Feliz Natal (conto erótico)

 

Bruna sempre gostou de Natal. Desde pequena se dizia apaixonada pelo clima de festa que se instaura no fim dos anos, da bondade que naturalmente dá a impressão de brotar do coração das pessoas. De repente, o mundo parece que se torna mais amável, todos ficam mais gentis, sem falar nas comidas típicas, incluindo as deliciosas sobremesas especiais, suas preferidas. Além de tudo, ano após ano Bruna apreciava ainda poder se admirar com a sincera expectativa de renovação que o mês de dezembro suscita, precedida pelos festejos que se iniciam muito antes das festas, propriamente ditas.

Com tudo isso, porém, o principal mesmo, o verdadeiro destaque nesta época era a decoração de Natal, que toma as ruas das cidades, enfeita os bairros e as casas pela vizinhança, com direito a luzes que clarificam noites que têm sons de verão. Bruna achava lindo ver aquela cintilação em vários tons e cores e fofuras de todos os tipos que combinavam com a neve artificial, feita de isopor, mesmo aqui fazendo um baita de um calor – pior a cada virada de calendário.

Em sua programação, o Natal começava ainda em novembro, quando tirava do fundo do armário a caixa com a árvore colorida de plástico, cuidadosamente embrulhada no começo do ano, junto de enfeites de diferentes tamanhos, enfiados dentro de sacos, e luzinhas que sempre precisavam ser repostas, como se fossem descartáveis.

A mulher que desembrulhava tudo aquilo era sempre diferente de quem tinha organizado cada item meses antes e este era sempre um momento oportuno para suas reflexões de final de ano. Mentalmente, Bruna listava as resoluções para o próximo ciclo, analisava aquilo que havia se proposto a fazer e não havia conseguido, e se parabenizava por aquelas que tinha obtido êxito. Quando via, a árvore já estava montada, com seus pisca-piscas desenrolados dos fios e enrolados nos galhos de arame mais duro, que suportavam também o peso de bolas natalinas que não combinavam nada entre si, pois o objetivo era justamente esse.

Se dependesse dela, o ano inteiro a árvore ficaria ali montada no canto da sala, a varanda do apartamento permaneceria enfeitada, com a grade iluminada, e a guirlanda natalina jamais deixaria seu posto na porta; muito menos o Papai Noel movido a pilha, que dançava de um jeito desengonçado enquanto tocava Jingle bells desafinado no saxofone e disputava a atenção de qualquer que fosse a programação na televisão pelo simples fato de ficar propositalmente posicionado na frente da tela.

Nesta época, nada era mais importante que o Natal e Noel era obviamente o rei do camarote, embora as renas também ocupassem papel de bastante destaque e relevância, sendo espalhadas por toda a casa. Algumas acabavam esquecidas e eram encontradas tempos depois, fazendo Bruna acreditar que isso podia ser algum sinal – no caso, vindo do Polo Norte, ainda que ela soubesse que a questão vinha mais do sul, diretamente do centro de seu esquecimento.

Quando saía, e esta era uma época propícia para “bater perna”, fosse para comprar presentes para a família ou amigos, fosse para admirar as decorações nos shoppings centers, mesmo que não pretendesse ou planejasse, Bruna sempre se via rendida e tentada a renovar a sua própria decoração, e por isso se autopresenteava sem comedimento e sem nenhum pudor com bibelôs, pelúcias e até toalhas e panos de prato e demais utensílios de cozinha (e de cama, e de banho) com estampas natalinas, embora sua coleção já fosse um tanto vasta e ela utilizasse tudo isso um mês, apenas, durante todo o ano.

Já fazia um tempo que Bruna havia se convencido de que cabia a ela, e apenas a ela, se afagar com mimos que, até então, esperava que os outros lhe dessem. Isso valia desde as coisas materiais aos afetos, que ela se enchia aos montes, depois que percebeu que nosso relacionamento com a gente mesma também é passível de ser tóxico e conturbado. Se queria paz externamente, lutava pela paz interna, diariamente. E no Natal se recompensava por ter sido uma boa garota.

O problema é que, diferentemente dos filmes de Natal, em que a mágica acontece em cada esquina e as personagens são sempre de alguma forma beneficiadas e agraciadas, seja com um belo presente, seja com um lindo caso de amor (muitas vezes numa combinação entre os dois, seus enredos favoritos), na vida real acontecia que Bruna só se endividava. Sim, porque com seu 13º salário ela quitava as dívidas contraídas ao longo do ano e aí se endividava de outras formas antes de dezembro acabar. Ano novo, vida nova – só que não.

Então, para resolver essa questão, que rapidamente virou um enorme problema, porque conforme a gente amadurece, nossos gostos também se aprumam e se aprimoram, sua primeira tática foi arranjar trabalhos extras no primeiro semestre, com o objetivo de angariar fundos destinados exclusivamente para este fim. No caso, o fim do ano. Porém, a proposta logo se mostrou inválida e teve de ser declinada porque ela se cansou em dobro, com a dupla jornada, e porque Bruna era uma mulher de caprichos, adorava se paparicar. Com mais dinheiro no bolso, rapidinho encontrou novos motivos para se mimar, ora com Ifood, no lugar da refeição, ora com bugigangas aleatórias da Shopee, ora com livros de gêneros variados (a maioria de ficção), que sempre encontrava na internet em promoção.

