Já começou o futuro
Hoje escrevo apenas e especialmente para descrever minha felicidade. Ontem
finalmente liberei o grito contido, sofrido, entalado na garganta desde 2016,
época do fatídico golpe, mais ou menos quando esse pesadelo começou. Um pouco
antes, na tentativa de se “estancar a sangria”, o estrago feito pela Lava Jato,
foi feito “um grande acordo nacional”, “com Supremo, com tudo”, como diria o
profético Jucá, às margens de uma operação comandada por um juiz ladrão. O
resultado foi um impeachment que eu acompanhei num antro direitista, num bairro
rico do Rio de Janeiro. Queria dizer que quando o Biruleire deu seu voto, com
aquela declaração absurda a favor do bosta do Ustra, soltaram fogos de
artifício perto de onde eu estava, no caso, na festa de aniversário da minha
avó, num prédio na Barra da Tijuca. Mas seria mentira porque naquele dia,
acuada, não ouvi muita coisa além das batidas aceleradas e desesperadas do meu
próprio coração. Na ocasião, vale dizer, fazia pouco mais de um ano que eu
achava que o mundo tinha acabado; a viuvez me levou para realidades meio paralelas,
vivi durante um tempo em dimensões de absurdos realísticos.
A impotência que me derrotou naquele dia não cabe em palavras. Me senti despetalada.
Em 2018, na eleição em que o capeta disputou com o professor Haddad,
enfrentei um bloqueio que me mantinha já há três anos longe de São Paulo,
porque não tinha transferido o título eleitoral e não votar estava simplesmente
fora de cogitação, nem sequer pensei, para ser sincera. No primeiro turno, senti
dores de uma memória viva, revivida ao refazer o trajeto de metrô e caminhar
por ruas que tinham sido minhas, num bairro que já não era mais meu. Foi
sofrido, mas doeu mais voltar no segundo turno porque eu tinha operado
recentemente, precisei tirar o útero e um dos ovários e fui votar com a barriga
cheia de ponto, morrendo de dor.
Haddad perdeu. O cara mais votado foi um entrevistado frequente do Super
Pop, que aparecia sempre no CQC, sendo zoado.
Tiririca mentiu; pior do que está fica, e muito. Elegeram um miliciano
sem saber que enfrentaríamos uma tal de Covid-19 logo em seguida, em 2020, que
pegou geral “de calça curta” – menos o Centrão, que ganhou rios de dinheiro
enquanto enterrávamos mais de meio milhão de pessoas, só no Brasil. Rolou propina,
atraso em vacina, descaso, sarcasmo, negacionismo e mentiras, muitas delas,
chamadas de fake news. Parece nome de quadro televisivo de qualquer
programa vulgar que o genocida gostava de ir enquanto fingia ser deputado...
Quem nos dera se seu maior defeito fosse só isso.
Passamos por um mandato difícil, longo, que nos dividiu entre “eles” e “nós”
e nos atingiu de várias maneiras enquanto andávamos como alvos por ruas
frequentadas pelo ódio e pela intolerância. Diziam que a pandemia ressaltaria o
melhor de nós, mas por muito tempo pareceu que a vida queria era me provar que
eu estava certa o tempo todo: o mundo acabou se duvidar lá em 2012, os maias avisaram,
Hollywood também!
Brincadeiras à parte, hoje acho até que a realidade supera a arte. Porque
estamos aqui, né, sobrevivemos à História. E ontem foi um dia que certamente
estará nos livros. Falo sempre que é cansativo viver tudo isso, mas é uma
delícia que existam esses momentos de refresco.
Ao final das apurações deste domingo, o histórico 30 de outubro de 2022, berrei
a plenos pulmões da janela do apartamento – sozinha, mas junto de milhões de
brasileiros aliviados. Lula ganhou! Disseram que havia uma guerra entre o bem
contra o mal e parece que é verdade. O mal perdeu (para não dizer “se fodeu”!).
A noite toda cantei e dancei, sóbria, e rodopiei feliz, embalada na mais
sincera alegria. Dormi cantando e acordei cantarolando, e isso levou embora parte
da minha voz. Tudo bem, me sinto em paz.
A chuva por aqui chegou de madrugada e persistiu o dia todo, como se
lavando embora o ranço e o rancor que foi criado entre os nativos desta imensa
e atualizada Ilha de Vera Cruz. Minha festa, deixo registrado, está longe do
fim. Pretendo emendar o feriado de finados com o carnaval.
E sigo cantando: “Existe alguém em nós (em muitos dentre nós esse alguém) que brilha mais do que milhões de sóis e que a escuridão conhece também”.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
Entra na minha vibe, e vem comigo de Caetano
com A luz de Tieta <3
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