Primeiro de abril
Hoje faz sete anos do começo do fim de uma vida muito especial que eu
tive um dia. Se a vida é uma montanha-russa, o dia primeiro de abril de 2015 representou
aquele momento em que o carrinho faz “crec”, lá no alto da subida, milésimos
antes de despencar – e, no meu caso, de descarrilar. Foi nessa data que
recebemos a difícil notícia de que o câncer que minha esposa tratava já há um
ano tinha voltado, desta vez na cabeça. Foi na salinha da médica “que o barraco
desandou”, e saímos de lá arrasadas, com uma expectativa de vida de seis meses,
que durou só metade disso.
Sempre fui fã de primeiro de abril. Era uma data que eu gostava mais que
natal e páscoa (que era minha preferida na ocasião, quando os chocolates ainda
não me faziam tão mal). Quando avisei no grupo da família o que a médica tinha
nos dito, minha prima achou que eu estava brincando de primeiro de abril. Como
se eu pudesse brincar com algo assim! Em realidade, nunca mais brinquei.
Há certas datas no calendário que doem mais. Mesmo hoje, tantos anos
depois, comigo já vivendo uma nova vida, quase sendo uma nova pessoa. Primeiro
de abril é certamente uma das mais dolorosas – só perde para o dia 14 de julho,
que foi quando ela morreu. São dias que incomodam mais que o cheiro do
desinfetante que usam aqui no prédio, que é igual ao que usavam lá no hospital.
E não há conforto algum nessas horas, e já entendi que isso vai sempre doer.
Às vezes, a impressão que eu tenho é que as minhas lembranças, algumas
delas, são memórias afiadas, que ao menor contato eu me corto, me machuco. E
não consigo não esbarrar nelas porque elas também sou eu, que chacoalho para lá
e para cá dentro de mim, toda hora batendo nessas arestas afiadas. Minha
esperança atual é que a terapia e o remédio acolchoem de certa forma essas
lembranças, para que eu não me fira tanto. É cansativo viver fugindo de quem eu
ainda sou.
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