Bruna sentia sincero prazer em se presentear até quando não era seu aniversário e, quando era, se presenteava ainda mais (é claro!). Os anúncios do Instagram serviam como armadilhas que ela caía como presa fácil, adquirindo produtos que, no fundo, sabia que nem precisava. Sua sorte é que depois dificilmente se culpava, pois Bruna não era mulher de arrependimentos. Especialmente por cometer atos que tinham como objetivo afagar seu bem-estar.

Nos seus sonhos, um dia seria rica, muito rica, ao ponto de poder se deliciar com embrulhos e presentes sem se preocupar com detalhes como dinheiro. Algo que, infelizmente, ainda estava bem distante de acontecer.

Parece que não, mas de pouquinho em pouquinho o dinheiro escoa todinho pelo ralo bancário; quando você vai ver, encontra só o rastro no extrato depois. Por sorte, Bruna se considerava uma mulher até que responsável, sabia o peso de um boleto vencido e o suor necessário para manter as contas em dia. Mas sabia também que a vida não é só trabalhar.

Isso a levou à rápida conclusão de que era preciso, portanto, arranjar algum serviço extra especificamente na época de maior dispêndio financeiro, talvez procurasse por algo dentro de algum shopping, que sempre abre vagas extras nesse período do ano, marcado por dias de compras mais intensas. Havia todo um mercado dedicado exclusivamente para este nicho, inclusive trabalhista, e pensar nisso rapidamente fez parecer lógica a ideia de se candidatar para ser ajudante de Papai Noel, que não atuava em sistema de comissão, como nas lojas, mas que poderia ser lucrativo de outras formas, mais ligadas ao espírito do evento. Seria uma oportunidade diferente de vivenciar o Natal, ganhando dinheiro enquanto todos se divertiam. Até ela!

Em seu primeiro ano, que foi no ano passado, ela foi de feliz, pegou o trenó voando, quer dizer, o bonde andando e passou longe, muito longe de sentar na janelinha. Completamente desavisada, Bruna não assuntou antes de ir, não se inteirou da hierarquia existente na escala natalina ao de se candidatar a uma vaga naquela carreta furacão temática e, por causa disso, acabou ficando com o posto de duende.

O Papai Noel ocupava o topo da cadeia, é claro, o rei da selva, seguido da Mamãe Noel, que por algum motivo tinha a jornada reduzida em 50%. Depois vinha o grupo das Noeletes, entre dez a 15, logo em seguida os duendes e, por fim, as renas. Estas últimas eram representadas por qualquer tipo de pessoa que acabava sendo contratada, mesmo aquelas sem experiência ou formação.

Não que Bruna tivesse algum preconceito contra os duendes, muito pelo contrário, até fez amigos que são, mas em sua opinião ser Noelete fazia muito mais sentido, dada a sua formação, em Pedagogia. Afinal, é preciso tato e traquejo para lidar com crianças que adoram o tempo todo lembrar que a vida não é um morango, que nem tudo é uma festa e que choram desesperadamente diante do bom velhinho, mesmo que ele esteja impecavelmente trajado com sua tradicional e elegante vestimenta vermelha de veludo, impregnada com o delicioso aroma de sonhos que ainda não foram destruídos – mas que serão, justamente por aquela mesma figura bondosa, responsável por uma das primeiras decepções na vida dos miniadultos, que ainda na infância descobrem que aquilo tudo que o Papai Noel representa nada mais é do que uma grande farsa.

O fato é que os duendes com quem trabalhou apresentavam comportamentos transviados, avoados, eram todos maconheiros – de novo, nada contra quem fuma! Mas isso obviamente destoava um pouco de sua situação, considerando que era careta e não gostava nem mesmo de chá (que era a maneira como os duendes se referiam à erva). Nos intervalos do serviço, saíam em bando para o que chamavam de “momento de recreação” e voltavam todos com os olhos baixos, arriados, rindo à toa, meio moles, numa malemolência que contrastava com suas animadas e coloridas fantasias.

Bruna era perfeitamente capaz de ver a magia do Natal, reluzente nas bolas e nos enfeites enormes que ornavam numa paleta incrível de cores, mas parecia que os duendes conseguiam ver além de tudo isso. Pior: não apenas viam como também riam até de coisas que nem existiam, ou que sequer eram próximas do engraçado. E se portavam muitas vezes pior que as próprias crianças, tramando e traçando planos para comer todas as balas do Papai Noel, despreocupados com seu mau comportamento e notável péssimo exemplo.

Por causa disso, antes mesmo de terminar essa primeira experiência, que teve lá também os seus bônus (não foram apenas ônus!), Bruna já sabia como queria que fosse a próxima oportunidade. Entendia que os duendes faziam parte do trabalho, mas esse detalhe não era motivo para que ela necessariamente fizesse parte desta comunidade específica.

Por isso, ainda no Natal do ano passado mirou no cargo de Mamãe Noel para o próximo ano. Nem era pelo glamour da personagem! A decisão foi tomada apenas devido ao simples fato de que o papel não envolvia duendes e esta era a função que menos aparecia (logo, havia menos demanda/cobrança) e, quando surgia, a figura ficava sempre sentada, com merecido destaque e todas as pompas que a festa oferece. Ou seja, seria um trabalho que envolveria um mínimo de esforço, distante dos duendes e por um cachê igualmente rentável, que encheria mais uma vez várias árvores de Natal de presentes e embrulhos, a começar pela sua própria.

