Setembro Vivaldi

 

Estamos terminando um dos meses mais atípicos do ano de 2023 – para não dizer “de todos os tempos” – e sinceramente eu não sei ainda até que ponto é vantajoso a gente avançar no calendário, considerando esse assustador clima de fim do mundo, que com certeza vai se estender outubro afora (ou “outubro adentro”). Mas encerrar um capítulo é sempre importante e esse foi tão impactante que eu até resolvi escrever essa crônica. Só para falar disso, que é muita coisa!

Setembro veio para nos mostrar que o aquecimento global é real e não uma conversinha furada, como insistem os terraplanistas negacionistas do óbvio, e em várias regiões do país pudemos sentir literalmente na pele o impacto de tudo isso. Aqui no interior onde moro, por exemplo, tivemos as quatro estações nas últimas semanas e a sinfonia foi ouvida enquanto as cigarras gritavam lá fora, desesperadas, sem entender que caralhos está acontecendo com nosso despedaçado meio ambiente. Tudo invertido, tudo mudado e a gente aqui, fritando no planeta Terra.

Infelizmente, durante muitos anos fui refém da indústria cultural estadunidense e consumi os enlatados norte-americanos que colocam sempre os Estados Unidos no centro de um palco geopolítico que hoje em dia, aparentemente, só existe na ficção (afinal, tamo aí acompanhando a China, gigante, estraçalhar seus concorrentes e dominar o comércio exterior. Não é bom para o Brasil, mas também não é bom para os EUA, então... Estou rindo melhor só porque é por último). Bom... mas o fato é que ainda que boa parte da população daquele país desconheça geografia e o sentido do conceito de empatia, os filmes de Hollywood adoram criar diferentes cenários de fim do mundo: tem invasão de etê, choque de meteorito, guerras variadas, vulcão, enfim. Toda uma gama de finais. E em todos, praticamente sem exceção, sempre tem o dilema da personagem principal, que às vezes até acaba junto com o fim do filme. Porque, sabemos, isso é o que atrai a atenção do espectador. O dilema. Que nesses casos se relaciona à tentativa de sobrevivência, que acaba permeando todo o enredo.

Em geral, eu tenho muitas ideias para escrever história. Juro, são milhares, milhões, todos os dias. Minha cabeça não para, sou um pouco aserehe(-ra-dehe), aí meu sistema roda num ritmo meio ragatanga, e isso acaba sendo um estímulo, um combustível para os meus pensamentos pipocarem a toda hora, a cada instante. Só que, passado um tempo (eu tenho 40 anos), aprendi que não é porque uma ideia parece boa que ela necessariamente vai ser uma boa história. Porque nem sempre encontro esse dilema, esse fio que vai te conduzir do primeiro parágrafo até o final do que quer que eu esteja te contando. Te confesso até que por muito pouco não descartei o trisal TPM; foi difícil encontrar um drama para uma trama tão aguinha com açúcar, tão fofinha (saudades, inclusive).

Agora, foco na vida real: o mundo está acabando. Tá, gente, vamos admitir que os sinais são bem claros, quase em neon, piscando na nossa cara. Já era. O calor intenso e desproporcional dos últimos tempos fez com que o degelo lá nos Alpes, em 12 meses, equivalesse ao que se derreteu em 30 anos, e a galera está tudo lá, resgatando os corpos que começaram a aparecer de repente. Aqui no Brasil teve cigarra cantando no inverno e inverno que não teve frio. Primavera chegou e os termômetros marcavam 40 graus. Deu 24h e a temperatura baixou para 15, com um vento de 35km/h que chacoalhou minha janela como se alguém muito zangado estivesse lá fora, querendo me pegar (me senti um dos três porquinhos, o que tem a casinha intermediária, de madeira).

Meu dilema nesse fim do mundo é que a nossa “jornada do herói” não envolve nenhuma missão emocionante. Eu mesma não tenho feito nada, a não ser resistir e continuar me preocupando com os meus boletos, com os meus problemas familiares... continuo perdendo o sono no meio da noite (por causa do calor, que é meio que uma novidade), mas com crises de ansiedade, com falta de ar (problema que já é um velho conhecido). Aí me flagro pensando em quem leria a desinteressante história da mulher que derreteu em cima de um colchão, num dia em que o ventilador cuspia mais vento quente do que ar. Demoro um pouco até me convencer de que está todo mundo assim, fingindo não se preocupar. Vou te dizer que não chega a ser um consolo, mas no fim, conforta.


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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