Dia de folga
Eu tenho um problema sério: sofro com dificuldades para descansar. Não
sei se é porque sou acelerada, desajustada ou o quê. O fato é que não me
desligo e quando o faço, é sempre com culpa. Me culpo por não fazer nada ou por
ficar vendo vídeos aleatórios na internet (meu programa preferido em momentos
de folga), o que não me agrega em absolutamente nada, então pode ser visto como
um desperdício de tempo pelos outros.
O fato de trabalhar por conta me fez perder o senso de horas úteis já há
alguns anos porque trabalhando sob demanda todo dia pode ser segunda-feira. Ou domingo,
a depender da época, para desespero da minha ansiedade, que ainda não se adaptou
a esse formato de jornada trabalhista. Por causa disso, “chego no escritório”
(que fica a menos de dois passos da minha cama) por volta das seis, 7h da manhã,
e só largo o posto quando acendo a luz (que pode ser às 17h, no inverno, ou
quase oito da noite, quando é verão). Ou seja, trabalho muito mais do que
quando tinha carteira assinada (e vale dizer que a última vez que isso
aconteceu foi há mais de dez anos).
E a grande questão é que ganho dinheiro com a minha mente. Pudera eu ser
rica assim, mas infelizmente a realidade é que me desgasto dia após dia,
juntando moedinha para pagar minhas contas e boletos que, ao contrário de mim,
jamais se cansam. E a cabeça, minha amiga, ao contrário do resto do corpo, que
se contenta com um bom banho morno e uma cama quentinha, não para. No meu caso,
isso se reflete em poucas e mal dormidas horas de sono, o que numa escalada se
desenvolve num cansaço infinito, me fazendo despertar exausta, quase todas as
manhãs.
Ano passado comecei a correr. Em longo prazo isso serviu como uma
eficiente forma de meditação ativa, porque lá na rua é impossível pensar muita
coisa. Quer dizer, ao menos assuntos que não estão relacionados com o exercício
em si, porque fugir muito dos temas que envolvem a corrida desequilibra fácil.
Focada eu já caí duas vezes (e no mesmo lugar!), imagina se eu ficasse pensando
nos problemas...
Só que agora, mesmo correndo mais de 100km por mês, e ainda que eu esteja
no meio de um cotidiano movimentado, com vários trabalhos exigindo minha
atenção e sugando minha concentração, quando chega sábado e domingo eu sofro
porque parece errado não fazer nada, como faziam os antigos (e como você
provavelmente também faz). Porque sempre tem algo para ser feito, seja escrever
uma história, uma crônica ou montar posts para o Instagram. Tem sempre uma
louça na pia, um banheiro para lavar, um chão sujo para varrer. E se não tem,
invento, porque ficar parada soa como algo absurdo e equivocado.
Talvez viver esses tempos modernos tenha me contaminado com o imediatismo
de tudo, e por isso minha bandinha toca num ritmo mais acelerado. Ou talvez
trabalhar sozinha em casa tenha me desvirtuado e o que culpo como penalidade na
verdade é salvação. Às vezes, ocupar tanto a cabeça é justamente o que me
impede de debandar para além da margem da sanidade, como se me manter em estado
de alerta fosse o equivalente a mergulhar num mar de distração, vai saber.
Enfim, era isso que eu tinha para falar. Hoje é meu dia de folga.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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