Partindo do princípio de que “quem tem contato, tem tudo”, a estratégia escolhida por Bruna para obter sucesso nessa empreitada natalina foi, primeiramente, ficar amiga do Papai Noel já no ano passado. Claro, afinal não era ele necessariamente quem contratava, mas com certeza seu voto haveria de ter algum peso na decisão final. Quem é doido de contrariar e negar um pedido justamente do bom velhinho, em pleno mês de dezembro?

Foi assim que Bruna soube que o esquema todo de contratação era relativamente simples, nem era preciso puxar (ou carregar) o saco de ninguém: bastava só chegar cedo no dia da seleção, no próximo ano, quando o time natalino era formado. Fácil! Ainda assim, Bruna o fez prometer que na seletiva seguinte ela teria prioridade para a vaga, afinal, os dois já eram mais que amigos: eram friends! Por garantia, se adicionaram no TikTok, porque “quem é visto sempre é lembrado”, embora Papai Noel fosse low profile em 11 dos 12 meses do ano.

Quando suas postagens voltaram a surgir no feed é que Bruna percebeu que era chegada a hora. Mais de 300 dias haviam se passado desde o último Natal, recheados de situações da vida adulta, com uma série de variados dilemas, questões e distrações que a ocuparam. No período, vivenciou dias úteis e feriados, manhãs corridas e até algumas noites em claro. No compilado de meses, se apaixonou e se frustrou, e ao chegar em dezembro sentia-se sinceramente cansada. Desejava por férias, descanso e um par de coxas para enroscar suas pernas à noite, se isso não fosse pedir demais. Embora os dois primeiros itens fossem mais urgentes, considerava o último como o mais importante.

O Natal tinha o poder e a capacidade única de renovar suas energias e esperanças, e só por isso Bruna levou adiante a proposta de trabalhar como assistente de Noel. Mais: desta vez, seria a própria Mamãe Noel e pensar na maravilha de ganhar dinheiro para ficar algumas horas sentada debaixo de uma gigantesca árvore de Natal, enfeitada com laços e fitas, era tão prazeroso que até parecia um sonho. Soava tão melódico quanto os devaneios dos filmes lançados nesta época, que transbordam da TV, cujas mocinhas são agraciadas com os melhores presentes, que quase sempre superam suas próprias expectativas, e as de quem as assiste também.

Bruna não se achava especial, mas gostava de sempre se imaginar vivendo uma história típica de Natal. Anualmente, criava enredos que facilmente poderiam estampar páginas de livros, ou de sites literários com conteúdo de temática sáfica, em que era a personagem contemplada com algum evento amoroso e casual no mês de dezembro. Mas no fim, infelizmente era obrigada a constatar que suas histórias eram bobas, terminavam sempre sem um final feliz, nunca acontecia nada demais depois do brinde da meia-noite. E aí era obrigada a constatar que ela, que lia até rótulos de xampu, dificilmente se interessaria por sua própria trama.

Um drama!

– Já escreveu sua cartinha de Natal? Expresse tudo o que você deseja! Sonhe alto e comporte-se! – recomendou Papai Noel.

O conselho veio em forma de vídeo, assim que Bruna acessou a rede social e viu Papai Noel num hohoho bem animado. Ocupada, não tinha feito nos últimos meses nem metade do que ela própria se recomendava a fazer, ainda que não fosse exatamente correto afirmar que, só por isso, não se comportou ao longo do ano (então beirava ali uns 25%).

Viver em sociedade é complicado, são testes diários que se apresentam incansavelmente e que nem sempre a gente passa, mas ao invés de se criticar e se julgar, e se punir (o que sempre fazia muitíssimo bem, com verdadeira maestria), Bruna puxou um bloquinho, uma caneta e fez aquilo que estava ao seu alcance a esta altura do campeonato:

Querido Papai Noel,

Começo esta cartinha expressando minha mais profunda sinceridade e afirmo que talvez eu não tenha sido exatamente a melhor pessoa que pisou nesta Terra durante o ano, mas afirmo me esforcei para não ser a pior (ao menos enquanto não estive distraída). Mantive meu réu primário intacto, consegui chegar até aqui sem agredir ninguém, tampouco fui processada, nem mesmo por pequenas causas.

Tentei me esforçar para só fazer o bem, mesmo sem olhar a quem, me alimentei corretamente, fiz exercícios e fui contida nas minhas comprinhas em 2023. Passei vontade de revidar, de comer brigadeiro e de procrastinar, mas me contive, como quem semeia com boas ações esperanças para um futuro frutífero.

Por tudo isso (e mais um pouco), gostaria de neste Natal poder viver uma história especial, se possível daquelas que atravessam o ano e chegam até o carnaval, mas aceito até mesmo algo que dure uma única temporada. O resto, não se preocupe, eu dou conta e corro atrás.

Certa de poder contar com seu poder e magia de Natal, Bruna.

Ao terminar, sorriu. Era a primeira vez que materializava seu pedido numa cartinha especial como aquela, o que de imediato pareceu ser um indício de que, desta vez, algo de diferente finalmente aconteceria. Desejou mais uma vez ter seu pedido atendido enquanto suspirava profundamente, dobrou a cartinha e foi se preparar. Separou em cima da cama a roupa que usaria no dia seguinte, quando se encaminharia até o shopping para a seleção dos ajudantes de Papai Noel. Escolheu trajes apropriados para essa cena da história, que com certeza estaria no início do filme que, neste momento, começou a ser criado dentro de sua cabeça.

