Sobre escritas e animais de estimação


Eu sinceramente não sei como as pessoas que escrevem fazem para escrever. Quer dizer, sei a forma como os filmes de Hollywood retrata, aquela galera sempre com ares de iluminada, que dedilha em teclados roteiros inteiros numa única sentada, ou então é o oposto, e quem encena é um pessoal desesperado, quando a trama eventualmente envolve um prazo que o personagem está sempre prestes a estourar. Mas assim, na vida real, o exemplo que eu tenho é o meu e honestamente não sei como é que consigo produzir uma linha que seja (que dirá várias delas)! Te confesso que embora seja muito prazerosa, esta é uma tarefa que vem se tornando mais e mais desafiadora a cada dia e a responsável direta por isso se chama Nani. A minha cã. Uma vira-lata com pouco mais de 12 anos de idade.

Como moramos só eu e ela, não por acaso a Nani já foi mencionada em crônicas anteriores, porque não tem jeito: se existe uma fonte de inspiração mais abundante do que a própria vida e o cotidiano socado no dia a dia, eu desconheço. Mas ainda assim, embora já a tenha citado anteriormente, esta é a primeira vez que descreverei em pormenores as dificuldades e os empecilhos que a minha querida e antiga e cheia de manias colega de quarto impõe, principalmente quando me ponho a escrever.

Ou melhor, corrigindo: a Nani demanda muito de mim o tempo inteiro, mas é que quando estou escrevendo isso me tensiona mais. Porque, veja, eu não me oponho a parar toda e qualquer atividade para atender aos caprichos e desejos de Sua Realeza, a Majestade Canina, mas interromper um fluxo criativo é foda. Porque diferentemente dos demais labores, escrever não é sinônimo de reservar uns minutos do dia, sentar em frente ao computador e pronto. Não, pudera fosse simples assim. Para você ter uma ideia, já aconteceu muito de eu separar um dia inteiro para escrever e no fim não sair nem um ponto. Tem dia que não sai nem uma mísera de uma puta vírgula. Porque para escrever a gente tem que estar no esquema, o nosso relógio biológico precisa estar sincronizado com as horas que a Santa Inspiração baixa na Terra e acontece (muito!) de haver desencontros nesse meio de caminho.

Já tem um tempo que eu não reclamo mais disso em voz alta porque ainda que seja bastante frustrante (afinal, não existe nada pior do que querer saber o desenrolar de uma cena e a pessoa que cria simplesmente não criar), já aprendi que as pausas também são importantes. Afastar os olhos do texto por um instante, que pode ser um dia, um mês ou até mais (ou menos, porque regra não há!) ajuda a descobrir coisas novas.

No meu caso, que quase integralmente me sinto apenas a moça que digita histórias, é como se muitos dos detalhes (até os mais fundamentais e os estruturais) fossem cochichados só nesses momentos que não estou escrevendo. Isso permite que eu escreva o tempo todo, mesmo quando não estou digitando. Então consigo escrever quando saio para correr, por exemplo. Escrevo antes de dormir e escrevo enquanto tomo banho. Escrevo até naqueles dias que separo o dia todo só para escrever. Quer dizer, isso quando a Nani deixa, é claro.

A Nani agora tá com a dieta em dia, parece até que passou em consulta com nutricionista porque a cada três horas ela me pede para comer. A depender do apetite (ou do clima ou da cotação do dólar... ainda não sei o que a influencia mais diretamente), ela pede ração a cada duas horas, certinhas, cravadas no relógio. Como não sabe falar, a Nani chora. Senta do meu lado e chora como se estivesse passando fome, como se fosse uma faminta que não come há dias, coitada. Só que não porque a Nani é obesa! O saco de ração que mostra a quantidade que cada animal pode comer por dia nem tem mais o peso dela porque há tempos a Nani está gorda. Por quê? Porque ela senta toda hora do meu lado e chora como se estivesse com fome! Quem é que consegue se concentrar assim? Eu não consigo. Me sinto forçada a dar comida para a monstra, e dou.

Aí você pode dizer “ai, mas o que custa alimentar a bichinha?” e eu te respondo: porra, custa muito e nem estou me referindo ao preço da ração premium-light-para-cães-idosos-com-sobrepeso, que além de tudo ainda precisa ter o formato específico, porque senão a bonita não come! Ou come, mas só depois que eu corto grão por grão... Inclusive foi assim que ela engordou: depois que comprei sem querer uma ração com o formato errado. Como ficou sem comer, em protesto, tive que quebrar 12kg de grão de ração para ela poder voltar a se alimentar. Só que no final do saco, mesmo triturando tudo ela não comia mais. Aí, no desespero de uma mãe de pet, trouxe para casa aquelas carninhas pastosas para poder misturar dentro do pote. Hoje a Nani não come se não tiver isso junto.

Pior: hoje a Nani só come se antes eu der na boquinha pelo menos duas ou três dessas carninhas. Se eu não dou, mesmo depois de ela me atazanar, e me fazer levantar, e servir comida para ela, a bicha simplesmente senta e faz cara de paisagem, foda-se.

Demorei um dia inteiro para descobrir qual era a nova mania do momento e estou até hoje fazendo aviãozinho toda vez que a Nani come.

O problema maior disso tudo é que eu sou escritora. Lembra?, aquela que nem sempre consegue escrever porque tem que marcar horário com quem cria as histórias? Pois é. Às vezes, uma levantada de dois segundos que seja, para alimentar a cã, já é suficiente para interromper uma linha de raciocínio que nem sempre é encontrada depois, ou que nem sempre acontece de forma rápida. E isso é infinitamente mais frustrante do que simplesmente não ter a inspiração certa para poder criar.  

Nessa última semana mesmo, estava eu aqui toda enrolada, às voltas com o futuro. Estou prestes a encerrar meu livro futurista e na empolgação das emoções finais fiquei vários dias inteiros fazendo só isso. Parava de escrever só para eventualmente comer, dormir e correr. E para dar comida para a Nani, óbvio, que por sinal foi a atividade que eu mais desempenhei durante período.

Imagina: eu lá envolvida com uma fuga alucinante, uma policial infiltrada levando enquadro de um bando de marginais rebeldes... e toda hora tendo que parar para dar comida para o boi. Me senti vivendo o tal corre do close e numa dessas levantadas me perguntei como é que as pessoas que escrevem fazem para escrever porque, para mim, devo dizer que é algo bem desafiador. Sorte que envolve um ser de amor porque senão... meu tom aqui com certeza seria outro.

Isso tudo me fez refletir que quando a gente lê uma história dificilmente pensa nas dificuldades que a pessoa que escreveu precisou enfrentar para poder inventar tudo aquilo. Por isso decidi falar a respeito. Achei importante compartilhar.

Se por acaso algum dia você se interessar e ler Trevon, saiba que nas entrelinhas do ano fictício de 8505 a banda que toca é o choro “de fome” da Nani. Bem-vinda ao futuro e ao universo de palavras de caribu!

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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