Confia

 

No final do segundo mês do ano, pela primeira vez em 2023 me sobra dinheiro na conta bancária e eu me vejo obrigada a gastar mais de 300 golpes na farmácia. Em remédios! Não, e pior: não bastasse ter que despender uma grana alta, um dos medicamentos é sublingual, sabor “morango”, e o outro é mastigável, sabor “laranja”. Agora engulo três comprimidos por dia para tratar do intestino zicado e outro bem cedinho, em jejum, para tratar do estômago zoado. Aí chupo dois comprimidos de morango, de vitamina B, um de manhã e outro à noite, e depois do almoço mastigo um comprimido laranja de probiótico, para fortalecer minha flora intestinal (que eu gosto de imaginar como soldadinhos de merda, que protegem nosso campo de batalha chamado microbiota).

Cara, ser adulta é uma bosta, eu preferia ter gastado esse dinheiro em outras coisas... Por exemplo, em comidas, em doces que não posso comer, em cervejas que não deveria tomar, em drogas, em tênis, em roupa para academia, que agora eu frequento, em qualquer caralhos que não fosse na farmácia. Ou até gastaria na farmácia, mas em xampus, em sabonetes, em cremes e coisinhas infinitas que adoro comprar, mesmo sem precisar (tipo aqueles estojinhos, lencinhos e outros inhos que ficam dispostos nas prateleiras, servindo como armadilha de pegar trouxa, sabe? Sou presa fácil, o sonho do marketing porque me seduzo fácil pelas embalagens, acredito nos slogans e sou apaixonada por caixas, caixinhas e toda e qualquer embalagem bonitinha que depois sirva para guardar alguma coisa.

Mas não. Investi meu suado dinheirinho em medicamentos que prometem um bem-estar que, daqui, confesso que parece até utópico. Mas a promessa é boa, literalmente promissora, minha esperança é não passar mais tão mal daqui 85 dias, quando acaba o tratamento todo. Até lá pretendo terminar de comprar o que ainda falta, como a meia de alta compressão que, diz a médica, eu tenho que usar “da hora que saio da cama até o momento de dormir”, inclusive quando for correr, então tem que ser duas meias. Estamos falando de mais de R$ 500. Nunca a frase “invista em você” me pesou tanto!

Só que é aquilo, né?, se não for eu a fazer isso, quem é que vai?

Semana passada, quando eu estava lá na fila da farmácia me sentindo derrotada por ter que raspar todo o dinheiro do meu saldo em comprimidos que consegui equilibrar em uma só mão, dei uma de “papagaio de pirata” e repeti aquilo que geralmente a gente fala, quando gasta muito dinheiro. Falei: “vou deixar meio rim aqui para pagar tudo isso”. Qual não foi minha surpresa quando o mocinho do caixa disse que ele só tinha meio rim.   

Até pouco tempo atrás eu considerava um pouco egoísta pensar que sempre tem alguém pior que nós, em qualquer nível ou escala que se esteja falando, porque me parecia que isso era usado como justificativa para eu não reclamar de algo (e eu adoro reclamar). Mas aí o cara do meio rim me fez pensar que tudo poderia ser tão pior, que por causa disso reclamei só mais um pouco nos dois dias que se seguiram e daí parei.

Às vezes acontece de eu ter um bloqueio criativo, e aí fico bem atenta a tudo o que se passa à minha volta durante esse período, porque sou a “garota dos sinais”, fico achando que tudo pode ser brecha para virar história e, assim, eu destravar. Mas a verdade é que mesmo quando não posso usar os eventos da minha vida para rechear minha deliciosa ficção, há muitas mensagens em todos os cantos, por todos os lados, o tempo todo. Ultimamente vejo uma que diz: “Confia!”.


Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.


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