Corte programado

Há alguns dias, recebi uma cartinha da concessionária de luz aqui da minha cidade, anunciando o corte programado na energia elétrica durante um dia inteiro. A data? Ontem. Uma quinta-feira inteira só para mim; um dia útil todinho dedicado ao que eu quisesse fazer!

Foi como imaginei!

Programei uma faxina na casa. Daquelas, que se tira até o pó dos lustres. À louça, acumulada na pia, bombando, fiz promessas borbulhantes junto ao detergente verde neon. Separei esponja de aço, desengordurante e até o produto que corrói as mãos. Me propus a arear as panelas, esfregar as paredes, o chão e até o teto, que nunca lavei, esses anos todos.

Depois da cozinha, sobraria a casa toda. Quis passar pano no chão. Duas vezes. E mais uma, com a cera que deixa tudo com cheiro de limpeza, dando vontade de desfilar descalça pelo apartamento limpo. Antes tiraria as teias e as aranhas das quinas e também a poeira escondida das prateleiras, o pó enfiado nos livros. Cataria todas as folhas de plantas, varreria as terras que as minhocas jogam no chão, o pelo da cã que se acumula em bolinhas fofinhas atrás das portas e nos portais. Lavaria o banheiro por último, esfregando até onde não alcanço, e depois tomaria banho no box cheirando a limpeza e água sanitária (que sempre respiro um pouco, e dá um certo grau, termino as tarefas flutuando, meio intoxicada).

Talvez, com a casa limpa, eu até escreveria. Um conto, o livro, esta crônica – quem sabe? Com as tarefas de casa em dia, dá para se voar mais longe e para qualquer lugar! E o principal: de consciência limpa, afinal, teria feito tudo isso sem culpa, mesmo não sendo fim de semana, férias ou feriado.

O horário do início do corte era 10h50. Até às 10h49 trabalhei freneticamente, fiz até mais do que faria em dias normais. Claro, não sou louca de não fazer pelo menos o mínimo, porque depois que a luz volta, eu ainda sou eu, e gosto de agradar minha versão do futuro, sempre, fazendo sempre além, sempre que dá.

Deixei a Alexa comandando a playlist no modo aleatório como estratégia: quando ela se calasse, a luz teria acabado. E aí, seria até quase cinco da tarde ouvindo música no modo offline, na caixinha antiga (que tinha passado a manhã inteira grudada na tomada, assim como os dois celulares, por precaução). Pois Alexa, que ama me contrariar, não se calou nem por um minuto.

Foi um dia inteiro esperando o corte. Usei a escada com medo de ficar presa no elevador – na ida e na volta da quitanda, que aproveitei para ir enquanto estava “sem luz”. À toa!, a luz não acabou! Na expectativa pelo corte que nunca veio, não limpei a casa, não lavei a louça, nem mesmo escrevi.

Dos milhares de planos que tinha, fiz a única coisa não listada, e que nunca faço: dormi. Tirei um cochilo de não sei que horas até não sei que horas porque o relógio da parede, ao contrário de todo o resto, parou de funcionar. Em plena quinta-feira, no dia mais iluminado da semana (talvez o dia mais iluminado do ano!), acabou a pilha. 


Essa crônica pode ser ouvida: Ouça caribu


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