Reflexões de aniversário

Algo de muito estranho e cabuloso aconteceu! Em pleno dia 23 de novembro de 2022 não caiu do céu nem uma gota sequer, como ocorre em todos os anos, sempre nesta época, pontual e cotidianamente. A chuva, que se fez presente em 39 dos meus 40 aniversários, desta vez não deu as caras e sua ausência só pode ser sinal de alguma coisa. De que, especificamente, não sei dizer... mas toda ruptura quer dizer algo, concorda?

Que seja uma era de céus mais claros e sentimentos menos chuvosos, amém!

O céu aberto hoje me fez companhia numa corrida bem cedinho, saí da cama ainda estava tudo escuro, a vizinhança inteira dormindo e eu toda animada, tomando café de aniversário (o mesmo de todos os dias, mas hoje com sabor de quatro décadas acumuladas no meu lombinho). Depois de 11 meses treinando com muita dedicação e afinco, para não dizer obsessão, me programei para chegar no meu aniversário de 40 anos em grande estilo, correndo sozinha (ou “correndo comigo”, que é mais apropriado) uma meia maratona. E corri! Foram 21 quilômetros de uma rota que já venho fazendo, mas de maneira fracionada. Hoje juntei tudo e embrulhei de presente para mim. Merecido. Parabéns!

Os termômetros marcavam 20 graus quando saí, às 5h40. O sereno ainda brilhava nos matos baldios, dando aquele brilho bonito ao comum, ao que é quase vulgar, mas que na luz certa fica parecendo mágico, divino, até! Era cedo, estava tudo quieto e dormente, e saí de casa pisando nas nuvens, naquela brisa boa que só o primeiro do dia proporciona. Como diria o Chorão, “só os loucos sabem...”.

No equilíbrio da corda bamba dos meus dias, sou uma corredora maconhóloga (termo que faz jus ao meu uso além do recreativo). Que contraste bom, me exercito e faço fumaça!

Tenho fôlego para correr, caso esteja se perguntando. Teria mais se não fumasse? Talvez, mas isso jamais saberemos.

Correr brisada é ótimo, ainda que pontualmente eu precise me lembrar de que estou brisada e não morrendo (sempre acho que estou morrendo, mas é brisa, sempre). É uma experiência única, devo dizer. Hoje, porque era uma manhã especial (a minha manhã!) ou porque bateu mais forte, não sei dizer, em dado momento pareceu que ao meu lado circundavam milhares de borboletinhas incandescentes! Era só o reflexo dos primeiros raios de sol batendo na lente interna dos meus óculos escuros, mas até que eu me desse conta disso, me senti vivendo um momento especial.

Às vezes parece que se eu prestar bastante atenção nas coisas, consigo perceber alguns detalhes especiais, inseridos na rotina despretensiosamente, sabe? Uma frase aleatória numa camiseta de alguém que passa, uma música especial que toca no modo aleatório... Fico achando que é um sinal, uma mensagem, um recado, um conforto... Mas pode ser que seja só brisa também. Provável que seja.

Bom, mas o assunto hoje é o meu nascimento, lá no começo dos anos 80, Brasil entalado até a garganta com a ditadura e eu vindo ao mundo, lindah! Diz a lenda que quando nasci, às 5h20 da manhã (do horário de verão), na cidade de Salvador, Bahia, era tão miudinha que meu pai foi o primeiro a duvidar da minha força. Minha avó adorava me contar essa história, de quando meu pai se queixou de eu ser muito pequena, e ele ficou preocupado de eu não resistir. Mas minha avozinha disse: “ela vai resistir e vai ser uma pimentinha malagueta”. Minha querida avó, muito mais que profética foi minha fonte mais sincera de amor nessa vida.

Esse é meu terceiro aniversário sem receber ligação da minha avó bem cedinho (ela gostava de ser a primeira a ligar, e era a responsável por lembrar toda a família dos aniversários, de cabeça!)... Minha avó morreu perto de fazer 101 anos, no começo do ano da pandemia, como que anunciando o terror que viria pela frente. A vida ficou estranha sem ela, como sempre fica quando pessoas queridas e especiais nos deixam aqui.

Hoje no grupo da família todos me desejaram um cocô saudável. Minha avó é inteiramente culpada pelo nosso senso de humor bastante duvidoso!

