Meia inteira

 

Há pouco mais de um ano decidi dar o primeiro passo numa longa caminhada que, na verdade, é uma corrida, daquele tipo que se disputa com a gente mesma. Ou várias delas, considerando que até aqui ainda não parei, desde que comecei – e nem pretendo.

Em ocasiões anteriores já comentei dos benefícios de correr, do bem que isso me faz, no sentido de funcionar até mesmo como uma prática de meditação ativa, além do exercício físico, propriamente dito. Quando estou lá fora, concentrada em dar um passo depois do outro, sem cair, numa velocidade cada vez mais rápida, focada na minha respiração e no meu arredor, fica simplesmente impossível pensar qualquer besteira que seja. Não dá! As brisas nessas horas são sempre em outra direção, fico sempre aterrada ao presente e isso é divino e maravilhoso. Me faz sentir leve, livre! É bom demais, nossa! Se eu soubesse o tanto, teria começado antes.

E ainda que este seja um assunto repetido, não pretendo ser repetitiva, juro, requentando no banho maria da sua audiência palavras já anteriormente temperadas e devidamente degustadas. Mas é que amanhã vou correr a minha primeira meia maratona e seria um pouco absurdo deixar um acontecimento deste tipo passar batido. Não é todo dia que se perde o cabaço em eventos desse porte e eu estou muito animada, como você pode imaginar.

Ano passado fiquei na meta de correr a São Silvestre, uma corrida que, ok, é muito legal, mas é ridiculamente cara, absurdamente cheia e, considerando o naipe dos patrocinadores, oferece um kit muito do mequetrefe (e não vou nem mencionar o rolê que é para retirar esse kit, lá na casa do chapéu, no Sambódromo, às margens da Marginal Tietê, um lugar que além de ser super fora de mão, tem um estacionamento que custa uma fortuna e chegar de transporte público é impossível).

Os kits de corrida são o “kinder ovo” dos corredores de rua, dos atletas não profissionais como eu. Porque assim como os patrocinadores de cada prova variam, os brindes entregues nas sacolinhas que trazem a camiseta e o número de peito também se diversificam. Aí ganha-se de tudo o que você possa imaginar. Já ganhei, por exemplo, escova de dente, cola bastão, esponja de cozinha, legumes congelados (esse num pós-prova), além de barrinhas e energéticos de todos os tipos. Considerando que a inscrição da São Silvestre é cara e é uma corrida patrocinada e divulgada pela Globo, achei que no kit viria, sei lá, uma pepita de ouro. Que nada!, para não ser injusta vou dizer que ganhei duas “benditas cânforas”, uma para antes e outra para depois de correr, que fizeram valer a pena. Curti, virei fã, bendita seja a cânfora!

A São Silvestre, para quem não sabe, tem 15 quilômetros, que é uma distância que, em geral, não se encontra muito nas corridas de rua, que têm quase sempre percursos de cinco, dez quilômetros, 21, quando é meia maratona, e 42km, quando é maratona inteira. No meu caso, corri 18 quilômetros de São Silvestre, os três adicionais foram desviando das pessoas. São muitas. Muitas pessoas, muitas! Fiz 18km em duas horas. Um tempo pífio, ridículo, mas tudo bem, porque foi o primeiro.

A São Silvestre acontece sempre no dia 31 de dezembro. Um mês antes disso, um mês e alguns dias, eu completei 40 anos de idade. O meu presente para mim mesma, em minha data querida, foi me dar muitas felicidades na verdade ao longo de um 2022 inteiro, que passei correndo. Mas o que parecia ser algo tão grandioso, afinal, 15 quilômetros é bastante, já naquele momento se revelou um trampolim incrível, porque no dia 23 de novembro corri pela primeira vez os meus primeiros 21 quilômetros. Sozinha, pelas ruas da cidade, apenas meus tênis àquela altura desgastados como testemunha, e o aplicativo de corrida, que fechou o ano com mais de mil quilômetros contabilizados. E pensar que usei meu aniversário poucos anos antes como marco para parar de fumar... É bom quando a vida muda para melhor, né? Adoro!

