O surto
Qualquer dia desses vou acabar tendo um treco, um mal súbito, um AVC. Sem
querer, rendida e contra minha vontade, vou me deixar levar pelo surto que surge
logo após o susto e nisso eu vou esmorecer: vou mergulhar numa crise qualquer, numa
síncope e vou me dissolver sem a parcimônia necessária que um ataque de
ansiedade requer. Subjugada, me vejo ser inteiramente dominada por uma mente
que mente e de mim não sobrará um A sequer. Com sorte, vou derreter e me
converter em uma pepina menos estressada. Sem sorte, tudo vai continuar na
mesma pegada.
Essa crônica não é premonitória e longe de mim querer decretar algum tipo
de futuro, inclusive porque daqui é como se eu simplesmente enxergasse no meio
do escuro. Mas minha afirmação se baseia no hoje e, ainda que minha atuação
seja sempre em prol da minha própria evolução, no afã do meu mais sincero progresso,
meu amanhã se compromete por eu ser quem eu sou. Ou, em outras palavras, graças
à maneira como penso, como sinto e como enfrento cada batalha porque minha
cabeça muitas vezes trabalha contra mim e o resultado nem sempre significa o
fim.
A cada término, obviamente me sinto cansada e desgastada, porque muito embora
acostumada a reagir na defensiva, de uma maneira bem reativa, 99% dos meus
surtos são a troco de nada. Deliberadamente, eu monto a armadilha, crio uma
cilada, pego a estrada errada e sou tragada por problemas que simplesmente não
existem. Ou até existem, mas são tão pequenos que não justificam tamanho
veneno. Tem coisa que poderia ser facilmente resolvida com um simples aceno,
mas eu meto o louco, desço o soco... e isso me deixa rendida, me faz sentir uma
bandida. Fico passada em como sou capaz de ser tão malvada, em como me cai bem um
papel de vilã! Que fique claro: eu sou a maior responsável por não estar mais
tão sã.
E agora parece que o monstro está cada vez maior, ao mesmo tempo em que o
espaço dentro de mim a cada crise fica menor, me sufocando em asfixias mentais
que afetam o físico e corroem meu psíquico. Não dura muito tempo, mas cada
segundo é uma eternidade quando perco a capacidade de discernir entre o que é falso
e o que é de verdade. Tudo pesa mais com a toxidade que eu sou capaz de acumular
e despejar em cima de mim como se fosse um caminhão – e é nessas horas que vou
ao chão. Quem é que fica em pé quando o mundo inteiro se chacoalha, depois que
você já jogou a toalha lá na casa da...?
Hoje recebi uma ligação. Bobagem, coisa do trabalho, nada que
justificasse nenhuma emoção. Só que, como sempre, a minha insegurança serve
como um verdadeiro grilhão e imediatamente comecei a criar uma ficção terrível,
daquelas que interpreto uma fraude e a minha inteligência se transforma em
aberração. Me sabotei, como é de praxe e de costume, me cozinhando num
caldeirão de estrume que apimentou minha aflição; enfiei vários dedos de moça
em feridas que ultrapassam a mera imaginação e me servi mesmo sem apetite (afinal,
não existe fome quando o nervosismo é um convite para a indigestão).
No fim, nem era nada demais; me telefonaram porque querem que eu revise o livro de três intelectuais. Em alguma dimensão sofri à toa e até agora o meu lamento ecoa, porque é o tipo de coisa que demora a desvanecer. Foda... se eu não me cuidar, qualquer dia desses vou acabar tendo um treco, um mal súbito, um AVC...
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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