Re-ação

 

Nos últimos dias, passei por maus bocados, como se diz por aí. Claro, a vida não é uma constante, embora seja quase regra o fato de os acontecimentos do dia a dia nos levarem ora para cima, ora para baixo, a depender das condições da nossa maré. Eu não sou uma exceção, tampouco fujo à regra, estou bem longe de ser especial e a normalidade da minha rotina é prova irrefutável disso. O que me diferencia, vale dizer, é que depois sento e escrevo sobre aquilo que soa como banalidade para alguns, mas que é sempre coisa grande quando se passa com a gente. No fundo (e no raso também), apenas registro que, no fim das contas, são mesmo as tempestades que nos transformam em boas marinheiras.  

Só que ainda que a analogia marítima seja muito bonita e poética, e simbólica, sem dúvida, tem dias que me sinto mesmo é como um rio, daqueles perigosos, de corredeira forte. E quando me afogo (é raro, mas acontece com frequência) é sempre porque eu mesma me engulo: me desespero, me debato e afundo.

Esse relato começa na sexta-feira passada, quando a minha cachorrinha começou a tossir. Ela tem muitos nomes e nessa crônica vou chamá-la como a registraram no laboratório onde fomos fazer exames: Nami. Tipo oriental, mas ela é vira-lata, mistura de duas raças de cachorrinho de madame, e a nossa aventura animal revelou que Nami herdou a obesidade do pai e o problema cardíaco da mãe. Ou seja, é uma vira-lata gourmet que um dia foi parar numa ong para então vir iluminar a minha vida.

Outubro é o mês de aniversário da Nami, que em 2023 completa 12 anos. Quando a adotamos só nos passaram o mês de nascimento, então decretamos dia 31 para ser o aniversariozinho dela. Desde então, Dia das Bruxas é Dia da Nami, que parece bruxa também, principalmente quando fica com o pelo muito grande.

Nami, minha família desde janeiro de 2012, é cheia das zica. Compreensível, passamos por muitos estresses, várias mudanças, algumas inclusive de endereço. Sendo humana eu tenho mil dificuldades para enfrentar tudo, imagine só uma coitadinha sem raça que perdeu a mãe muito cedo!

Primeiro, ela teve problemas com ansiedade (quem nunca?). Foi quando começou a morder as mãozinhas sem parar, até hoje. Um tempo depois, recebemos o diagnóstico de dermatite atópica, o que a faz tomar remédio quando tem crise, que é quase sempre, inclusive às vezes tendo que apelar para o corticoide, quando a coisa fica muito feia. Mas a treta maior é o fato de a Nami ser tão parecida comigo (risos). Metódica até as tampas, quando encasqueta com algo ela não arreda, não tem jeito. Foi assim que passou a comer ração úmida junto com a ração normal, e agora só come se for assim, o que a fez engordar. Muito. Sério, de verdade. Dezoito quilos e meio na balança, uns três dedos de gordura bem visíveis no Raio-X.

Por causa do problema na pele, nós temos dificuldade em achar pet shops confiáveis. Ela frequentou um aqui perto de casa por vários anos, mas aí um pouco antes da pandemia, voltou de lá com pulga... Bichinha já se coça dia e noite, achei o cúmulo voltar da tosa se coçando ainda mais. Isso me fez ter que dar um jeito nela uns meses depois, primeiro com uma tesoura, depois com a maquininha de cortar cabelo da vizinha. Ficou terrível, em ambos os casos. Aí adotamos a versão “cachorro de mendigo”, com o pelo grande, e ela toma banho no chuveiro aqui mesmo. Fizemos ainda uma nova tentativa em outro pet shop, ano retrasado, mas tivemos problema com pulga de novo, e nesse eu até discuti com a dona. Uma graça, briguei pelo zap da firma, cuja foto é um gatinho usando óculos. Bem contraditório, adorei!

E tudo seguia normal em nossas rotinas de velhas idosas, até sexta passada, quando a Nami começou a tossir. Achei inicialmente que ela tinha se engasgado bebendo água, depois quando não parou, corri para a internet para ver qual câncer estaria provocando aquela tosse (sim, porque o Google ama dizer isso, mesmo quando a gente só tem um pelo encravado). Me segurei sábado e domingo na fé de que o tempo seco é que a deixou tossindo. Foi uma das possíveis respostas que encontrei, e a única à que me apeguei de coração. Para mim, o mundo está acabando, então fazia sentido que a tosse fosse só mais um indício disso!

Só que aí, na segunda, ela não parou e ainda tossia. Alto, tadinha, contei uma média de 13 cofs por tossida. Para não dizer que eu não tinha um real no banco, tinha cinco conto. Mesmo assim, prioridades, né?, fomos para veterinário e marcamos mil exames, e Nami fez jejum pela primeira vez na vida, e colheu sangue, e fez Raio-X, e até um ecocardiograma. Me consumi numa crise de ansiedade terrível, porque devo agora quase mil reais para a vizinha, e essa noite ainda perdi o sono por volta das 3h da manhã, preocupada que a clínica fosse me denunciar por maus tratos. Ó as ideia!

Nas últimas horas dos últimos dias, imaginei várias formas diferentes que matariam minha catiora. Sofri de infinitas e variadas maneiras, já imaginando como seria chegar em casa e não encontrá-la, que triste seria não ter mais que sair para fazer o mesmo rolê, parando no “lugar do xixi”, na moitinha que ela gosta de deitar... vou te falar que nessas sobrou até para a outra mãe da Nami, que teve a audácia de querer adotar um cachorro e depois morreu, antes que chegasse esse dia. Me deixou aqui sozinha com essa responsa...

Minha reação inflamou meus ânimos, esquentou meus nervos, me consumiu e me desgastou. Sofri além da conta, carregando um peso maior que o necessário, e à toa, só porque tive medo. Não quis perder o pouco que me resta da minha antiga vida e fui egoísta. Pior do que isso: sofri por antecedência, por ansiedade, por puro desespero.

No fim, a Nami não tem nada grave, nem mesmo a obesidade que, segundo o vet, ainda não é preocupante. Ela só está velha, tanto que o protocolo dela foi o senil, e por causa disso está com algumas alterações “normais” de colesterol, está com um probleminha hepático e a tosse, veja só, é alérgica, causada pelo tempo seco.

A Nami começa a tomar xarope hoje <3


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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