Epifania crônica
Nesse último fim de semana que passou eu passei bem mal.
Digo, passei muito mal de mal, fiquei ruim mesmo. Não tenho na minha memória a
mais remota lembrança de em algum dia ter ficado tão zoada – e olha que sou
daquelas que se acostumou a viver com mal-estar, desde a infância (afinal, faz
menos de um ano que comecei a tomar remédio para um problema que se iniciou lá na
década de 90). No sábado tive uma crise de pangastrite que me arriou na cama por
quase dois dias inteiros, terrível. Tive até febre e usei cada gota do que me
restou de força para relutar em pedir socorro. “Vou em médico por causa de dor no
estômago?”, eu me perguntava, um pouco delirante. Não por causa da febre, mas
certamente por conta da dor.
Agora que passou, estou só com uns 10% de incômodo,
seria muito bonito romancear e dizer que aproveitei cada minuto deitada para refletir
sobre a vida, confabular sobre o que fazemos, onde estamos e para onde vamos.
Mas a verdade é que só rolei de um lado para o outro, dando voltas em cima do meu
colchão, abraçada numa bolsa de água quente, que nem aquelas de vovó, me
lamentando por tudo o que tinha ingerido algumas horas antes (água com gás e
sorvete, basicamente). Porém, é fato que houve também momentos de análises bastante
profundas, enquanto eu encarava solenemente o teto do quarto. É impressionante
como cada situação direciona os pensamentos como se fossem um rio, correndo a
caminho para o mar. Cada pedra, cada percalço, cada passada mal nos levam para uma
direção ou outra. No meu caso, não consegui ir muito longe porque realmente
estava bem difícil de encontrar foco, mas até onde fui deu para trazer algumas
coisas de lá, que agora compartilho.
Infelizmente percebo uma tendência dentro da minha
cabeça em sempre esperar o pior das coisas. Entendo que os traumas e cada um
dos meus machucados emocionais ajudem a moldar esse formato torto de pensamento
viciado, assim como compreendo que é algo que acaba acontecendo meio que no
automático. Não é sempre que a gente presta atenção no que pensa, né? No meu
caso, ocorre muito raramente, embora eu pense bastante, o tempo todo. E o
problema em sempre esperar o pior é que isso me faz viver numa eterna ansiedade.
Sim, porque enquanto nada de ruim acontece, vivo em estado de alerta, que só se
desativa quando alguma bomba explode. E aí quando isso acontece, em algum ponto
parece que eu até fico feliz, não pelo desastre, qualquer que seja, mas porque
aquilo finalmente me permite sair da defensiva. Um paradoxo, eu tô
ligada.
A grande questão é que, ok, merdas acontecem, mas não
acontecem o tempo todo. E nem todo problema é uma grande questão, tem coisa que
a gente resolve em dois pá. Então, no fundo, tudo sempre está bem, até
quando parece que não está, pelo simples fato de que a gente dá um jeito,
contorna, conserta, resolve, faz terapia, toma remédio, enche a cara, é promíscua,
enfim (cada uma com os seus pulo). Mas isso só é possível a partir do
momento que o seu corpo e a sua mente conseguem trabalhar, é claro. Porque um
corpo doente tem potencial de dano contra a mente quase na mesma proporção que
uma mente doente pode prejudicar um corpo saudável, entende? Em outras
palavras, não é fácil consertar o cérebro se todo o resto não funciona; assim
como é mais fácil consertar o corpo quando
a nossa cabeça está boa. O desafio é encontrar o equilíbrio.
Uma simples dor de dente nos tira do eixo. Uma
diarreia entorta o prumo. Uma crise de enxaqueca é capaz de desviar uma rota
inteira. Uma gastrite generalizada, então... ixi, isso aí transforma o que
poderia ser um final de semana super produtivo em dias de um verdadeiro show de
horror. Do mesmo modo, uma depressão nos faz mudar até os sonhos. Uma ansiedade
colore os dias em tons horrorosos. A culpa nos obriga a rastejar montanhas e
montanhas de mágoa e por aí vai.
Penso que a vida não seja nada muito além de sairmos
de um ponto A em direção a um ponto B, vestidas de nós mesmas, calçadas com
nossas experiências. Somos o principal obstáculo dessa jornada e também as
principais responsáveis por atrasar o rolê. E quando tudo está bem, ou seja,
quando a gente está sem dor, respirando sem aparelhos, livres de hospitais e
medicamentos com efeitos colaterais muitas vezes devastadores, temos a
obrigação e a responsabilidade de aproveitar! É preciso de uma vez por todas calar
essa voz que insiste em gritar que tudo vai desandar, que nada vai desaguar... bora
mudar de sintonia. Chega de não aproveitar os momentos de calmaria, tão importantes quando as tempestades chegam.
E basta de achar que o sol não volta a raiar, mesmo depois de dias tão cinzentos.
Ele volta, a luz sempre vence, o amor é foda, é uma energia poderosa, a gente tem
que acreditar nisso.
Essa não é a primeira crônica de 2024, mas sem dúvida
nenhuma é resultado da primeira grande epifania do ano e desejo que me sirva
como combustível de boa qualidade para eu poder chegar mais longe, ao menos até
dezembro. Meu desejo sincero é que eu tenha a maturidade de seguir à minha
dieta necessária e o discernimento de me alimentar com os melhores dos meus
pensamentos. Te desejo o mesmo e também muita, muita saúde! Aproveite cada ausência
de dor, sempre, e seja grata pela liberdade que a falta de qualquer mal proporciona!
Vamos praticar a gratidão e semeá-la em cada canto do nosso campo mental. Mantenha
os pés no chão e o olhar focado no alto! Vamos? É permitido voar!
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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