Crônica do dia
Já faz uns anos que peguei mania de acordar cedo. É, sei lá o porquê,
desperto antes de o dia começar, e não há nada que me faça voltar a dormir.
Isso começou por volta de novembro de 2019 e eu, a “garota dos sinais”, fico
achando que foi uma espécie de preparação premonitória para o isolamento social
que de certa forma ainda rege meus dias hoje, quase três anos depois de ter
começado. A pandemia afetou demais a qualidade do meu sono e não só isso,
convenhamos. Se eu disser que estou sã, estarei mentindo. Na real, acredito que
até aqui só não enlouqueceu quem já era maluca lá atrás. E eu já nasci doida!
No começo eu não fazia nada, exatamente. Ou fazia tudo: faxinava, areava
as panelas, limpava as janelas... Só depois depois de muito tempo comecei a
aproveitar as primeiras horas da manhã para correr, porque essa mania é
relativamente recente na minha linha do tempo, e eu já disse algumas vezes o
quanto essa atividade me salva (de mim mesma! Eu sou uma inimiga implacável,
socorro). Mas claro que, embora tenha milhares de benefícios, o espelho
comprova só um deles, não é todo dia que sou tomada por aquela vontade gostosa
de calçar o tênis e sair correndo por aí, suando que nem uma camela debaixo do
sol campineiro. Na verdade, segundo os vídeos que o Instagram agora insiste em
me mostrar, correr tem mais a ver com disciplina do que com gosto, propriamente
dito. Por sorte, sou bastante disciplinada (obsessiva, minha psicóloga diria),
mas às vezes acontece de a minha chavinha virar, e aí, minha amiga... nem a
sedução da endorfina me conquista. Tipo hoje.
Hoje acordei cedíssimo (por volta das 5h30) e o dia estava lindo: céu sem
nuvem, tempo ameno, uma manhã perfeita, embora seja o horário que os coxa
aposentados também saiam para a caminhada matinal aqui na minha quebrada (de
burguês). Em geral, quando corro, levanto antes das cinco, mas nada me impede
de sair depois, mesmo sendo dezembro e antes de dar oito horas já esteja
fazendo um calor do cão. Mas nem foi o horário que me desanimou, não: fui eu
mesma, com a desculpa de ser produtiva. Me convenci de que, ficando em casa, já
poderia adiantar o trabalho e escrever. Que é trabalho, também.
Ontem foi feriado aqui na cidade e minha programação era bem simples:
correr e escrever. É muito louco como acontece o processo criativo (como diria
o meme: “empolgante!”), porque correr, até que corri, mas quanto a escrever...
talvez no astral, quando me desdobrei nos diversos cochilos que me permiti ter
ao longo do dia. A cada vez que acordava, meu cérebro gritava: “é feriado, foda-se,
descansa”. Esse tipo de desculpinha me impede de fazer cada coisa... eu me
permito a cada brecha que, olha, se fosse te contar, seria um livro inteiro só
falando disso. Me permito a certos luxos, sabe? Tipo “dorme, cê correu pacarai...”,
ou a clássica: “pode comer pão, sim, depois cê arca com o preju...”.
Hunf. É cada cilada que não preciso de adversárias; eu sozinha já dou conta do
recado!
Bom, aí desisti já bem cedo de correr para poder trabalhar e escrever. E,
veja, essa é a mágica da coisa, porque quando liguei o computador, simplesmente
eu abri o arquivo errado, num ato falho – ou não! Em vez de clicar no livro que
estou trabalhando como escritora fantasma, abri meu conto de natal para o
Lettera. Ainda não tinha nem terminado de ler o primeiro parágrafo e já me vi
diante de um novo documento em branco, prontinho para escrever essa crônica. Nem
sabia inicialmente qual seria o assunto e, até esta linha, esse texto ainda não
tinha nome, mas já tinha capa, porque minha cabeça é meio alucinante no quesito
criatividade. Ou seja, mirei um, acertei outro, mas levei para casa um
terceiro. E parei de escrever umas 700 vezes para fazer outras 500 atividades não
planejadas e não necessariamente relacionadas.
Ainda é cedo, não são nem nove horas, mas sinto como se metade da minha
manhã supostamente produtiva tivesse escoado sem que eu tivesse o menor
controle sobre mim, porque fiquei aqui batendo cabeça nas paredes do quarto,
decidindo o que fazer, sem efetivamente fazer nada. Para ajudar, minha irmã
acaba de me chamar para ver o jogo na casa dela (sim, parece que está rolando
Copa do Mundo). Usou como argumento de convencimento piscina e água de coco.
Ó! Consegue ouvir? Sou eu, me convencendo aqui dentro de mim a tirar mais
um dia de folga. “Essa vida só se vive uma vez!”.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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