Processo criativo


Virei instagramer. Pois é, me rendi, como são obrigados todos os profissionais especializados em suas áreas e também em Reels, em Canva, em Trello e em todos os outros programas e ferramentas que não conheço. A internet é um vasto mundo de oportunidades, mas saber disso não basta. Você precisa manjar de algoritmos também, de músicas em alta, de melhores horários para postar. Na última semana, só para ilustrar, investi mais tempo produzindo conteúdo do que escrevendo. Eu, que divulgo justamente o que escrevo.

Não que seja algo inteiramente ruim. Só é diferente e fora do meu foco original de prioridades e interesses. Mas tem seu lado bom, reconheço, porque agora estou muito mais em contato com as minhas leitoras do que estava antes. É uma barreira que foi transposta e que eu nem sabia que existia. E além disso, me inspirou a escrever essa crônica; só isso já valeria (inclusive porque ainda me considero bem flopada nas redes sociais).

Sexta-feira lancei uma enquete. A segunda de caribu. Perguntei o que queriam que eu escrevesse durante o fim de semana. Me baseei no que já escrevo, e nas ideias que já tenho, então tinha como opção “conto erótico” e “conto fantástico”, em ordem alfabética, claro. Considerei mais dois gêneros de escrita, levando em conta o quesito “facilidade”, então tinha também a opção “crônica” e “poesia”.

O conto erótico ganhou em disparada, mas teve voto para os demais também. E eu estaria preparada se a fantasia tivesse sido a primeira opção.

Faz algumas semanas que cozinho dentro de mim duas histórias. São dois contos, um fantástico e o outro, erótico. Meu processo de escrita começa assim: de repente vem um lampejo de ideia, às vezes só uma fagulha, um leve e breve insinuar de pensamento. Gosto de imaginar que estou sempre sentada na beira de um lago de onde pulam vários peixes coloridos, ao mesmo tempo. Uns brilham mais que outros, ou se lançam mais alto, e aí consigo pescar. Tem vez que só a cabeça, ou só a cauda; tem vez que a ideia vem inteira, mas por algum motivo devolvo o peixe para a fonte e ou nunca mais o resgato, ou levo anos para isso, como foi com a história do livro “Escrito na Gazeta”, que nadou para lá e para cá por mais de uma década, ou do conto “Caso n. 5863/21”, que ganhou o Desafio do Lettera, depois de dar braçadas no meu Lago do Amor por quase duas décadas.

Vou te contar que jamais os perdi de vista! E me sento bastante na beira desse lago!

Seguindo a analogia, tem peixe que é peixe porque algo aconteceu no meu cotidiano e isso o molda; ele brota. Outros que são porque já nascem como peixe, lá mesmo, são desovados por uma parte de mim que sinceramente desconheço. Talvez meu alter ego, ou até além disso, ou até outra pessoa, vai saber. Só sei que são vistos por ali, e te confesso que são sempre os mais bonitos, provavelmente porque não são limitados pela minha criatividade, que é um pouco podada pelos parâmetros da minha mente e do lugar que vivo – e a maneira como vivo. Tem ainda um terceiro tipo de peixe-inspiração que é híbrido. É uma mescla de algo que aconteceu na minha vida com algo que foi assoprado por essa consciência maior, que acabo chamando de “caribu” porque alguém deve ser sempre nomeada e aclamada nos meus aplausos finais.  

Dando nome aos bois, ou aos peixes, ou às histórias, o conto erótico pescado se chama “Happy hour” e o fantástico tem o título de “O conto da sereia”. Em breve, ambos estarão por aqui, e você provavelmente vai lembrar desta nossa conversa. “Happy hour” é a continuação de uma história híbrida, que partiu da minha vida e foi desenhada por caribu. Já “O conto da sereia” foi criado por caribu, e moldado por eventos da minha vida.