Mas quero dizer que hoje é um dia de muita alegria para mim, é o meu dia, 23 de novembro (para a numerologia, número cinco. Perfeito!). Há 40 anos, comemorados hoje, que este é um momento do calendário que sempre me deixa feliz, me deixa ansiosa nos dias que antecedem, mas é aquela ansiedade boa, saudável, e fico assim mesmo que nas 24 horas da data em específico não aconteça absolutamente nada. Acontece muito, ainda assim, porque é meu dia, afinal.

Não sei vocês, mas eu adoro fazer aniversário. Sendo bem clichê, acho que é uma ótima oportunidade para se ponderar sobre a vida, fazer um balanço sobre a rotina, sobre os dias que vão se acumulando até que a gente faça aniversário de novo. É um réveillon particular, por assim dizer. Eu faço sempre minha lista de resoluções, as metas para a nova idade. “Surtar menos”, “agradecer mais”, esse tipo de coisa. Com o tempo, inclusive, sinto que fui mudando, mas esses desejos-bases foram sempre meio que se mantendo.

Para pessoas intolerantes, como é o meu caso, hoje pode até não ter refri, ou docinho e salgadinho... pode até faltar o bolo, as bexigas e o chapeuzinho, que ainda assim é um dia todinho de festa. Eu comemoro da hora que acordo até quando vou dormir (mas rolou bolo e coca-cola! Até assoprei quatro velinhas).

E hoje é especial, mais ainda, porque pela primeira vez faço 40 anos. Quatro décadas... é tempo pra porra!

É a tal “idade da loba”! Foda, porque lembro que quando ouvi esse termo pela primeira vez eu era muito criança, e as lobas eram mulheres muito velhas! Pois é, cá estou, 2022!

Não tenho lembranças muito frescas, obviamente, mas em 1992 eu era só um projetinho de gente, cheia de sonho e com muita vontade de mudar o mundo – ao menos o meu. No auge daquela infância, eu jurava que aos 40 seria super velha, e mesmo mergulhada num poço de criatividade, me faltavam ideias para imaginar como seria a minha vida. Mas eu já sabia o que queria para mim: e eu queria ser escritora. Aos dez, quando apaguei a velinha do bolo de festa, este já foi o meu pedido, que se repetiu no apagar das velas seguintes, ano após ano. Sempre foi meu pedido também ao ver estrela cadente, e sou uma pessoa de muita sorte, já vi várias (até tenho uma pintinha no dedo anelar que gosto de pensar que é uma versão para a “verruga no dedo” que nasce para quem aponta para estrelas! Sempre apontei, sempre olhei muito para o alto. Sou fascinada pelo céu desde que me entendo por gente – talvez até antes disso)!

Embora hoje em dia a terapia me contradiga um pouco, eu fui uma criança feliz, cresci livre num bairro que literalmente era todo mato, passei os dias subindo em árvore, foi muito bom.

O tempo passou e em 2002, quando completei 20 anos, já era muito mais fácil conceber o meu futuro, embora na ocasião eu ainda achasse que aos 40 anos seria uma completa pré-idosa. Ah, meus 20 anos... pudera eu ter acesso a pelo menos uma parte do otimismo que era minha principal matéria-prima nessa época! Vivia acreditando que já sabia de tudo, quando ainda não sabia era de nada! Hoje reconheço o quanto é confortável viver no aconchego de uma vida estável, muito embora em novembro daquele ano faltassem menos de quatro meses para minha filhinha nascer. Ser mãe, tão nova, mudou completamente o curso da minha vida.

Uma década depois, em 2012, comemorei 30 anos. Foi a primeira vez que comprei um creme anti-idade, que no fim terminou vencido dentro do armário, quase sem uso. Adultíssima que era, fizemos uma festa em casa onde eu bebi todas e, como sempre, queimei largada e fui a primeira a dormir. Embora próxima dessa minha idade atual, aquela foi uma fase quase de sonho, eu era muito diferente de quem sou hoje – e hoje, ser quem sou me distancia de todas as pessoas que eu fui e que serviram de ladrilho para eu cimentar este meu caminho. Poético!, mas é verdade.

Aqui em 2022, quase três anos depois do começo de uma pandemia inimaginável, parece que cheguei bem no topo da montanha-russa, chega a dar até um friozinho na barriga, porque a impressão que tenho é que daqui para a frente é literalmente “ladeira abaixo”. Em outras palavras, vivo o ápice da minha vida, o ponto alto dos meus dias. Se der tudo certo, biologicamente falando, tenho mais metade desse tanto de vida para viver.