Naquela noite, Bruna mal dormiu. Porque sentia um comichão remexê-la por dentro, pela expectativa com a seletiva que ocorreria em algumas horas, mas principalmente porque estava ansiosa. Fantasiou, enquanto rolava na cama para cá e para lá, como ficaria deslumbrante usando as vestes de Mamãe Noel, tão querida e tão aclamada pelas crianças, provavelmente porque figuras femininas são sempre mais confiáveis e menos controversas. Isso a levou a pensar na toxidade masculina presente no mundo moderno (e anterior à nossa era), o que emendou o assunto ao tema do patriarcado, que a fez refletir sobre o machismo e, no fim, Bruna dormiu com raiva.

Depois de tantos anos admirando e se encantando com o Natal, agora parecia mais absurdo o fato de a Mamãe Noel trabalhar menos quando chegava a temporada dos shoppings e ela se convenceu de que isso com certeza era ideiazinha torta de Papai Noel, que se duvidar não passava de um grandessíssimo de um macho escroto hétero top com sexualidade frágil, que usava gorro na cabeça só para esconder a própria calvície. Um verdadeiro red pill!

Na manhã seguinte, ao acordar, Bruna percebeu que ainda estava zangada e só não desistiu do trabalho porque isso não faria a situação no mundo mudar em absolutamente nada. Ao contrário, sair de casa era quase um sinal de afronta, de resistência!

Ao chegar ao shopping, 1h depois, quase todo o aborrecimento já havia se dissipado, em partes porque Bruna se distraiu com a decoração de Natal das ruas durante o trajeto, que brilhavam mesmo que ainda fosse dia. Era impossível perder de vista o fato de que esta é uma época mágica, propícia para os eventos mais fantásticos possíveis, e macho nenhum jamais teria o poder de deturpar isso.

Àquela hora o centro comercial com ar-condicionado permanecia vazio, as lojas estavam fechadas e ainda que as portas se apresentassem abertas, o fato de não ser nem 10h da manhã mantinha o estacionamento lá fora vazio e o pátio lá dentro desértico. Também porque era uma segunda-feira, dia de menos movimento, segundo suas próprias experiências como consumidora.

Bruna se encantou com a decoração assim que passou pela porta automática e foi brindada com um jato fresco de ar mais gelado. De imediato, viu funcionários de uniforme carregando caixas e mais caixas repletas com itens de decoração natalina, como plumas, enfeites e bolas reluzentes, e se sentiu merecedora por conseguir acompanhar, ao vivo, à montagem da enorme árvore, lá embaixo no térreo, cuja estrela na ponta encostaria no teto, lá em cima, no terceiro andar, bem no meio da praça de alimentação.

Sem perceber, e completamente alheia à hora e aos seus compromissos agendados há quase um ano, Bruna sentou-se em um dos bancos de madeira, à beira do jardim artificial com água de verdade, e admirou presencialmente uma estrutura de madeira se transformar numa enorme árvore de Natal, enfeitada com ursinhos de pelúcia que seguiam as cores do manual de marca do shopping. A cada detalhe inserido, a cada luzinha que era acesa, a cada laço, sua sincera vontade era aplaudir, porque embora tivesse sugestões para arrumar tudo aquilo, à sua maneira, os funcionários mostraram-se verdadeiros artistas, concentrados e engajados numa montagem que depois com certeza encantaria famílias inteiras, até dezembro acabar.

A árvore, gigantesca, tinha várias camadas que ao serem arrumadas lembravam galhos sobrepostos, ornamentados com centenas (ou milhares!) de bolas espelhadas de diferentes tamanhos, que davam a impressão de profundidade ao refletirem as luzes brancas do shopping. No meio da base foi aberta uma portinhola por onde as crianças entrariam depois, em sua visita ao bom velhinho, e uma placa de 2m foi colocada na entrada, escrito “Feliz Natal” com letras bonitas.

Encantada, somente ao ter sua atenção desviada, a fazendo reparar numa movimentação de pessoas que andavam em bando, em direção à escada rolante, é que Bruna se lembrou do Natal. Ou melhor, só então se recordou de seus planos para o Natal, que incluíam um trabalho mais ou menos duro e uma grana extra no bolso, bem-vinda, no fim do mês.

– Ei, peraí, a seletiva para a contratação dos ajudantes de Papai Noel já terminou? – Bruna perguntou, para a primeira pessoa que abordou. A mulher usava um crachá, como os demais, onde se lia “rena” – Eu combinei de ser a Mamãe Noel, você é uma rena?

– Muito engraçadinha – a mulher respondeu, levantando o próprio crachá até mais ou menos a altura dos olhos. Em letras menores, Bruna pôde ler “ta” ao final do nome, “renata” – Eu sou duende e pelo visto a vaga de rena ficou para você – Renata ri.

– Não, rena não! – Bruna se ouviu dizer. Tudo bem se não ficasse com o posto de Mamãe Noel, desde que assumisse o cargo de Noelete. No máximo, aceitaria trabalhar como duende, a contragosto. Mas rena, não! – Papai Noelson...

– Nós combinamos que você chegaria no horário! – Nelson respondeu, em suas roupas de pessoa normal, num tom de desculpa. Mesmo sem a fantasia, porém, sua barba longa e seus cabelos brancos deixavam claro quem ele representava – Na verdade, o que nós combinamos foi que você chegaria antes do horário – o homem corrigiu, se justificando.

