninguém espera e isso é de uma rudeza sem fim. Me faz até acreditar que nós falimos, falhamos na tentativa de sermos humanos e é por isso que tudo vai acabar. A questão é saber quantas planilhas vou preencher até lá.

Olha, eu ando me sentindo bem cansada, mas preciso reforçar que continuo por aqui (afinal, não tem para onde ir). Comecei a escrever um livro novo, e escrever é curativo para mim. Em breve eu trago o primeiro capítulo (e o fim de Trevon, eu não esqueci).  


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.

Sempre que possível, denuncie: disque 100.


Clique aqui para acessar o menu completo com todas as histórias.

Ajude esta escritora independenteclique aqui e faça uma doação
Você não precisa se identificar, se não quiser! 💙


Postagens mais visitadas