“Biologicamente falando”, repito, porque se tem uma coisa que aprendi nesses 40 anos (40!) é que a vida é imprevisível. Que é importante a gente planejar, é claro, é importante sonhar, mas sempre com o pé no chão da terra firme dos dias instáveis, que não temos exatamente muito controle. Confesso até que evito pensar muito nisso porque é o tipo de coisa que me deixa um pouquinho na bad.

Aqui, no cume de mim mesma, não fico com aquele ressentimento que acomete algumas pessoas, que dizem “ah, se eu pudesse transmitir meus conhecimentos para o meu eu do passado...”. Não. Acho que “quebrar a cara” fez parte do meu processo de amadurecimento, da consolidação de quem me transformei, no fim, lapidada por uma série de ocorrências que fui obrigada a viver. Ter informações que me privilegiassem talvez me levassem para outro lugar, e sinto que estou onde deveria estar. Aqui me caibo, ainda que incomodada em tantos sentidos. E não estou falando só da questão geográfica, mas isso tem um peso considerável na minha balança.

Mas o que eu gostaria de fazer, e faço, se você quer saber, é pelo menos mentalmente dar a mão para mim, nos momentos mais trevosos que atravessei sozinha. Ou melhor, que atravessei acompanhada por mim, de tantas formas. Fico aqui com a certeza de que só mesmo eu seria capaz de me acompanhar nesses infernos e sou grata por estar comigo em todos esses momentos.

Em 2032, tal qual ocorreu em 2012, vou reconhecer que ainda não sabia de tanta coisa tão fundamental... mas hoje, aos 40, assim como foi aos 20, tenho as ferramentas que me ajudam a destapar o enigma da vida, me desvendando a cada passo como posso. Tudo o que sei me ajuda e me trouxe até aqui. Eu agradeço por cada dia, que veio como ondas, me movimentando mesmo eu jurando estar parada, estagnada. Nunca estive!

Este ano de 2022 foi bastante simbólico talvez porque represente bem esse movimento. De janeiro até aqui, corri mais de 800 quilômetros, sendo quase 200 só neste meu mês de novembro. Sagitariana que sou, há 40 anos que aniversario faltando coisa de um mês para o natal, para a época de festas que termina religiosamente com rabanada quente e corrida de São Silvestre transmitida na tevê. Desta vez estarei lá, internamente aplaudida pela coisiquinha que eu era quando mais nova, quando dizia que quando crescesse seria atleta.

Correr foi transformador meditativamente falando, funciona bem no controle da minha ansiedade, que é um monstrinho que me acompanha já há tantos anos. Está sendo um ótimo experimento social também, considerando que sofro de síndrome persecutória (um nome bonito para “mania de perseguição”). Acredite se quiser: corro achando que os macho me dão bom dia na rua só para me provocar. Falar isso deixa explícito o quão absurdo esse pensamento é, mas não é forte o suficiente também para me fazer pensar o contrário.

Não que eu saia de casa decidida a brigar. Imagina, longe disso! Quando saio, minha meta é correr o percurso que me propus (passível de mudar no meio do caminho, em geral, para mais) e voltar para casa em segurança. Só. Se der, ainda com água no reservatório (uma garrafinha, que corre presa na minha cintura). Mas sempre acontece de algum otário querer desalinhar meus chakras corredorísticos. Mano, eu estou correndo, será que nem nessa hora a mulher consegue um pouco de paz?

Não. E precisamos falar sobre essa dificuldade de ser mulher corredora, que começa já na vestimenta. Vejo uns macho correndo na ciclovia quase pelados, com tudo de fora, uns paninho safado fazendo vezes de vestes... sou obrigada a ver as tetinha dos cara de fora, sem reclamar... Mas eu mesma não posso me cobrir com um pouco menos de roupa porque mesmo bem vestida (no sentido de “bem tampada”) a galera olha.

(Não quero soar esnobe, parecer que me acho a gostosona, mas convenhamos que depois de correr tanto o ano inteiro, estou no mínimo gostosa. Esse parêntese é importante. Hoje estou fazendo 40 anos).

Inevitavelmente, fico pensando que tem gente que parece que pensa que a gente existe só para a distração deles. Cara, isso me deixa num estado que acho até que corro mais! “Bom dia”, eles dizem”, “me obrigue”, eu respondo. Já estou vestida, gente, o que mais vocês querem de mim?  