– Poxa, mas é que eu... – Bruna balbucia, cabisbaixa, mas logo se cala. O que poderia dizer? Que até chegou dentro do horário, mas teve a capacidade de se atrasar a menos de dez metros de distância? Que era muito fã de Natal, o que a fez desviar a rota, assim que entrou no shopping, seduzida pela montagem de uma árvore? Ou que era mais especial que as outras pessoas, aparentemente comprometidas, inclusive quem ficou com a vaga que, supostamente, era sua?

– Se você quiser, e se a Mamãe Noel aceitar, posso tentar reaver a vaga para você – Renata sugeriu, já com as orelhas de duende. A tiara com o adereço demarcava seu cabelo de um jeito engraçado e por isso Bruna sorriu. Renata tinha olhos astutos, parecia o tipo de pessoa que facilmente dá para entrar madrugada adentro falando sobre qualquer coisa.

– O que você propõe? Alguma espécie de duelo? – Bruna riu de novo. Definitivamente era a protagonista de uma história especial!

Imediatamente sentiu que Renata e ela tinham o potencial de se tornarem grandes amigas, entretanto, a forma como a mulher a olhou de volta deu a entender que poderiam ser até mais do que isso, se quisessem. Ou seja, esta poderia ser finalmente a história de Natal de sua vida, que nem a dos filmes que passam nesta época na tevê. Que bom que escolheu a roupa certa para isso e que bom que se atrasou para a seletiva!

– Tipo isso, sim – Renata riu, como se de alguma forma pudesse ler seus pensamentos – Mas pensei em algo mais simples, por exemplo, uma partida de truco.

Não houve tempo de responder porque Renata foi puxada pelo braço por outro duende, que cochichou algo em seu ouvido, parecendo traquinagem. A elfa riu gostosamente, jogando a cabeça para trás, de um jeito sexy. Mesmo com um par de orelhas pontudas saindo debaixo de seus cabelos repicados, ela era atraente. Certamente a duende mais bonita do grupo.

Bruna seguiu com o bando escada rolante acima, depois que Papai Noel fez um sinal para que ela o seguisse (ou ele só coçou os olhos e Bruna é que estava vendo coisa). Embora em sua mente Renata já fosse uma personagem de destaque, não parecia correto ceder o protagonismo em sua própria história de Natal. Então precisava arranjar uma fantasia, mesmo que fosse de alce, para o caso de a estratégia da duende não dar certo. Depois tentaria negociar com alguma Noelete a possibilidade de uma troca de posto. Seria preciso muita argumentação e retórica, o que ainda era mais fácil do que simplesmente se aventurar no mundo das cartas, como Renata havia sugerido. Bruna nem sabia a diferença entre Ás e Rei, muito menos a hora certa de pedir três ou seis (só sabia que era algo que tinha que ser feito no grito).

– É você que está pleiteando a vaga de Mamãe Noel? – alguém lhe perguntou, demonstrando que a questão já era um assunto discutido entre os presentes. A mulher usava um crachá escrito “nadia”, em caixa baixa, sem acento, mas desenhado de um jeito bonito, parecendo letra de professora.

– Não sei nem se consigo ser alce... – Bruna resmungou.

– Alce você já é – ela indica com a cabeça uma fantasia em cima das cadeiras, parecendo abandonada. Estavam no refeitório, utilizado pelos funcionários do shopping e cada pessoa presente segurava uma sacola igual, estampada com o mesmo logotipo – Pelo visto você tem moral com o bom velhinho – ela ri.

– Não o suficiente para conseguir o que ele me prometeu – Bruna volta a resmungar. O final da frase saiu quase inaudível, porque enquanto falava, instantaneamente sentiu-se boba com o comentário. A culpa era inteiramente sua, não de Noelson!

– Pelo jeito, então você não se comportou – Nádia ri. Não fez nenhum movimento com a cabeça, como Renata, mas era sexy mesmo assim. Tinha uma covinha em um dos lados da bochecha, uma graça.

Ou as duas mulheres eram muito atraentes, cada qual à sua maneira, ou Bruna é que encontrava-se mais tarada naquela manhã. Sem perceber, se imaginou com as duas, nuas numa cama enfeitada com o tema de Natal. No breve devaneio, imaginou Renata numa lingerie rendada, usando a tiara com as orelhas pontudas – e isso porque ela nem tinha o hábito de se envolver com duendes! Nádia, que ainda sorria, surgiu em sua fantasia com chifres de alce combinando com o tom bonito de sua pele.

– Você está pensando nisso? – Nádia questionou, rindo com malícia. Ou pareceu ser malícia, de um jeito como se ela pudesse acessar seus pensamentos, como fazem as leitoras de uma história escrita por alguém cheia de criatividade.

– Não. Quer dizer, sim. O fato é: quem é que garante que a Mamãe Noel se comportou? – Bruna dispara, rindo também – Vou além: quem no mundo ainda pode ser considerada como legal, uma “boa menina”, uma pessoa decente? Digo, 100% do tempo? Quem? Aposto que até mesmo essazinha tem lá a sua cota de malcriações, de maus comportamentos. Tenho certeza que é alguma safada fura-olhos interesseira, vigarista, que quer estragar o meu Natal, mas vilões aqui não têm vez! – Bruna ergue um dedo, em riste, desafiadora – Vou conquistar essa vaga, nem que seja na base do truco. Cadê a Renata?

