Vai correr!

 

Enfim chegamos a 2023, mas não tem jeito: nessas primeiras horas do dia, os assuntos do ano passado ainda repercutem do lado de cá da linha do tempo. Junto com as sete ondas puladas à meia-noite (não por mim, que dormia em berço esplêndido no momento da virada, do jeitinho que vim ao mundo), estamos todas mergulhadas até a cabeça nas marolas dos eventos políticos recentes: o capetão fugindo, Lulinha assumindo, e as emoções que o lado de cá e o bando de lá reverberam Brasil adentro e país afora. Minha principal expectativa, nesse primeiro dia de ano novo, é assistir à posse presidencial pela internet, já que não pude ir até Brasília. Ou seja, vou ver de camarote, curtindo um excelente serviço de quarto (prestado por mim mesma, no conforto do meu lar).

Em tempos onde o fascismo impera, eu acho um pouco arriscado dizer que sempre fui nacionalista, mas confesso que sou patriota. Do tipo raiz, que fique claro! Sempre gostei de ser brasileira e a vida toda achei que acompanhar o noticiário é muito mais legal do que assistir novela. Fui editora de política e depois de economia nos anos dos governos petistas, e estes sempre foram temas que me interessaram – até hoje, já tantos anos depois que me desviei do jornalismo. Mas acho que até quem não gostava passou a se interessar pelo assunto durante esses anos de trevas que o Biruleire nos proporcionou, goela abaixo. E viver agora a “página virada” desse tumultuado capítulo da nossa história é muito aliviante e satisfatório.

O que também é muito prazeroso é o motivo que me impediu de viajar para a capital federal nesse dia primeiro de janeiro. Sim, porque obviamente eu adoraria vivenciar essa experiência de festa nacional, de união popular, de fazer parte desse cortejo tão importante que vai ser lembrado por anos e anos. Não me assustei com a distância de quase 12 horas de viagem, ou com os mais de 950km de estrada para chegar até o Planalto. Nem mesmo a passagem de 500 dinheiros, só para ir, me atemorizou. Eu iria, encararia, parcelaria, foda-se. Daria um jeito. A gente sempre dá, quando quer muito alguma coisa.

O problema é que, como dito, à meia-noite do “ano bom”, como diria minha avó, esta que vos fala estava lindamente deitada em sua cama quente, enrolada num edredom que tem seu cheiro, como se não houvesse amanhã, ou Réveillon, ou verão e calor. Acordei com os fogos de artifício, um pouco atordoada, sem entender o que estava acontecendo (uns rojões pareciam estourar dentro do quarto), não sabia direito nem quem eu era, onde estava, o que fazia e por quê. Depois de alguns segundos, me lembrei que meus vizinhos estavam em festa, já era meia-noite, aí levantei para apagar as luzes que ficaram acesas, quando dormi sem querer pouco depois das 20h. Ao afofar o travesseiro, o pensamento que me veio foi de plena satisfação por estar aqui, comigo. Voltei a dormir embalada pelos gritos bêbados da redondeza, e acordei sem ressaca.

Na virada de 2022 para 23, fui dormir exausta. Plenamente cansada. Afinal, foi um ano inteiro de treino, mais de mil quilômetros corridos em ruas quentes, em dias frios, em manhãs de sol e de chuva também. Foi muito suor, muitas calorias queimadas, gastei muita sola de um tênis que resistiu bravamente aos meses que antecederam a 97ª Corrida Internacional de São Silvestre. A prova que mudou a minha vida.

Eu fui uma entre as mais de 35 mil pessoas que lotaram as ruas fechadas de São Paulo, num trajeto que anualmente é transmitido na TV, com narração ao vivo. São Pedro colaborou com os corredores, dando trégua a uma chuva que beirava a tempestade, a semana inteira. O céu azul, bem claro, permitiu que sol brilhasse com força nas duas horas do meu percurso, que terminou com um sorriso que agora até parece que volta, quando me lembro. Foi muita emoção vencer esse desafio que me propus um ano atrás, ao mesmo tempo realizando um sonho de infância.

Primeiro, estar ali foi absolutamente excitante. É um mar de gente, e um povo muito animado, mesmo tão cedo. Em dado momento, antes da largada, um corredor foi aberto no meio da multidão, e por ali passaram várias cadeiras de rodas adaptadas para corrida, empurradas por uma galera digna de aplausos – e arrepio! Não fui a única!, à minha volta várias pessoas se arrepiaram também, porque foi foda! As palmas duraram vários minutos, enquanto eles passavam no meio de nós.

