A bolha

 

No meu último aniversário, no ano passado, tomei uma decisão drástica, porém consciente e necessária, ainda que radical: excluí minha conta no Facebook. O motivo derradeiro, a tal da “gota d’água” foi exatamente esse: fazer aniversário. Fiquei com preguiça de responder as mensagens clichês de pessoas completamente aleatórias, que figuraram momentos distintos da minha vida e que até hoje se reuniam lá meramente por motivos de redes sociais.

É fato que o Facebook servia como uma espécie de janela para o contato com essa galera, como também é verdade que nem por isso havia uma comunicação entre mim e eles. Ao contrário, minha página era como uma verdadeira ode ao passado, uma reverência a um tempo que não me cabe mais e nas minhas paranoias havia quem visitasse minha galeria de fotos só para contemplar e constatar isso. Sim, porque o destino fez com que meus dias dessem um giro incompleto e estou assim até hoje, vivendo de ponta-cabeça.

Por causa disso, deletar minha conta não foi exatamente nenhum passo a mais em direção ao ostracismo porque a única coisa que realmente mudou foi o fato de que eu perdi minha “televisãozinha” de domingo. Já tem um tempo que aprecio gastar meus finais de semana assistindo vídeo aleatório escolhido a dedo e ao gosto de um algoritmo, e o do Facebook decidiu que eu apreciava temas que, sinceramente, a depender da minha vontade e um honesto critério de seleção eu jamais optaria, por exemplo, acidentes de trânsito e MMA. Passava horas vendo esse tipo de vídeo, uhum.

De alguma forma, eu também consegui impor meus gostos e aí o Facebook mesclava esses assuntos com outros que de fato me interessam, como política e economia. Era uma miscelânea que depois de alguns meses ficou no ponto. Meus vídeos eram no esquema, um equilíbrio impecável, capaz de chocar os mais desavisados. Perfeito até eu decidir apagar minha conta.

Não vou dizer que foi por impulso porque não foi. Além da opção de vídeo eu de verdade não usufruía mais nada de lá, então na balança os contras pesavam muito mais do que os prós. Mas no primeiro fim de semana já foi perceptível o que a minha decisão acarretou de verdade, quando me vi entregue ao tédio e marasmo, sem meus videozinhos para me entreter.

No segundo fim de semana o arrependimento bateu mais forte e, no terceiro, decidi me reinscrever. Criei uma conta com dois dos meus três sobrenomes e me lancei em mata virgem, de peito aberto. E já nos primeiros minutos notei a manipulação descaradamente à direita que na base do recalque cria as bolhas bolsonaristas nas redes sociais. Aquele conceito de “vi no zap” se expande assustadoramente nesses vales carregados de ódio e rancor, propagados por múmias saudosas dos tempos sombrios da ditadura militar no Brasil. Fiquei impressionada com a quantidade de material entregue com esse teor. E vídeos dos mais abjetos que você possa imaginar, envolvendo cenas que parecem tiradas de um passado de horror. Aquele, do “olho por olho, dente por dente”, sabe? Bizarro! Se por acaso isso fosse uma ficção, para dizer o mínimo eu diria que tudo é de extremo mal gosto, com um contexto cafona e personagens ridiculamente caricatos – impossível alguém gostar.

Por tudo isso, antes de começar a escrever essa crônica, decidi excluir minha nova conta. Confesso que tenho vergonha de viver num planeta onde as pessoas ainda são tão selvagens e me sinto péssima por pensar assim porque nem de longe eu sou mais evoluída. Aí fico triste duas vezes, é curioso. A lei da atração funciona também para mim, então se aqui estou, é porque indiscutivelmente tenho afinidade e me sintonizo com tudo o que há ao meu redor, e isso logicamente envolve as coisas e as pessoas ruins. Reflexões que um Facebook é capaz de despertar, enfim...

Mesmo assim, acredito que não sou obrigada a absolutamente nada, e tenho todo o direito de fechar os olhos para tudo aquilo que não desejo ver. Como já faz um tempo que priorizo minha saúde mental e meu bem-estar geral, migrei para o YouTube e me inscrevi nos canais de esquerda que conheci lá na rede social. Dessa forma, voltei a ter controle sobre a programação que preenche o vazio e o silêncio das minhas horas de descanso e lazer, e me sinto novamente livre, mais ou menos como fiquei quando aboli a televisão da minha sintonia diária, alguns anos atrás.

A podridão vai continuar a existir, sabemos, mas isso não significa que eu preciso estar com os dois pés socados num chorume gerado por um povo que adora chafurdar. É bem aquele papo de “o que os olhos não veem, o coração não sente”, sabe? Cansei. Vou me poupar de certos dramas e de um conjunto específico de emoções. Se me irrita, afasto. Se me incomoda, desligo. E se me der vontade, eu simplesmente apago, excluo, deleto, crio uma parede imaginária só para poder me isolar.

E para fechar esse assunto, uma mensagem nada subliminar: ei, Zuckerberg, vai tomar no c*!



Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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