Um show de resenha
No fim de semana passado fui ver o Djavan num show, lá em São Paulo. Durante
o isolamento social decidi que quando a Covid-19 passasse eu criaria memórias
em passeios assim. Nessas, já vi a diva Marisa Monte (duas vezes) e agora o Djavan,
no show mais lotado até aqui.
É curioso e interessante voltar a frequentar lugares habitados por outras
pessoas, depois de tanto tempo socada aqui dentro de casa. É bastante
estressante também e me gera mil tipos diferentes de ansiedade – antes e durante
o evento, uó. E ao contrário do segundo show da Marisinha, que fiquei sentada,
linda, depois de ganhar um par de ingressos do meu cunhado, um dia antes da
apresentação, nas outras duas ocasiões fiquei na pista. Eu, que não chego a
1,60m.
Antes da pandemia começar, quando nem parecia que o mundo ia passar por
esse imenso trauma coletivo, o último show que eu tinha ido foi do System of a
Down, no Anhembi, em setembro de 2015. Foi uma época muito (muito!) tumultuada
da minha vida, antecedeu alguns anos de ostracismo, numa depressão que vez ou
outra ainda dá as caras por aqui. E naquela oportunidade maravilhosa, foi o
melhor show que já fui, até entrei na roda dos chutes quando tocou Chop Suey,
preocupações com aglomerações estavam bem distantes do meu radar. Hoje parece
absurdo, mas vivíamos de um jeito despreocupado e não usávamos máscara nem
quando íamos a um hospital. Ou seja, de lá para cá, um caminhão de mudanças
passou por cima de mim (por cima de nós, sim, mas é inevitável não falar de
modo subjetivo e em primeira pessoa nessas horas).
Voltei a frequentar muvucas depois de um hiato de alguns anos, porque sempre
tive o hábito de participar de manifestações (2013 “eu fui, eu tava”,
mas antes disso já bati muita perna em protestos de variados tipos), quando
comecei a correr. Que parece coisa antiga, mas é mania recente, estou há um ano
e meio nessa lida, contabilizando 14 corridas oficiais, que é quando junta um
monte de gente com roupinha igual e número de identificação no peito que revela
quantos quilômetros cada um vai encarar. Em situações assim não tem como fugir
do mundaréu de gente porque sair muito longe da largada é um pouco frustrante,
acredite, eu já tentei. Mas ao contrário de show, existe uma perspectiva pelo
menos de se sair do lugar. Quando dá a hora, quando literalmente é dada a
largada, geral sai correndo, porque esse é o objetivo.
Agora, show, não. Show é diferente. A começar que esses que fui nem foram
em locais abertos.
Eu faço o tipo pontual, detesto me atrasar para eventos de qualquer
natureza, acho uma grosseria, uma falta de respeito e até mesmo um pouco de
desleixo, então chego cedo nos eventos que frequento, principalmente quando são
em São Paulo, que uma variedade de situações pode te atrasar para absolutamente
tudo. Gosto de chegar com tempo, sem estresse, na tranquilidade, sabe? Mas
mesmo assim, quando chego na casa de shows várias pessoas já chegaram antes de
mim, de modo que é impossível ficar perto do palco. E gente grande... não, não
vou colocar assim porque soa infantil. Pessoas altas não têm muita noção de
espaço, ou do próprio tamanho, ou que há pessoas menores atrás, e metem o louco
e se enfiam na sua frente sem dó, foda-se, te vira.
Esse é um dos principais inconvenientes de querer “criar memória indo em
show”. O segundo é que as pessoas não sabem mais apreciar uma boa apresentação
musical. Djavan está aí com seus 74 anos esbanjando saúde e vitalidade, fiquei
passada com o pouco que pude ver, e poucos viram o que vi porque a maioria
(juro, a maioria!) estava preocupada demais filmando trechos do show em lives
trêmulas e desfocadas, ou em vídeos tortos que duvido que depois alguém vá ver.
Eu, que sou pequena, ao olhar para cima, na ponta dos pés, enxergava um mar de
celulares levantados, erguidos por pessoas que deixaram de aproveitar o
presente por estarem presos demais em necessidades esquisitas que dificilmente
vão trazer algum tipo de satisfação no futuro.
É impossível não julgar nessas horas, o que torna nítido e cristalino que,
em sociedade, em contato com o outro, fora da minha casinha, é muito mais
difícil evoluir na vida. Complicado... como dizem por aí: “olha, vou te contar,
viu!”.
No fim, assisti o show pelo vão de cabeças altas, que a depender do ritmo
que dançavam, deixavam o telão acessível aos meus famintos olhos. Mas vi muita
coisa também pelos dois celulares da minha frente, erguidos por duas amigas que
não cantaram nem uma música sequer. Talvez para não estragar o vídeo, vai
saber.
Para o próximo evento, já decidi: quero assistir Lulu Santos sentadinha em
algum mezanino. Eu mereço, né?
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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