Farmacinha
Tenho aqui na cozinha de casa um espaço debaixo do armário projetado para
armazenar garrafas de vinho. Eu mesma não bebo porque beber me fez sempre muito
mal. A última taça de vinho que degustei, pela metade, foi mais ou menos em
novembro de 2020, e na ocasião quase morri. Foi mais ou menos nessa época que eu
fui diagnosticada com a tal síndrome do intestino irritável, e da pior forma
descobri que vinho fermenta dentro de mim. Fermenta muito! Perdi vários quilos
em duas semanas, passando mal no banheiro.
E aí, por causa disso, quase do dia para a noite vi o armarinho da
cozinha se transformar numa farmacinha.
Tudo começou com o probiótico. Que, ok, não é remédio, mas vende em
farmácia e é um comprimido. Um por dia, às 13h48, religiosamente. O despertador
toca todo dia, mas eu jamais esqueceria porque isso já entrou forte na minha
rotina. Já são meses enfiando lactobacilos para dentro do organismo, na esperança
de fortalecer meu exercitozinho de microbiota.
Aí depois veio o sulfato ferroso, um comprimidinho por dia, em jejum. Porque
eu me sentia depressiva, mas estava anêmica (talvez um pouco depressiva também,
mas meu corpo estava mais fraco que minha mente. Eu acho). Falaram que “tomar
ferro” também não é sinônimo de “tomar remédio”, mas ele está lá, à venda na
farmácia, na prateleira bem perto do balcão.
E analisando agora tudo isso, posso dizer que é, sim, um remédio,
considerando que me sinto mais fortinha ultimamente. Mas pode ser também por
causa do antidepressivo...
Bom, mas depois que o espaço do vinho na cozinha já guardava o probiótico
e o sulfato ferroso, quem chegou na história primeiro foram os compridos do
complexo de vitamina B, que vende em farmácia também, mas eu compro pela
internet, com frete grátis. São uns comprimidão vermelho, tomo todo dia depois
do almoço, junto com o probi.
Aí, sim, depois da vitamina, chegou dona sertralina. Várias cartelas socadas
no fundo do espaço do vinho no armário da cozinha. E o antidepressivo trouxe
junto uma terrível dor de estômago, num dia em que tomei o remédio de barriga
vazia e fui correr (burra!), e aí está rolando agora também um omeprazol na
história.
Em 2017, a vida era outra e eu também. Cheguei nesse apartamento meio aos
pedaços, levei um tempo para me recompor. Anos para chegar aqui – literalmente.
Lembro que quando vim conhecer o imóvel que eu só tinha visto por foto, no
computador da imobiliária lá do centro da cidade, a cozinha aqui foi justamente
o que mais me desagradou. Extremamente pequena, terrivelmente dividida com um
tanque e um espacinho minúsculo para a máquina de lavar. Quando vi o espaço
para guardar garrafas de vinho, lembro que pensei “hum, quem sabe eu comece a
degustar vinhos agora”. Nunca que imaginei que o nicho viraria minha farmacinha
de remédios diários, e que o vinho seria um proibidão.
Quando mais nova, fui bastante festeira, bebia bem. Aí fui ficando velha
e menos resistente, o último porre que tomei foi junto com a vizinha, num
feriado aí de nem lembro quando. Bebi caipirinha depois do almoço (a garrafa de
vodca está na geladeira até hoje), e no final vomitei e chorei, triste, porque
o loucão do 32 era tão perturbado que não conseguia aproveitar um lindo feriado
como aquele (chorei por isso, sim).
Amanhã paro de tomar o omeprazol. Sete dias, né, e o remédio está
vencido, então nem sei se o que resolveu meu estômago sensível foi a química do
medicamento ou placebo. Vai ser a única cartela que vai sair do espacinho do
vinho, porque todas as outras ficam. E sabe-se lá quem mais vai entrar em cena
da próxima vez!
Em tempo: faça terapia. E se for preciso, consulte um médico e tome remédio.
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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