Fim de um ano


Eu não confio na minha memória. Não confio, minha cabeça é péssima, tem a forte tendência a rodar em looping pensamentos indignos que não quero pensar, ao mesmo tempo que me faz esquecer de detalhes básicos a importantes, provavelmente porque ocupa espaço guardando informações que eu mesma nem faço questão de lembrar (tipo a fórmula de Bhaskara ou a música Abecedário da Xuxa, entre outros milhares de exemplos). Aí por causa disso recorro a ferramentas que me auxiliam no dia a dia, como post-its, agendas, planilhas, controles e tudo mais que você possa imaginar (até crônicas ajudam!). Anoto desde a ordem dos trabalhos à rega das plantas; de nomes de personagens à ordem de postagens.

Para ajudar, crio hábitos e rituais que me esforço para seguir à risca, porque fugir disso sempre me deixa um pouco perdida. Por isso, tenho dia certo para lavar roupa, dia certo para trocar os lençóis da cama, dia certo para fazer faxina... E tudo segue uma ordem pré-estabelecida, senão corro o risco de ficar incompleto, pela metade. Para você ter uma ideia, dia desses mudei algumas ordens e depois encontrei roupa teoricamente limpa, esquecida dentro da máquina há vários dias. Precisei lavar tudo de novo, por causa do mal cheiro, e tive que ficar ali do lado, de olho, para não cair na tentação de repetir todo o processo, de novo.  

Por tudo isso, gosto muito de rotinas. Me dou bem com a disciplina de apenas cumprir o que uma versão minha do passado traçou como ideal, e que dá certo porque eu e minhas personalidades somos como um time. Quer dizer, dá certo quase o tempo todo, porque chegam épocas como agora que simplesmente desandam os meus dias, mas de um jeito gostoso.

Por exemplo, hoje, no meu último dia útil de 2023, fiz o que toda mulher sensata, em sã consciência, dona da porra toda, faria: me permiti acordar bem tranquila, sem despertador, fiquei um tempo enrolando na cama, tomei um café demorado e varri a casa enquanto batia uma máquina de roupa. Depois aproveitei a tranquilidade e serenidade de um começo ameno de manhã ensolarada e reguei os 348 vasos de planta que tenho espalhados pelo apartamento, até finalmente vir sentar na frente do computador para começar a trabalhar. Casa limpa, cheiro gostoso de incenso e terra molhada, e antes mesmo das 7h eu já estava ensopada de suor.

O fim de mundo neste fim de ano me obrigou a observar poros no meu corpinho que, até então, jamais haviam suado. Agora eu suo no antebraço, na canela e, mesmo sem fazer nenhum esforço, sinto o suor escorrer pelos dois lados da barriga. Brota que nem vejo de onde, às vezes acompanhado de um mal-estar que já pode ser chamado de “típico”, pelo fato de também ser um pouco inédito, desde que começou essa onda mais forte de calor.

Em vários momentos ao longo destes meus 41 anos tive a oportunidade de experimentar a fragilidade da vida, ver bem de perto como tudo muda de uma hora para outra; do dia para a noite acontece de termos que redefinir planos, rotas e até mesmo sonhos e objetivos. As prioridades mudam quando a vida muda e talvez isso até defina um pouco o conceito do que é envelhecer. Muita coisa se torna desimportante quando a tal da água bate na tal da bunda. E encarar o momento mais tenso do aquecimento global como um fim é importante para estabelecer, dia após dia, o que realmente vale a pena e quais pesos podem ser deixados no caminho, aparentemente tão curto, para facilitar essa jornada, notavelmente tão intensa.

Como essa é uma época propícia para reflexões, me permiti navegar nas águas calmas de um dia útil, de uma sexta-feira preguiçosa de dezembro, para analisar de onde vim e onde cheguei, neste tumultuado período que vivemos, empapadas de um calor que não parece ser deste mundo. E acho importante falar sobre isso até como uma forma de que essa crônica sirva depois como uma espécie de “backup”, me lembrando que toda caminhada é feita de vários passos e em 2023 eu tropecei horrores.

Corri bastante, também. Caí três vezes, ganhei 22 medalhas em 17 corridas e participei da minha primeira meia-maratona oficial (fiz 21km em 2h18). E quase o mesmo tanto de quilômetros rodados (1500km até aqui) equivale ao número de vezes que eu briguei esse ano. Não “briga”, exatamente, mas desentendimentos que me fizeram mudar o caminho para me isolar de muita gente. Com uns 10% acabou que me redimi porque, sabe como é, família é foda, não dá para ficar tretada muito tempo... Mas com o resto, minha filha, quero é nem saber de contato.

Porque uma coisa que a vida me ensinou, e bem, foi que as relações têm que ser fluidas, agradáveis. Não é preciso insistir para ter ou ser a companhia de alguém, e é nos pequenos gestos que muitas palavras são ditas, algumas são até berradas. As atitudes, ou a ausência delas, dizem muito. Ao menos eu consigo ler boa parte e se não me satisfaço com essa leitura, dou área, vazo, vou-me embora. Fugir sempre foi uma tendência e agora é literalmente moda no meu momento primavera-verão 2023.

E para que 2024 seja um ano minimamente equilibrado, venho tomando o cuidado de esvaziar bem todas as sujidades do agora, que definitivamente não vão estar na minha mochila enquanto corro para as montanhas quando o mundo terminar de acabar. Não vou levar para a próxima etapa nada que atrase meu ritmo, nada que atrapalhe meu pace.

Desejo a você, que me lê, que me escuta, a serenidade de se preparar para esse próximo ciclo. Espero que consiga deixar aqui todos os pesos que te afligem, as mágoas que te atormentam e os medos que impedem que você veja beleza, mesmo diante do caos. Encare os dias como se fossem os últimos, aproveite-os e faça o bem, principalmente a você mesma.

Crie rotinas que te auxiliem a manter o prumo, a se manter na rota e a conquistar tudo aquilo que você almeja. Te desejo com o meu coração de alce um maravilhoso fim de ano, um feliz 2024, e que você possa ter momentos sinceramente felizes, ao ponto de te fazerem dormir bem, todas as noites, assim que encostar a cabeça no seu travesseiro.

Em breve eu volto! 


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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