Embora não quisesse deixar Nádia de lado, Bruna pegou a fantasia de alce de cima da cadeira, que tinha uma etiqueta com seu nome escrito, e saiu à procura de Renata, desviando dos colegas que se distraíam numa espécie de pré-confraternização, bastante animada para uma dinâmica em grupo organizada por um empregador em comum. Todos pareciam felizes e despreocupados, até mesmo os futuros alces, que exibiam galhadas presas em tiaras transparentes, que contrastavam com suas roupas de gente normal. Os duendes eram os únicos que não estavam por ali e Bruna não encontrou ninguém também com o estereótipo de Mamãe Noel.

Havia basicamente dois lugares que Renata e os duendes poderiam estar: na copa, ao lado, talvez mexendo em marmitas esquecidas na geladeira, ou lá fora, no fumódromo, que era quase um ponto de encontro para muitas pessoas. Bruna não era adepta de fumaças, mas abriria uma exceção. Tudo para salvar seu Natal!

Saindo do refeitório às pressas, Bruna encontrou a cozinha ao lado completamente vazia e abandonada, o que a fez descer de elevador em direção ao segundo local, debatendo internamente os argumentos que lançaria mão, se precisasse, caso percebesse que a oferta de Renata tivesse sido apenas um blefe (algo muito comum nos jogos de truco). Mas nem precisou dizer nada porque, ao vê-la lá fora, com a fantasia de alce nas mãos, Renata imediatamente entendeu que Bruna havia aceitado sua sugestão.

– Bom, a regra é simples: se a gente ganhar, a Bruna fica com a sua fantasia – Renata diz, sendo bem prática – Se a gente perder, a fantasia continua com você e ninguém fala mais nisso até o ano que vem – ela complementa, com um simbólico aperto de mãos selando o acordo. Ao procurar a pessoa com quem Renata falava, Bruna quase se engasgou. Simplesmente Nádia era a desafiada. Era ela a Mamãe Noel!

– Não me parece justo – Nádia rebate, mas deu uma piscada marota para Bruna, como se a cumprimentasse. Ou a provocasse – Sou a desafiada, então, se eu vencer, nada mais justo do que ser premiada.

– Claro, se é assim que você quer, assim será – Renata rebate, apertando novamente a mão de Nádia. A duende não se preocupou em questionar que tipo de prêmio Mamãe Noel gostaria, ou se Bruna concordava com a exigência que estava sendo imposta.

Bruna, por sua vez, não disse nada porque achou emocionante poder acompanhar um duelo em que estava diretamente envolvida. Não seguraria nenhuma espada, mas nem seria preciso, pois sentia-se bem representada. Renata escolheu uma duende para ser sua dupla, enquanto Nádia puxou para perto uma Noelete com cara de gnomo. A cena foi puro deleite. Em partes porque aquilo não se parecia com um duelo de verdade, embora o ar estivesse carregado com a névoa típica de um bom combate, saturado com fumaça de cigarro eleve aroma de maconha. Ao dar as cartas, Renata assumiu uma seriedade que contrastava com suas orelhas pontudas de duende e a cada rodada fazia gestos e sinais para sua parceira de jogatina, sentada bem à sua frente, que aparentemente entendia o que cada uma das piscadas e biquinhos e fungadas queria dizer.

Nádia também emitia sinais para sua dupla se valendo do próprio rosto e, sem perceber, Bruna ficou contemplando o jogo como se assistisse a um momento tenso de algum filme moderno e açucarado de comédia romântica, em que duas mulheres bonitas se enfrentavam a favor de sua honra. Bastante lisonjeada, considerou que a fantasia a esta altura já nem importava tanto, porque qualquer que fosse o cargo que exercesse, daqui até o Natal teria a oportunidade de ficar quase um mês trabalhando ao lado de pessoas extremamente cativantes. Quem sabe até o final do mês não conseguia dar uns beijinhos em uma, ou em outra?

As duas duplas jogaram cartas por quase dez minutos, de vez em quando se encarando de um jeito mais atravessado, porém bem distante do agressivo – pelo contrário! Eram encaradas sexys, porque não havia ninguém zangada por ali. Não gritaram em nenhum momento, como faziam os duendes que se enfrentavam no truco logo ao lado, o que tornou até difícil para Bruna acompanhar a pontuação do jogo e depois saber quem é que tinha ganhado, ao final da partida.

No caso, Nádia ganhou. Renata era péssima de estratégia e pior ainda no truco. Ainda assim, Bruna agradeceu a oportunidade e voltou sozinha para dentro do shopping, conformada em ter que ser alce. Não quis esperar nem para ver se haveria alguma revanche porque de cara se deu por convencida de que era este seu destino. Passaria a temporada de fim de ano escondida atrás de uma fantasia.

– Nos vemos no próximo sábado? – Nelson perguntou, assim que viu Bruna de volta à reunião no refeitório, portando sua fantasia de alce dentro da sacola. O representante de Papai Noel pareceu preocupado, tinha uma ruga marcando o meio da testa, como se de alguma forma tivesse alguma responsabilização pelo atraso dela mais cedo, que culminou em um posto diferente do almejado inicialmente, um ano atrás.

– Sim. Nos vemos sim, Papai Noelson... – Bruna assentiu, entregando para ele a cartinha escrita na noite anterior. Tinha que fazer sua parte para que a mágica acontecesse, né? – Se ainda der tempo, me dá uma ajudinha com isso, por favor.

