Raquete elétrica
Hoje venho aqui relatar um paradoxo curioso que permeia a minha vida, me
fazendo rebolar em cima de uma tênue corda bamba, com vendas que tampam parcialmente
o meu bom senso. Trago reflexões acerca da vida moderna de uma jovem lésbica de
quase 40 anos que ainda não aprendeu a lidar com certas adversidades do
cotidiano. É válido dizer que tudo nesta crônica vai girar em torno da minha
nova raquete elétrica, arma letal para insetos de pequeno porte.
Dito isso, me defendo afirmando que me considero uma verdadeira pacifista,
que não quer guerra com absolutamente ninguém. O problema é que, infelizmente,
por outro lado, tenho o pavio relativamente curto e me transformo em uma quase assassina
sanguinária quando estou com uma raquete elétrica na mão. Sou do tipo paz e
amor, mas amo matar insetos que colocam em risco a minha santa sanidade.
Desde que moro aqui, há quase cinco anos, precisei enfrentar três grandes
situações desagradáveis com seres que jamais foram convidados e que tampouco
são bem-vindos ao meu lar. A primeira foi cena típica de filme de terror. Literalmente!
Certa noite estava aqui vendo um filme tosco em que insetos mil apareciam na
casa do cara e do nada (juro!, do nada!), como se influenciadas pela trama mal
amarrada, começou a brotar barata aqui dentro de casa. Foi horrível, eu nem
terminei de assistir!, matava uma e outras duas já surgiam na sequência,
insolentes e desaforadas. Nem sei de onde vinham, mas certamente pertenciam à
mesma família, tinham todas os mesmos traços e o comportamento meio subversivo,
não se intimidando com as minhas chineladas. Precisei sair correndo no meio da
noite para comprar spray de veneno e várias armadilhas que ficaram espalhadas pelos
cômodos durante semanas, até que eu me esquecesse do trauma.
Aí você pode dizer “ai, detesto matar barata”. Mas eu também! Só que
morando sozinha, mi’amiga, a gente é obrigada a enfrentar nossos maiores
temores, não tem para onde fugir, não tem quem venha te socorrer nessas horas. Eu
constatei isso na primeira vez que me vi sozinha neste mundão de meu Deus, lá em
2007. Na ocasião, sentei a alguns metros da barata que não tive coragem de
matar e chorei, deliberadamente. Por sorte, a segunda já foi mais fácil e a
terceira foi um escorpião.
Voltando ao presente, depois do surto de baratas vindas de um filme de
terrir, foi a vez das formigas. Várias delas, das pequenininhas às cabeçudas,
das pretas às vermelhas, passando por aquelas que parecem aranhas. Na
adolescência eu dizia que faria uma camiseta escrito “sou contra o extermínio
de formigas”, mas quando elas invadem o seu castelo você simplesmente convoca e
invoca todas as suas defesas. O perigo é só passar a gostar dessa matança!, o
que é bem fácil de acontecer.
Minha solução para as formigas foi meio surprendente. Comprei o veneno,
que veio numa caixinha amarela com instruções mal escritas, e nem precisei
aplicar o gel que promete acabar com formigueiros inteiros. Juro!, bastou
colocar a caixinha lá em cima da geladeira e as formigas automaticamente desapareceram!
Como mágica, sim! A caixinha tá lá há meses, eu nem ouso tirar do lugar!
Agora esse mês a novidade por aqui foi o surgimento de centenas de milhares
de drosófilas. Aquelas mosquinhas da banana, sabe? É o bichinho mais
inconveniente do reino animal, porque ele não desvia da gente; pelo contrário,
é um inseto do tipo kamikaze, que se joga contra o alvo – no caso, eu. Fico que
parece que estou aplaudindo algo, mas só estou tentando matar mosquitinhos
chatos sem semancol. “Tentando”, porque as pestes são ligeiras, escapam das
minhas mãos ávidas e desejosas em pôr um fim às suas vidas.
Por causa disso, faz dias que entro no aplicativo da Shopee, a “25 de março
da era tecnológica”, decidida a comprar uma raquete, dessas que trazem paz de
espírito. O que me impede é sempre o risco de não receber o produto, ou demorar
a receber, ou receber algo que não funcione, ou ainda algo que não seja uma
raquete (riscos totalmente reais, convenhamos). Aí, faz dias que me frustro
sozinha com tanta mosquinha invadindo o meu espaço.
Até que tudo mudou.
Ontem finalmente comprei uma raquete, vermelha, numa banca de jornal.
Parece mais resistente que a anterior que eu tinha, que era verde e que quebrou
quando dei uma raquetada um pouco mais forte contra a parede (pavio curto, lembra?).
Cheguei em casa super animada, e ameacei silenciosamente todas as mosquinhas
enquanto a bicha carregava na tomada. Fiquei torcendo para que elas não fossem
espertas como as formigas, que sabem ler nas entrelinhas os sinais que as colocam
em risco. Não são. Estou desde ontem dançando ao som da morte.
Cada estalo de vida que se vai é um novo sorriso sádico que brota no meu rosto.
“Morre, morre, desgraça” é um mantra entoado ao ritmo dos choques elétricos que
tiram a vida de insetos que, embora pequenos, causam um tumulto gigantesco. Se
não morrem na ida da raquete, morrem na volta, quando o objeto retorna rasgando
o ar, quase causando um zunido do vento que passa entre o trançado de metal, e
que prende corpos já desfalecidos, mas que ainda estalam mesmo que só reste um
fiozinho de vida. É prazeroso demais, socorro!
As pausas entre as chacinas são apenas pequenos intervalos entre uma e
outra vigília, que agora me forçam a andar por todo o apartamento, conferindo
se há ainda alguma mosquinha que eu possa matar. Parecem estalinhos de festa
junina fora de época, mas este é só o novo som da minha paz.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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