Minha playlist montada para treinos, focada especialmente na São Silvestre, começou a tocar antes mesmo da saída, quando finalmente começamos a andar, uns 15 minutos depois das oito, horário oficial da largada para o pelotão geral, onde eu estava. A corrida mesmo se iniciou um pouco depois, umas 8h45. As músicas tocaram os primeiros cinco quilômetros inteiros, minha corridinha acompanhada pelas duas fofuras que me convidaram para esse evento, em janeiro passado. Foi a primeira vez que nós três corremos assim, juntinhas, e eu adorei! Mas nos perdemos ao subir um viaduto, um pouco depois da Avenida Pacaembu, quando elas quiseram andar e eu segui correndo. Isso fez minha prova ser dividida em duas, meio que, porque sozinha passei a acompanhar meus passos, no meio da massa. Corri 1,5km a mais, só desviando das pessoas à minha frente. Aí me refresquei no segundo posto de água, e molhei sem querer o celular; o aplicativo de música ficou meio doido, parou de tocar, ficava pulando de faixa. Tirei o fone, me concentrei num Mario Bros e fui!

Vi um dinossauro correndo. A Pâmela Anderson, vestida de SOS Malibu. Vi um Chaves e uma Chiquinha. Várias minas de sainha, tipo fadas. Vi um Ayrton Senna e uns três Pelés. Vi duas bandeiras de Pernambuco e uma placa de Rio das Ostras/RJ. Vi até distribuição gratuita de cerveja, na subida da Brigadeiro. Vi muita gente aplaudindo nas calçadas e várias gritando – incluindo quem corria. Nessas horas, todo mundo se ajuda. “Vai, não para não, já estamos chegando...”.

Corri em frente ao lugar que a Raquel fez tratamento, na Dr. Arnaldo. E ao lado de onde ela foi velada, no Cemitério do Araçá. Passei por avenidas que eram dela, que viraram nossas e que hoje não são de mais ninguém. Corri pelo centro que ela tanto gostava, pela avenida cujo nome era sua data de aniversário, circundei locais que hoje só sei a história porque um dia ela me contou: a Igreja da Sé, o Theatro Municipal, o Viaduto do Chá, o Shopping Light, o Vale do Anhangabaú e até o Bar Brahma, na São João, perto do cruzamento com a Ipiranga. Ressignifiquei, com um pace baixo, endereços que por tantos anos foram tão doídos. Meu desejo agora é que a cidade ganhe um novo sentido!

Em vários momentos eu quis chorar. Não só de tristeza, nem só de saudade, mas de emoção, muita emoção!, por me sentir viva, no sentido mais profundo dessa palavra. Correr é algo que exige, além de treino, muito foco na respiração. E eu corro sempre na brisa, então parece sempre que vou morrer enquanto estou correndo, quando é só meu sistema cardiorrespiratório sendo oxigenado por um bom e meditativo exercício físico. É simplesmente meu corpo sendo agraciado por generosas doses de endorfina, dopamina e serotonina. Mas tem também uma energia coletiva, compartilhada. Ainda que soe contraditório, em corridas assim, quando não se é atleta, você disputa unicamente com você mesma. E no fim, todo mundo ganha. É muito gostoso e muito satisfatório. Tanto que já estou de olho na 98ª edição, em dezembro do final deste novo ano.

Meus preparativos esportivos em 2023, porque este é um hábito que não pretendo abandonar, incluem me fortalecer em alguma academia enquanto treino para o inédito desafio das meias maratonas. Em junho quero estar tinindo nos 21 quilômetros! É quando tem a corrida aqui na minha cidade, o trajeto passa do lado de casa.

Antes de encerrar essa crônica, te desejando tudo de mais maravilhoso e colorido, na esperança de que tenhamos um bom ano, eu gostaria de prestar uma singela homenagem às incríveis super mulheres que me acompanham nas corridas, desde o início. Primeiramente, a Lia, de Escrito na Gazeta, minha primeira corredora, fonte de inspiração maior, meu querido gatilho para pôr o tênis e sair nos primeiros dias. Depois, Luana e Nicole, que não se conhecem, mas que correm juntas nas páginas da Novelinha, me dando insights para novos enredos, motivos para não desistir e persistência para continuar. Por fim, minha fotógrafa de provas preferida, Estela, que na minha cabeça esteve lá na São Silvestre ontem, atrás da lente de alguma câmera, invertendo nossa deliciosa ordem de criadora e criatura.

A você que me ouve e que lê, te desejo muito amor! E um conselho: vai correr!

 

Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.

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