– Hohoho – Nelson riu, parecendo Noel. Deu a ela uma bala em troca da carta, como fazia com as crianças que chegavam até ele com pedidos de presentes dos mais variados tipos.

Os dias transcorreram sem grandes novidades. Bruna se vestiu de alce semanalmente até o Natal, incluindo a máscara que escondia completamente seu rosto e tampava integralmente sua identidade, deixando apenas os olhos de fora. Fantasiada, acompanhou a distância o trabalho dos duendes, sem se envolver, o que acabou sendo melhor do que lidar diretamente com o grupo. Manteve-se próxima de Renata, que até parecia outra pessoa quando estava maquiada e vestida com a roupa verde de cetim, e que sempre dava um jeito de falar com ela ao longo do dia (lhe dava uma bala, um beliscão, coisas assim).

Mas quem de fato se transformava era a Mamãe Noel, ou melhor, Nádia. Nas horas em que a mulher dava o seu ar da graça, surgia fantasiada dos pés à cabeça, usando óculos e peruca, e interagia com as crianças como se tivesse completo domínio sobre elas. Bruna até se arriscaria a dizer que Nádia fazia mais sucesso que o próprio marido de mentirinha, que ao contrário dela não ouvia nenhum aplauso ao chegar em seu posto para trabalhar, perto do horário do almoço, quando o movimento no shopping aumentava.

Chegar no shopping e encontrar Renata era sempre um prazer. A mulher fazia questão de ir até ela, onde quer que estivesse (fosse dentro da casinha do Papai Noel, na fila das crianças ou no pátio, junto com os outros alces) e a cumprimentava com um abraço e um beijinho estalado no rosto, o que deixava parte do perfume que usava impregnado em sua fantasia, forçando Bruna a sentir seu cheiro até o final do expediente. Ao longo do dia, criava motivos para falar com ela e na maioria das vezes a fazia rir. Renata era do tipo engraçadinha, contava piadolas bobas e Bruna ria sempre, para ela.

E o ponto alto do dia era a chegada de Nádia. Sua presença como Mamãe Noel se anunciava antes mesmo de ela ser vista e, embora não usasse nenhum perfume, também deixava em Bruna uma fração de seu cheiro (que era a soma do aroma de sua pele, emanava do cabelo e até do chiclete que ela mastigava ao se montar). O conjunto era muito agradável, o que a obrigava a se demorar mais dentro do abraço, que era sempre retribuído, com braços torneados que a apertavam por alguns segundos, quase a fazendo levitar.

E assim a rotina seguiu até sábado, dia 23/12/23. Finalmente, na antevéspera do Natal, no último dia de trabalho, Bruna conseguiu descobrir qual era o prêmio que Nádia havia exigido por ter vencido no duelo de truco, semanas atrás, e que até ali se recusava a revelar o que era. Para lhe contar, fez mistério e pediu para que Bruna a encontrasse lá fora, no fumódromo, onde ela a esperava na companhia de Renata.

Sob as estrelas que brilhavam em um começo tímido de noite fresca, emoldurada por uma cortina de fumaça que tinha cheiro de maconha e nicotina, mas também o aroma típico e mágico do Natal, Bruna ouviu de uma Mamãe Noel seu desejo de se enroscar sem roupa em uma duende e numa alce, ao mesmo tempo, o que indicava uma fantasia para lá de suspeita, porém igualmente excitante. Pela expressão no rosto de Renata, ela já tinha conhecimento da proposta há mais tempo e parecia bastante animada com a ideia.

Num primeiro momento foi um pouco absurdo pensar em como fariam isso. O shopping teria que estar fechado, certo? Porque obviamente iam “profanar” o lar de Noel! Ou Nádia tinha a fantasia de fazer algo enquanto as famílias tradicionais brasileiras caminhavam bem ao lado, distraídas, em seus momentos de compras de fim de ano? Ter espectador até poderia ser válido, mas talvez não nesta primeira oportunidade – e nem precisava ser durante o Natal!

– Podemos ir para a minha casa – Renata fala, de supetão, as puxando pela mão. Bruna e Renata se entreolharam, mas não disseram nada, apenas sorriram, com cumplicidade. Havia malícia no gesto e na atitude da duende, que saiu puxando as duas shopping adentro, em direção ao vestiário de uso exclusivo.

De mãos dadas, o trio chamou a atenção de praticamente todas as pessoas enquanto deslizava pelos corredores iluminados e bem encerados do shopping, desviando das crianças que nem tinham tempo de reagir à união de personagens tão distintas, mas ao mesmo tempo tão complementares.

A ideia era se livrarem daquelas fantasias. Combinaram de trocar de roupa para saírem dali o mais rápido possível, mas o que aconteceu foi que as três se distraíram num bate-papo e passaram as últimas duas horas de serviço conversando dentro do vestiário, mocozadas dos olhos dos outros, alheias ao horário e distantes da atenção de pessoas normais, que nem de longe imaginavam que aquele tempo supostamente de trabalho estava sendo empenhado para que pudessem ganhar mais intimidade. Uma espécie de preliminares travestidas de diálogo (inteligência é afrodisíaco!).

O papo fluiu agradavelmente e a conversa se desenrolou sem dificuldades, pois as mulheres tinham química e assuntos em comum que iam muito além do simples fato de só trabalharem no mesmo shopping, na modalidade temporária. Renata e Nádia, por exemplo, também adoravam o Natal. E as três eram pedagogas!

