Barulho

 

Já faz uns dias que tem uma reforma rolando aqui no prédio. Embora seja muito chato e extremamente incômodo, ao ponto de me levar algumas vezes até o precipício da loucura, infelizmente não é nem de longe algo inédito; não há nada de extraordinário nesse tipo de transtorno, simplesmente porque cada dia temos uma novidade diferente aqui no condomínio. Muitas delas envolvem reformas, que englobam martelos, que por sua vez produzem barulhos altos, desagradáveis e repetitivos que duram absolutamente a porra do dia todo.

Quando chega fim de semana tem sempre um corno querendo martelar alguma coisa, numa fissura em meter prego até nos momentos de descanso. Nem aos feriados sou capaz de experimentar algum tipo de sossego porque inventei de morar num lugar com 15 andares, então a minha rotina, de home office, é praticamente uma eterna segunda-feira, emendada a outras segundas, sem fim. É barulho que nunca acaba. Se não é no prédio, é no vizinho. Às vezes, é lá e cá ao mesmo tempo, e não adianta gritar porque o som não para. Eu já testei mais de uma vez.

Nessas horas tento fazer de tudo para não deixar isso me afetar. Juro! Faço de conta que não estou escutando, finjo que nem é aqui, me imagino até sendo alguém surda, só para de alguma forma ficar grata em ouvir (barulho de obra, que seja). Mas chega um ponto que começa a dar uma raiva, uma irritação... que eu me pergunto: como faz para evoluir quando meu desejo sincero é o da mais pura vingança? Sim, porque acordo muito cedo, posso perfeitamente começar a transtornar os outros também, sei lá, dando um gritão na janela, todo dia de manhã (que nem o Monark, que agora grita na minha cabeça quando tenho crises de ansiedade: ACORDA!). Pode ser mais efetivo que simplesmente cacarejar (como faz a minha vizinha, sempre que fica entediada).

Hoje acordei decidida a não deixar isso me enlouquecer. Porque se eu der bobeira, qualquer besteira me derruba e me leva a nocaute, então preciso me proteger, principalmente diante das dificuldades. Minha solução foi cuidar de pendências que havia aqui em casa que, com o tempo, me fizeram aceitar com bastante tranquilidade inúmeros fatos e situações que estão, na verdade, bem distantes do normal, por exemplo, não ter mais luz no teto banheiro (desde que a lâmpada queimou, há pouco mais de um mês). Não sei você, mas eu sou a mulher do jeitinho. Faço gambiarra quando alguma coisa para de funcionar, até que num belo dia acordo tomada por um surto que me faz consertar tudo de uma só vez.

Aí, por causa disso, fui bem cedo na loja de material para construção. É prático porque fica aqui perto, mas vou te dizer que lá está entre os lugares que menos gosto de ir, embora seja cheio de coisa interessante para comprar (dá vontade de trazer até o que eu nem preciso ou o que nem sei como faz para funcionar). O problema é que o ambiente masculino acho que contamina a cabeça dos funcionários e isso faz com que eu me sinta sempre um pouco intimidada, mesmo que eu nem esteja procurando nada demais, seja uma lâmpada ou uma tomada. Hoje, coloquei na minha cestinha até um interruptor.

Na minha resolução de me manter sã diante de tudo aquilo que me testa, consertei minha luminária, que dia desses explodiu (fio quando dá mau contato, menina, faz até barulho!). Vi no YouTube como emendava um (a tomada), como instalava o outro (o interruptor) e, voilà. Essa crônica foi escrita ao som da obra, mas à luz de algo consertado por mim. Em dois remendos e sem mau contato, para eu não voar de novo.

O ensejo resolutivo me animou a pedir a escada do porteiro emprestada e troquei finalmente a lâmpada do banheiro. Na saída, coloquei óleo na porta, que voltou a ranger. Empolgada, fui até o Poupatempo, buscar meu RG, que há duas semanas me aguardava (tudo para ficar longe de casa). Na volta, meu carro quebrou. Voltei frustrada, irritada e suada, e o barulho continuava. Acho que daqui a pouco tudo desaba, porque não há o que resista a tanta marretada! Sim, querida leitora, sinto que daqui a pouco vou cair.

Mais.

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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