Inclusive, ainda nesse quesito roupas, deixo aqui registrado a facilidade que é ser homem, que vai muito além de poder correr pelado, sem risco de julgamento e estupro. Mulher tem a calcinha que entra que bunda, o short que não pode ser muito curto, a blusa que não pode ser muito colada, nem muito decotada! Eu corri vários meses de sutiã, brigando com a alça que ficava frouxa no meio do rolê. Quando passei a treinar uma quilometragem maior (agora minha média tem sido 14, 15km por corrida), o sutiã simplesmente passou a me ferir! Mais do que me marcar nas costuras, sei lá como, assou as minhas peitinhas... E os troço correndo tudo nu e ainda querendo que eu dê bom dia! Ah, macho...

Acho que já mencionei que tenho manias e manias, e na corrida minha mania é começar correndo aqui no quarteirão de casa. É pequenininho, serve para aquecer porque é uma subidinha, logo de cara, e sempre é uma ótima oportunidade para cumprimentar Jackeline, que fica parada ali na sombrinha, em frente ao outro prédio. Pois bem. Antes mesmo de eu terminar essa minúscula voltinha já faço a primeira parada (por sorte o aplicativo para quando eu paro). É quando dou a primeira puxada no short, que sempre sobe, mesmo quando é novo. Não que eu me importe que desse jeito fique com as pernas bicolor de fora, o problema é só o “de fora” mesmo. Vou ali com o olho no chão, mas o povo olha, fia! Me sinto assediada, às vezes, tanto que até mudo o trajeto quando mais à frente tem alguma aglomeração qualquer, de dois caras que seja. O assédio, ressalto, é silencioso, mas é verbal também quando me impõem um bom dia forçado (e ainda acham ruim que eu não respondo de volta! Bando de pau no cu).

E o curioso é que, assim como em tudo, mulher é maioria na pistinha de corrida. Mulher é maioria no ponto de ônibus da avenida, é maioria dentro dos carros indo para o trabalho logo cedo... Mas é essa minoria escrota, pelada, que quer causar e estragar o meu corre.

Tenho subido até um parque tradicional aqui da minha cidade, um antro de burguês, e lá só não é pior que a ciclovia de cima, cheia de coxinha, porque o espaço do Taquaral é mais amplo. Mas vai lá correr num domingo de manhã, quando todos os esportistas calçam os tênis, até quem não é esportista, para você ver só uma coisa. Quem anda emparelhado são os macho, quem cospe no chão são os macho, quem fica de assobiozinho são os macho. Acho uma afronta quando a gente passa e eles se viram para olhar! Quer olhar o que, seu filho de chocadeira? Me respeita, caralho!

Nessas horas sempre vem um conselho de mim mesma, vindo do meu alter ego ou algo que o valha, que diz “é teste, né”. É, é teste... falho em todos, quase. Ainda bem que pelo menos geram assunto, viram crônica, são parte dos pensamentos que me incendeiam no meu aniversário...

Espero que a nova idade me traga mais paciência para as pequenas injustiças do dia a dia (contém ironia), que eu me lembre de correr mais vezes de fone, com a música vedando todo e qualquer bom dia que me dão, e que eu aprenda finalmente a relevar a existência de seres abjetos que me incomodam pelo simples fato de existirem. Me desejo muitas corridas, incluindo as mais longas, que me fazem querer desistir de tudo e gritar no meio do caminho, especialmente quando a endorfina é liberada e todo o meu corpo se arrepia, provocando sorrisos sinceros de satisfação, que desaguam num cansaço gostoso, que embala meu sono e minhas noites.

Que caribu ganhe asas cada vez mais robustas, para alçar voos ainda maiores e mais altos, nos levando todas para mundos incríveis onde podemos exercer nossa sexualidade e toda a nossa existência de maneira plena, sem medos e sem receios.

Deixo aqui registrado meu amor por esse pseudônimo, que me abre tantas portas emperradas dentro de mim, me levando para longe do meu próprio marasmo, e me aproximando cada dia mais da minha verdadeira essência, do meu propósito nesta vida, que é contar histórias.

Às minhas personagens, dedico todo o meu amor mais incondicional, pela parceria e alegrias proporcionadas, e por todas as festas que vocês agitam dentro desse quarto, quando tudo parece tão quieto e tão silencioso.

À moça que digita desejo sorte, desejo sol, desejo muito amor e dias frescos – alguns, se der, à beira-mar. Eu sigo junto com você! Feliz aniversário para mim!



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