A conversa foi tão boa, tão agradável, havia tanta coisa em comum que, em dado momento, foi inevitável não perceber o silêncio. Ou melhor, foi impossível não reparar que não havia mais ao fundo aquele ruído gerado pelo vozerio incessante e interminável, mais intenso principalmente em épocas de Natal. Ao deixarem o vestiário, as três se viram completamente sozinhas, presas dentro de um shopping inteiramente apagado.

Longe de se desesperarem, aquilo na verdade pareceu um sinal, uma chance e uma oportunidade de entregarem à Renata o prêmio do jeitinhoo que ela havia pedido, com as três se pegando justamente no local em que passaram os últimos dias trabalhando, escondidas debaixo de fantasias que ocultavam quem elas eram de verdade e o que queriam de fato. E fazerem algo ali, no shopping, era muito mais divertido do que simplesmente rumarem para a casa de uma delas. Tão excitante que o primeiro beijo aconteceu enquanto ainda desciam as escadas.

Ao chegarem lá embaixo, à Casa de Noel, se atropelando enquanto caminhavam e se beijavam, numa pressa sem precedentes, trocando de boca quando o beijo não envolvia as três, Bruna, Renata e Nádia já estavam ofegantes. Se despiram parcialmente sem nenhuma cerimônia, atirando as roupas em cima do trenó, despreocupadas com qualquer tipo de pudor – ou a ausência de pudor.

Bruna de repente se viu completamente nua, deitada sobre a grama sintética do espaço destinado para os enfeites de Natal, rodeada por duas gostosas de quatro que percorriam com urgência seu corpo usando as bocas, sedentas e famintas, a alisando também com dois pares de mãos que subiam e desciam por entre suas pernas, seu ventre e seus braços, a fazendo querer se abrir cada vez mais para elas e para o que a faziam sentir com todo aquele estímulo delicioso. Vinte dedos deslizavam por cima de sua pele, que se arrepiava com o toque, sensível, instigando novas carícias, em novos lugares.

A cada gemido, o eco de sua voz ricocheteava nas paredes brilhantes de porcelanato daquele shopping vazio, desacostumado a presenciar cenas quentes e eróticas assim, envoltas em uma neve branca, notadamente artificial. Do chão, era possível ver a meia verde listrada da duende jogada de qualquer jeito em cima de uma rena de pelúcia, junto da touquinha vermelha de cetim que a Mamãe Noel usava. Não era para ser, mas Bruna achou a combinação um tesão.

Por isso, gemeu mais e mais alto. Também porque com o som, Renata e Nádia gemiam com ela, transformando aquilo tudo em uma verdadeira melodia, uma completa sinfonia, acompanhada pelos sinos que tilintavam conforme Bruna se movia e os movia com o pé. Embora não quisesse perder nem um único minuto daquela cena toda, se viu obrigada a fechar os olhos, pouco antes de gozar.

Havia a mão de alguém empurrando sua bunda para cima, por baixo, a forçando a desprender a cintura do chão. Empinada, com a pelve em direção ao teto em formato de abóboda, Bruna observou uma cabeça entre suas pernas ao mesmo tempo que sentia a ponta de um dedo apoiada em seu períneo, enquanto outro pressionava mais abaixo e estimulava externamente o cu, em movimentos firmes e circulares. Por vários momentos pensou em pedir para que o dedo entrasse, mas a carícia pareceu uma espécie de tortura, o que a excitou e a impediu de pedir o que quer que fosse. Outro dedo, nitidamente de outra mão, de outra mulher, brincava na entradinha de sua buceta, que escorria, a esta altura completamente molhada, e que se contraía como se tivesse vontade própria, ou como se fizesse um convite para uma boa xícara de chá. Eventualmente o dedo entrava até a metade e saía, acompanhado de outro, ou ia sozinho até o fundo e voltava, melado, provocando espasmos incontroláveis que chacoalhavam seu corpo inteiro e combinavam com os repuxos incentivados pelas lambidas que registrava em cima do clitóris, neste momento inchado de tesão.

Os detalhes à sua volta não tinham nem de longe nenhum teor sexual, mas combinavam com o momento de um jeito que motel nenhum jamais foi capaz de ofertar, nem mesmo os temáticos, com decoração diferenciada. Bruna se sentiu como se ela fosse ao mesmo tempo o presente e a presenteada, numa noite mais que especial. Tudo ao seu redor combinava perfeitamente com o roteiro que estava sendo produzido dentro de sua cabeça, e com o presente que Bruna havia pedido para o velho Noel.

Quando sentiu o orgasmo começar a brotar, se anunciando numa contração com potencial de fazer tudo nela explodir e voar pelos ares, como fogos de artifício, Bruna sorriu porque um segundo antes de voltar a fechar os olhos o que viu foi a carinha fofa de um Papai Noel de brinquedo que, longe de julgá-la, parecia era feliz por vê-la ali, tão satisfeita, completamente nua no meio de um shopping center às escuras; ela sorriu de volta porque foi inevitável manter-se séria. Bem acima de sua cabeça, a placa enfeitada com os escritos de “Feliz Natal” foi a última coisa que seu cérebro registrou, antes de se entregar ao completo prazer proporcionado por duas mulheres que pareciam de outro mundo, vindas de outra dimensão/realidade.

Bruna sempre gostou de Natal, mas com certeza passaria a gostar mais depois dessa história.

 

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