As capotadas que a Terra plana dá
Nos últimos anos, um dos ensinamentos mais divertidos que se destacou
entre nós é que a Terra plana não gira; ela capota. E é maravilhoso acompanhar
esse movimento enquanto observamos a sagacidade de quem escreve o roteiro do
nosso país. Que é uma mulher, com certeza, para ser perspicaz assim, a
responsável por esse script só pode ser uma mulher. E ela mescla reviravoltas
astutas com requintes de uma inteligência indubitavelmente aguçada, quase
maliciosa. Irônica, sem sombra de dúvidas.
Ainda assim, não mudei de ideia quanto a achar que é muito cansativo
viver a história, afinal, os últimos tempos foram feitos de muitos dias de várias
angústias, horas em claro em noites mal dormidas, mergulhadas no desespero de
um isolamento e numa total falta de esperança. Um verdadeiro pesadelo vivido
com os olhos bem abertos, como são as torturas psicológicas que acabam com o
nosso emocional. Lembro que em vários momentos tive a impressão de estarmos
atravessando uma espécie de labirinto escuro e pantanoso, sem saída aparente,
sem aquela tal de “luz no fim do túnel”, e era tão angustiante lutar pela
sobrevivência num cenário assim que talvez a gente tenha mais resistido do que existido,
propriamente dito. E isso foi feito a um preço altíssimo, inflacionado. Custou
nossa saúde mental.
Os últimos anos foram desgastantes e cansativos, porque sentimos todo o
peso de uma pandemia. E ainda que estejamos bem longe de um mundo ideal, já
conseguimos ver – e principalmente sentir – a chegada dos refrescos.
Inelegibilidade é pouco para quem merece a cadeia, mas convenhamos que é um bom
começo. E digo isso estando literalmente vacinada: dos eventos históricos e com
a vacina bivalente da Pfizer.
Poeticamente falando, gosto de imaginar que descemos uma ladeira de
maneira desenfreada, enlouquecida e desvairada, atropelando tudo enquanto éramos
atropeladas, e na subida de volta à tranquilidade dos cumes sociais é possível
observar os destroços de tudo isso. Foram muitas mortes, muitas perdas e muitas
baixas. O Brasil foi simplesmente devastado pela falta de políticas públicas,
pelo aparelhamento de órgãos policiais, pela extinção de organismos sociais, mas
especialmente porque nos últimos anos a politização estabeleceu praticamente um
campo de batalha e nessa guerra entre “eles” e “nós” a trincheira ficou bem
aparente, e não acho que seja algo que vá mudar. Nem deve! Como já dito em
ocasiões anteriores, é sempre importante saber quem é quem nessas paradas.
Assusta saber que seu vizinho é fascista, seu parente é homofóbico e seu
colega de trabalho é um nazistinha de merda? Sim, mas ao menos ao reconhecer
essa gentinha, temos a chance de nos blindar, a oportunidade de nos afastar.
Vida que segue. Até porque, atualmente, quem ainda se alinha com esses discursos
preconceituosos, extremistas e separatistas não pode mais ser taxado de ingênuo
ou ignorante. Sejamos claras: há muito mal caratismo por aí, existe muita gente
ruim em nosso arredor. Infelizmente, estamos bem longe de viver num País das
Maravilhas.
Mas ontem aconteceu de o Biroleire perder uma disputa importante e por
causa disso eu passei o dia todo feliz, como se me esbaldasse num chá da tarde enfeitado
com o sorriso do gato, só de pensar no quanto ele estava triste e chateado.
Comemorei, cantei e pulei como fiz no final do segundo turno, quando todo esse
alívio finalmente começou. Coloquei Beth Carvalho no talo para festejar, abri a
primeira cerveja às quatro da tarde, quando encerrei oficialmente o expediente
e me conectei à energia preponderante deste dia tão importante. Um dia
histórico, um dia que já está gravado na memória da nossa jovem democracia –
que é uma verdadeira guerreira, como são as brasileiras.
Desde a cassação de Tantan Dallagnol eu criei o hábito de comemorar esses
eventos relevantes assando um bolinho. O de ontem teve até cobertura de
brigadeiro. Bati a massa na mão, ouvindo o voto final do Xandão, depois comi
metade do bolo com a vizinha, enquanto ainda estava quente. Provavelmente, como
foi com o anterior, vou comer todo o resto sozinha, sem nenhum peso na consciência
e sempre com a mais sincera satisfação. Porque chocolate com justiça é gostoso
demais!
Um beijo, Carmen Lúcia. Um beijo, Dilmãe.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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