Há luz!

 

Recentemente entrei numa nova brisa: decidi fazer coisas diferentes, depois de me sentir tão cansada de sempre ter resultados iguais. Parece bobagem, ou algo simples, mas vou te dizer que na real foi bem difícil. É bastante complexo quebrar paradigmas pessoais, quem já se encarou de frente alguma vez talvez saiba do que estou falando. Mas agora confesso que fico aqui pensando que no fundo também nem é nada muito complicado, se forem considerados os refrescos do caminho. O meu, enquanto escrevo estas palavras, resume-se a uma deliciosa vista verde de pós-chuva, ao som de pássaros que cantam línguas que não entendo, mas admiro e aplaudo cada som, cada melodia ao longo do dia. Sou uma prisioneira deste apartamento, mas ainda assim insisto em me convencer de que sou merecedora por estar aqui, por viver aqui. A vista da minha janela vale cada minuto de procrastinação e “prisão” na minha vida.

Mas tudo isso eu falo isso agora, claro. Agora, que estou no futuro de um presente recente que já está marcado no meu passado como uma lembrança importante, uma memória forjada no couro da minha existência. Agora, que vejo que existe poesia em absolutamente tudo, que somos realmente personagens de muitos enredos, que daqui nem dá para ler. E é uma delícia conseguir falar essas coisas porque me dá ainda mais a impressão de página virada de uma história tão difícil. “Passou, é passado”, como diria certo alguém por aí. E depois que passa e o peso cessa, a sensação é realmente de “agora vai”. Agora vou!

Sinto que nos últimos anos eu me segurei num capítulo meu que já passou há muito tempo, em alguém que já nem sou mais. E é complicado quando é preciso se desvincular de quem você é, inclusive como parte de um intrincado mecanismo de defesa, de um labiríntico instinto de sobrevivência, que foi o meu caso. Eu tive que me desgarrar de mim de um jeito quase ilógico, que começou com a minha saída de um endereço que até aquele momento eu chamava de lar. Sair de casa pareceu o fim de um processo que, na verdade, foi só o começo de muito. O começo de tudo, melhor dizendo; de tudo até aqui. Até semana passada, para ser mais exata e fiel à realidade temporal.

Em muitos momentos durante todo esse tempo a sensação que eu tive foi de flutuar. Flutuei durante dias, por semanas que se emendaram em meses, que viraram anos. Mas jamais voei, que fique claro! O verbo mais correto seria “despencar”. Despenquei, infinita e continuadamente, num abismo que se abriu dentro de mim, cuja fissura é quase palpável até hoje, se olhar direito, capaz até de dar para ver. Nisso, fiquei perdida, presa em encruzilhadas do passado que se arrastaram e me afogaram. Não sei se um dia vou encontrar palavras que consigam exprimir tamanha escuridão.

Aí fui ter um encontro com o mar. Nessas, de estar determinada a agir diferente para ter resultado diferente. Levei sete anos e sete meses para finalmente pisar num chão que meus pés não tocavam há exatos dez anos, num lugar tão maravilhoso, que naquela manhã estava todo emoldurado num céu brilhantemente azul, desenhado por nuvens que riscavam a imensidão salgada pela brisa da maresia. É poético depois que passa, como eu disse.

Recentemente descobri que a dor de um luto dói para sempre, e saber disso foi um pouco libertador porque acho que no fundo eu cultivava um desejo de um dia acordar e, ao abrir os olhos, não sentir mais esse buraco dentro de mim. Saber que isso jamais vai acontecer consola só porque passei a focar a conviver com isso, então. Tem gente que pega animal selvagem para ser pet, eu cultivo a minha dor. Um monstrinho que vai sempre estar aqui. Aqui e agora lá.

Nossa praia secreta agora abriga as cinzas de alguém que me fez voltar a um lugar mágico, e que ficou ainda mais fantástico agora que finalmente consegui atender seu último desejo, deixando no mar, na areia, marcas iguais às que existem no meu coração.

E sempre que eu voltar, e eu vou!, vai ser para agora me banhar em águas nossas. Nosso simbólico ponto de encontro.

*

Queria que meu amor fosse o mar

Para navegar em você, deslizar

Ao desancorar, ia desembocar em nós

 *

Sorte e sol, Raquel.



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