Quando finalmente chegou o dia de correr a São Silvestre, uma manhã ensolarada de um sábado bonito, depois de vários dias de muita chuva e tempo fechado, eu estava esgotada. Exausta. Como dito, foi um ano inteiro correndo, e só. Não malhei, não me fortaleci, não fiz nada. Só escrevi, mas meu cérebro marombado nessas horas não me ajuda exatamente nesse tipo de rendimento, infelizmente. Então, quando 2023 começou, decretei: vou me inscrever na academia, coisa que de fato só foi acontecer em fevereiro, uma semana antes do carnaval. Mas o importante foi começar, né.

Nisso, estou até agora, aqui em junho, que nem o meme (que agora o Instagram me oferece de bandejada, porque furei uma nova bolha): treinando sem personal, sem dinheiro, sem suplemento, sem pré-treino e, se quer saber, até mesmo sem vontade de treinar. Eu gosto é de estar na rua, ao ar livre, de estar livre, liberta... mas para aguentar isso o preço foi me enfiar numa academia de bairro em horários vazios que, ainda assim, me obriga a conviver com dois ou três machos irritantes que, de segunda a sexta (às vezes de segunda a quinta, porque sexta-feira tem abdominal e eu acho chato, aí falto), me fazem questionar os juros desse pagamento todo. Que vale. É foda, mas vale. Ou “que bom que vale!”, porque muitas vezes eu levanto mais peso, sem fazer o escândalo que eles gostam de fazer, como se fossem um tipo de pavão com defeito, o que me leva a concluir que, além de mais forte, tenho também a oportunidade de vivenciar na prática um verdadeiro experimento antropológico (para não dizer “feminista”) que me deixa ainda mais certa de que homem é realmente um espécime muito curioso, que eu prefiro manter o máximo possível de distância.

Mas tem os refrescos. Sempre tem, ufa. Não, não estou falando da professora da academia, que tem o mesmo nome de uma das personagens do trisal da Novelinha (inclusive, quando comentei que ela tinha o mesmo nome e sobrenome de uma das TPM, ela disse que ia me processar por plágio. Eu rebati dizendo “gata, se você for mesmo quem você diz ser, deixo fazer comigo o que você quiser”). Ela é uma gracinha, mas super novinha, nasceu no ano que eu comecei a fumar! Ou seja, é quase um bebê, seria incesto (não seria?). Seria, sim.

Mas o refresco que eu gostaria de comentar é o fato de que, passadas várias semanas, e eu faltei quase nada desde que comecei a malhar porque sou maníaca, obstinada, assumo meus compromissos sem falha, já consigo ver que puxar ferro e levantar peso resultaram em um corpinho um pouco mais forte e os resultados na corrida já são sentidos. Quer uma prova? Duas semanas atrás eu cheguei 12º lugar na categoria feminina, numa corrida de 6km aqui na cidade. Eram 70 mulheres e eu era a mais velha entre as 20 mais rápidas. Na classificação geral fiquei em 17º, de 172 corredores. Ganhei até outra medalha! Achei bom!

Amanhã eu não pretendo ser rápida. Quer dizer, meu objetivo é terminar em menos de 2h15, se possível, que é o menor tempo que eu já fiz, mas honestamente, terminar já vai ser uma enorme conquista (como foi a São Silvestre, ainda que hoje eu me ache uma tartaruga naquela ocasião). Quando tem mais gente é mais legal do que correr sozinha, a energia anima, empolga, libera a adrenalina mais cedo, tem horas que até arrepia, é muito bom, faz muito bem. As ruas fechadas para o trânsito também ajuda bastante, embora eu sempre aproveite para dar uma descansada quando atravesso ou tenho que fazer uma pausa por causa do semáforo. Mas acredito que vai ser bom, já pintei meu cabelo de rosa e minha unha de vermelho, que é a cor da camiseta. Estou empolgada, vai ser legal correr na avenida aqui do lado de casa, que faz parte do percurso, nos dois sentidos.

No ano passado, lembro que peguei carona nessa mesma corrida, coincidiu de estar saindo cedo num domingo e me juntei ao pelotão. Na ocasião pensei: “cara, quem corre 21 quilômetros é capaz de tanta coisa...!”. Um ano depois te digo que não sei se consigo “tanta coisa” assim, mas ó: 21 eu consigo! Já posso até me chamar de meia maratonista.

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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