Rotina de trabalho
Já comentei aqui, inclusive em mais de uma ocasião, a respeito da minha procrastinação. É, tenho mania de procrastinar, um costume que, por sinal, é bem macio e redondinho, especialmente se comparado à rudeza e à aspereza da palavra e do próprio conceito de responsabilidade (que deveria servir de barreira para as minhas velhas e conhecidas enrolações rotineiras, mas não serve).
Durante muitos anos, quase que a vida inteira, vendi minha hora de
trabalho para empregadores que todo começo de mês me pagavam uma determinada
quantia pelo meu serviço produzido. O mundo capitalista é assim, nada novo no
horizonte. Paralelamente, fui fumante por quase duas décadas e nessa época o
cigarro era minha válvula de escape preferida para procrastinar. Teve emprego
que eu saía pontualmente de hora em hora para fumar; houve outros em que fumei
a cada meia hora, 40 minutos. No meu último emprego formal, eu saía para fumar
no meio da tarde e ficava vendo aquela gente a caminho do parque do Ibirapuera
e pensava como era possível ter uma rotina assim. Quem são e o que fazem as
pessoas que vão ao parque durante o horário de expediente? Aí ficava lá,
refletindo, enquanto a hora passava.
E nem vou entrar no mérito do “cocô remunerado” porque sempre tive
problemas que me levam ao banheiro com uma frequência ridícula, mas deixo
registrado mesmo assim o prazer de se ganhar para cagar. É a melhor forma de se
aliviar, na minha humilde opinião (opinião de quem tem síndrome do intestino
irritável e sente debaixo da pele certas comidas fermentarem logo após serem
ingeridas).
O problema é que hoje, já há alguns anos (quase dez, para ser exata), eu
sou quem me paga o salário, sou quem fiscaliza minhas horas de trabalho e
também sou a responsável pelas cobranças, quando a procrastinação excede a
tênue linha do aceitável (se é que existe). Só o que não mudou foi o meu
costume de enrolar. Esses dias, para você ter uma ideia, enquanto enrolava
fiquei pesquisando na internet os custos para fazer uma caneca escrita “eu amo
procrastinar”. É desse nível para baixo.
Mas é claro que o fato de trabalhar por conta não significa que eu não
precise enfrentar trabalhos chatos que, a depender só da minha vontade, eu sinceramente
nem faria. Na verdade, acho até que engulo mais sapos hoje do que antigamente,
porque em tempos passados eu sempre podia terceirizar, ou renegociar os prazos
quando o tempo eventualmente se excedia. Hoje, ao contrário, me esforço até
para entregar os trampos antes da hora, só para evitar fadiga e chateação de
qualquer ordem.
Uma pena que “me esforçar” nem sempre seja sinônimo de “conseguir”. Prova
disso é que larguei aqui o trabalho no meio do nada e fui varrer minha casa.
Claro, quem é que consegue se concentrar com o chão sujo? Eu não consigo. Muito
menos sabendo que a pia está cheia de louça, por isso lavei tudo, depois de
varrer a casa. E ainda que seja ecológica e favorável a deixar a água evaporar,
guardei cada prato, cada copo e cada talher só para não ter que trabalhar.
Aí acabaram as atividades domésticas. Meu apartamento é pequeno, moro
sozinha, não é toda semana que lavo janelas e tiro pó de lustres. Não posso nem
disfarçar e descer para varrer a calçada, como jovens senhoras da minha idade
gostam de fazer, porque mais cedo fiquei na janela vendo daqui de cima a
faxineira varrer lá embaixo (e, se você quer saber, ela enrola mais que eu!
Foram 14 minutos varrendo 2cm de chão! Juro).
Esta moça que digita, na vida real também é a moça que revisa, e às vezes
minha vontade de ser uma adulta responsável comprometida ao ponto de vestir a
camisa da minha empresa é tão pequena e tão insignificante que meu desejo, de
verdade, é deitar em posição fetal e chorar. Ou fantasiar sobre dias em que não
preciso ser tão consciente dos meus afazeres.
É nessas horas que me forço, me obrigo, me levo à força para a frente do
computador e ordeno: “vai! Trabalha agora!”. Aí trabalho, sob a singela melodia
de choro e ranger de dentes, é verdade, mas trabalho. E para você confesso que às
vezes o trabalho em questão não me ajuda. Tem vez que leio uns textos tão
aleatórios que viro e reviro os olhos, em julgamentos paragrafados. A trilha
sonora nesses momentos é a minha voz com sotaque dizendo “aff, que bosta. Que-bos-ta!”.
Eu julgo, me julgue por isso.
E é chegado este momento do meu dia. Hoje, quarta-feira, vou ter que
fazer um trabalho que desde segunda estou enrolando para começar. Não tenho
mais nada para fazer a não ser isso, cujo prazo vence amanhã. Ou melhor, até
tenho, mas me recuso a varrer o chão de novo (e essa crônica já está no final,
então seria tudo o que eu poderia fazer, após concluí-la).
Por sorte, ainda que eu seja muito reclamona e demasiadamente resmungona,
sou a única a me ouvir e é comigo que comemoro cada barreira de labuta vencida
e ultrapassada. Ultimamente essas comemorações envolvem largar tudo no meio da
tarde e ir malhar, foda-se. Hoje eu sou aquela que vai ao parquinho à tarde, em
dia útil. E agora você sabe a que custo.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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