A corrida do Luís
Sou uma pessoa
mística. Há muito que tenho o costume de acreditar que quase tudo é um sinal de
alguma coisa – e isso vale para o bem e igualmente para o mal. Para essa
história de hoje, os “sinais” começaram já no primeiro dia do ano, quando duas
pessoas diferentes me chamaram para correr a São Silvestre em dezembro de 2022.
Veja, não sou
atleta; comecei a correr 2km por dia, mais ou menos, quase diariamente, quando
estava escrevendo Escrito na Gazeta, em setembro passado, mais para não
enlouquecer e para complementar os exercícios que comecei a fazer nesta época,
quando ganhei duas anilhas de 5kg, do que para emagrecer ou simplesmente ser
saudável. Ou seja, para a São Silvestre me falta chão. Muito chão!
Mas aí em janeiro
choveu praticamente todos os dias. Em fevereiro, a chuva veio em metade do mês.
Achei que era um sinal, claro!, acrescido de outro, muito pior, porque meu
tênis estragou nesse meio-tempo (depois de anos e muitos quilômetros, é
verdade, mas num péssimo momento, convenhamos). Dos 12 meses de “treinamento”,
perdi quase dois, apoiada na beira da janela, vendo a chuva cair e cair.
Recentemente, num
bem-vindo dia de sol, recebi um texto para revisar que falava de uma corrida
solidária, com inscrição gratuita, numa cidade pertinho daqui. Um claro indício
de que nem tudo estava perdido, numa semana em que ganhei da minha irmã um
tênis extremamente laranja. Me inscrevi para a corrida e intimei os dois seres
de luz para correrem comigo – convite que ambas prontamente aceitaram.
Domingo cedinho
colamos as três lá em Paulínia, de primeira, porque no sábado me perdi de todas
as formas até chegar ao local, para a retirada do kit (a camiseta da corrida e uma
barrinha de cereal, que acabei comendo as três).
Aqui vale um
parágrafo só para dizer que essa história de ter me perdido, apesar do GPS, foi
integralmente culpa da minha acompanhante, que como copilota é uma ótima
nutricionista. E se mostrou boa corredora também, depois que nos perdemos antes
mesmo da largada, e ela correu alguns quilômetros a mais, debaixo daquele sol
de meu Deus.
Foi numa manhã
azul de domingo, com o sol a pino já às 8h, nenhuma nuvem como testemunha dos
meus passos em cor de abóbora, que aconteceu a segunda corrida de rua do meu quase
inexistente currículo de esportista; a primeira que não passei muita vergonha
(só um pouquinho). Foi muita subida, muito sol, muito calor e poucos pontos de
água – só dois. Muito mais que uma prova de superação, esta foi a minha “corrida
do Luís”, porque me esforcei para não perder de vista o senhorzinho que seguia
à minha frente, com seu nome estampado na parte de trás da camiseta.
Luís já deve ter
passado dos 70 anos, a julgar pela sua aparência senil, e fui muito ingênua em
usar isso como parâmetro para não desistir da minha corrida. Meu pensamento de “se
um idoso consegue, eu também posso” se mostrou vazio depois de 2,5km suando litros debaixo do sol.
Foi quando pensei pela primeira vez em andar um pouco, com a cabeça cheia de
histórias que ainda não tinha escrito; perto de mim, Luís seguia firme e forte,
e eu “botando os bofe pra fora”, como diria minha mãe. Provavelmente
porque Luís já corre há mais tempo – tanto que tem até o próprio nome estampado
na camiseta de corrida, mas só me toquei disso depois do quarto quilômetro, com
Luís já uns bons metros à minha frente.
Se me perdi das
minhas companheiras de corrida, obviamente também perderia Luís de vista, e
isso foi bem antes de completar o quinto e último quilômetro da prova, que
terminou numa descidinha que embalou meus passos em pernas moles.
Perto da chegada vi uma mulher tão maravilhosamente sarada que fiquei com vontade de ser gostosa também, e correr a São Silvestre só de top, exibindo meu corpo modelado por horas de sofrimento e suor. Mas até lá, “sebo nas canelas”, como dizia seu Zezinho.
Que seu Luís me inspire!
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu.
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