Tudo perfeito: o lago, os peixes e sua incrível variedade, e até a facilidade de pescar (ainda que eu pareça soberba falando assim). É um cenário fértil, me banho, fácil! Jamais passei fome aqui. O problema – sim, porque há um problema! – é preparar um peixe que não se come cru, numa rotina que inclui o trabalho que paga as contas e os boletos, uma casa que junta poeira enquanto pisco, uma cachorrinha que decide dar rolê em horas que só ela entende, plantas que precisam de amor e atenção, e disposição (física, também, claro, mas mental, principalmente) para sentar e escrever. Tudo isso numa rotina instagramada.

Imaginávamos no futuro carros voadores e vivemos em realidade uma época em que se discute ciência e terraplanismo, e cada vez mais enfiamos termos gringos aos nossos dicionários já recheados de novas palavras aportuguesadas. Mas nem vou enveredar por esse caminho para não me desviar ainda mais do meu foco. Quero contar, afinal, da história que me propus a escrever e não escrevi. Não no papel.

Sábado o meu dia foi perdido para a escrita. Não quis, ou até quis, mas não consegui, daí assisti dois filmes, corri fora de hora, foi o dia todo meio jogada, curtindo o sofá. Sempre tenho aquele pensamento de “tudo bem, amanhã eu faço”, mas aí o amanhã chegou e eu fiquei aborrecida com a eu do breve passado, que simplesmente deixou tudo para mim. E para isso nem adianta falar “tudo eu nessa casa”, como não adianta para todas as demais, embora não me impeça de dizer.

Dia seguinte acordei às sete da manhã de um domingo nublado. Dia perfeito para ficar na cama por mais algumas horas, quem sabe até dormindo. Mas quem disse que consigo? Já faz anos que minha vida é acordar com as galinhas. Definitivamente, só me falta mesmo uma calçada para varrer.

Assim que pulei da cama, minha mente logo disse “vou escrever”, mas meu corpo não pareceu escutar a esta determinação, que vem já desde ontem, desde antes de eu desligar o computador de maneira deliberada, e deitar para assistir TV. Vem, na verdade, desde antes de sexta até, quando criei a enquete, porque a ideia do conto erótico foi pescada já faz bem uns 20 dias...

Liguei o computador. Pensei: “Uma mudança de planos, um happy hour, um encontro no bar, as duas se pegando no banheiro, depois no carro, nas linhas finais, a revelação”. Perfeito, mas desviei da página em branco e fui varrer a casa.

Me perguntei: “Ela estava sóbria? O que chamou a atenção na outra? Quem tomou a inciativa da conversa?”. Em vez de sentar e desenrolar, tirei a roupa do varal, dobrei e guardei.

Depois, refleti: “Precisa ter um histórico, de ambas. Algum trauma, quem sabe, algum evento grande. Tenho que definir as motivações delas também”. Dei Alt+tab, mudei de tela e fui montar um vídeo.

Pensamento longe, às voltas com a história, um pensamento quase se sobrepondo ao outro: “Vou reunir as características delas num arquivo à parte. Devia era montar um mapa, relacionando toda essa gente. Será que as leitoras vão perceber que as personagens são as mesmas de outras histórias?”. Considero um bom momento para chamar a vizinha para uma conversa/consultoria. Nessa hora foi quando lembrei que sobrou pizza, aí me esqueci e me lembrei de novo quando ia voltar a escrever.

Penso: “É só sexo, mas não é. Ambas vão dançar. Qual será a música do rebuceteio?”. E isso foi o que me fez desistir de escrever e fui cortar em pedacinhos a ração que a catiora se recusa a comer em grãos maiores. Quase quatro da tarde, quem escreve uma hora dessas?

Abaixo a tampa do computador e quase vejo as personagens do conto sentarem na beira da cama, onde sentam todas as que esperam a minha boa vontade em contar suas histórias. Meio cabisbaixas, não me cobram senão com o pesar de seus semblantes, frustrados, mesmo em tão formoso lago.

Por sorte, já sei tudo o que acontece nesta, na outra e em mais em uma terceira história, por ora só rondando minha cabeça. Então é só uma questão de materialização, quase. Só preciso antes resolver umas 348 pendências, e talvez ver algum filme, antes que escureça. 

Amanhã vou escrever.


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