Sobrevida

 

Que a vida não é um morango nós já sabemos, afinal muitas vezes nos falta cu para tomar diante de tantas situações absurdas e abjetas que somos obrigadas a enfrentar. Parece que, como já dizia Renato Russo, sempre que a gente está quase chegando, ainda falta dobrar mais uma esquina. Por isso que embora às vezes a gente projete o êxito de nossas batalhas diárias em pequenos objetivos, quando esses objetivos são alcançados nós dificilmente nos sentimos realmente satisfeitas e é difícil apontar o motivo para a ocorrência de tal fenômeno. Não por acaso, das tantas complexidades que permeiam a nossa existência, essa é uma das mais importantes e que mais ocupa espaço na minha mente.

Há casos em que nos consolamos diante de uma infelicidade considerando que ela poderia ser pior, ou pior: a gente às vezes se consola quando considera que tem alguém ainda mais na merda do que nós. Para tanto, nos valemos de um tipo de “princípio de retribuição invertida” em que, no final, a gente acaba se sentindo bem só porque tem alguém mais mal. Um absurdo!

Vou ilustrar.

Já faz uns dias que não consigo me sentir bem, parece que o peso do mundo triplicou em cima de mim, aí sair da cama é uma luta e me manter em pé, também. Percebo que por causa disso me agarro a tudo que possa de alguma forma impedir que eu afunde ainda mais, só que o problema é que até bosta boia. Então me manter na superfície dos dias não é necessariamente algo positivo. E percebi isso enquanto olhava o mundo debruçada na janela e um moço revirando o lixo na calçada lá embaixo me fez sentir um lixo de pessoa aqui em cima. A vida é injusta, para caralho, e eu reclamo dela sem ter que mexer nos dejetos e sujeiras dos outros debaixo de um sol escaldante. E me sentir bem pensando nisso me deixou tão mal...

Em dias mais cinzentos é difícil encontrar cor. Nessas horas tudo se recalca de um jeito estranho e é justamente quando me pergunto o porquê das coisas, o porquê de tudo. Me sinto sapateando e me arriscando enquanto danço na beirinha de um precipício faminto, ansioso por me engolir inteira – eu e minhas indagações. Em todas as vezes que me atiro, porém, nunca caio. Ao menos não de um jeito que encerre ou cale tudo aquilo que me atormenta.

Tenho certeza de que se por acaso no passado eu tivesse enfrentado A em vez de B, hoje a vida seria completamente diferente. Só que cheguei num ponto fundamental da minha jornada em que é preciso reconhecer que mesmo assim as coisas não seriam perfeitas, o mundo não seria mil maravilhas, a começar pelo meu próprio mundo, o meu País das Maravilhas interno, mental.

Partindo do princípio de que somos o resultado daquilo que vivemos, do lugar onde nascemos, muitas vezes até um pouco vítimas do meio familiar de onde viemos, “viver” é quase um sinônimo de “sobreviver”. Em função disso, gosto de acreditar que até aqui fiz o melhor que pude, ainda que nem de longe isso signifique que estou como gostaria de estar. Simplesmente porque o progresso também está em não recuar. A gente avança até quando para, se pararmos um pouco para pensar.

O que quero dizer com tudo isso é que dias ruins fazem parte da nossa história, assim como os dias bons e os dias que são mais ou menos, comuns, cotidianos. E a gente precisa aproveitar cada um deles da melhor maneira porque até o que é negativo pode piorar e não falo isso para ser pessimista; sou apenas realista. Tanto que hoje sou grata por cada uma das minhas pequenas conquistas do dia: acordei com saúde, não lavei roupa na mão, varri o chão de um apartamento alugado que é meu enquanto os boletos estão pagos e está tudo muito bom, mesmo que muita coisa não esteja como eu quero, ou como gostaria que estivesse. Se eu conseguir chegar até o fim do dia desse jeito vou me dar por satisfeita e se amanhã acordar melhor, melhor será.

Mesmo quando nos sentimos mal, a gente nunca pode perder de vista o fato de que a paz e a felicidade não são estados permanentes, imutáveis. E dá para encontrá-las nas pequenas coisas, nos mínimos atos e nos singelos gestos, mesmo diante de uma tempestade ou temporal emocional. É preciso buscá-las, principalmente quando as emoções e os sentimentos mais carregados viram uma espécie de torrente e a depressão nos afoga e nos leva embora na corrente.

Por fim, acho que é válido lembrar que o amanhã pode não chegar, então o dia para se consolar é sempre hoje. O dia de evoluir também, nem que seja reconhecendo que está tudo bem, mesmo quando não está.

Então, vai. E se puder, invente cores para preencher os vazios da sua paleta de dores. 


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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