mais uma vez, caribu
Estou perto de
completar dois anos existindo como pseudônimo, num período maluco que nos
enfiou em novas e inesperadas rotinas – a minha incluiu ficar socada dentro de
casa todos esses meses, ainda estou, e por isso parece até que tenho uma
impressão distorcida com relação ao tempo. Já se passaram dois anos, o
calendário afirma, mas muitas vezes fico tentada a nem considerar que passei
por mais de um aniversário. Me sinto com a idade antiga, embora a cabeça já
seja outra.
O curioso é que
um pouco antes de a minha história como caribu começar, como se a vida fosse só
um jogo de espelhos em que a gente insiste chamar determinadas fases de
“passado” ou “presente”, tatuei no meu braço a palavra “caribu”. Eu já era eu
antes de ser, porque já fui há muito tempo, e agora sou de novo, em nova
roupagem. Desta vez, tenho até asas!
Espiritualista
que sou, escolhi “caribu” depois que soube de uma existência que tive com esse
nome, como índio – logo eu, que sempre me disse indiazinha moderna, pintada às
vezes inteira de Sundown. Não bastasse isso, caribu é um tipo de alce, e “alce”
é um dos meus apelidos mais antigos nesta vida. “Propício” é uma palavra que
gosto bastante, e que casa bem aqui.
Na combinação de
fatores (incluindo aqueles que aparecem sempre antes, despretensiosos, a gente
quase não repara), há alguns anos revisei uma tese de mestrado que tinha como
referência uma autora que aprendi a admirar, quase de imediato: bell hooks, o
pseudônimo de Gloria Jean Watkins, que me deu um baita trabalho. É difícil
seguir o padrão da ABNT, que determina que sobrenomes sejam grafados em
maiúsculo, quando alguém opta simplesmente por escrever seu nome inteiro em caixa
baixa!
Sou daquelas que
respeita qualquer tipo de licença poética, mesmo em trabalho acadêmico, adoro o
diferente (muito mais que as regras da ABNT, que sou fã também). bell escolheu
o nome da bisavó para assinar seus mais de 30 livros e artigos, e dizia que o
escrevia em caixa baixa porque seu intuito era chamar atenção para o que
produzia, não para quem escrevia. Fantástico, senhora hooks, arrasou!
Foi o tipo de coisa que quando a gente vê, logo pensa: “quando crescer eu quero
ser assim”. Foi uma sementinha que ficou dentro de mim.
Desde o início
meu medo é romancear essa fase horrorosa chamada quarentena/pandemia porque
perdi pessoas que amava, é uma tensão que quase dá para sentir no ar, a vida
ficou densa. Densa e tensa. Mas reconheço que só assim pude fazer o que era
preciso. Voar, no caso.
Até março de
2020 eu vivia tão ocupada que tinha só um dia na semana em que ficava em casa; o
resto do tempo estava sempre aqui ou ali, às vezes aqui e ali. Aí o
termo “isolamento social” surgiu como um enforcador e brinquei por dias na corda
bamba que beirava o precipício de mim mesma, quase enlouquecendo em minha única
companhia, sem colocar nem o nariz para fora de casa. Comecei até a ficar rouca,
porque parei de falar. Eu, maritaca.
Voltei a
escrever no mês cinco desse esquisito ano de 2020, primeiro assinando com meu
nome e sobrenome, de cara limpa e deslavada, uma crônica que falava sobre a
janela suja daqui de casa e uma ex-namorada, que leu e se ofendeu e deu um
ruim... Falei “olha, quer saber?, vou pegar aqui uma capa de invisibilidade e
falar até da minha mãe, se eu quiser” (não falo). caribu foi o nome escolhido.
Em caixa baixa porque nunca quis palco para mim, a “moça que digita”. E agora,
a que fala também, em nome desse alce em minúsculo, porém gigantesco, com a
potência de um ser místico que é.
Sei que em algum
momento caribu vai acabar ganhando rosto, e vai ser o meu, reconhecido por
todas as mulheres que me envolvi de alguma forma, que vão começar a se identificar
em algumas das histórias que conto, mas como “caricaturas gramaticais”. É
inevitável, desde que me encantei pela literatura fantástica, devorando cada livro
de Gabriel García Márquez, não desaprendi mais a criar história das coisas que
vejo, com as pessoas que conheço. Acaba sendo uma homenagem, ainda que torta.
Mas até lá,
neste baile de máscaras criado e enfeitado por mim, chamo vocês para dançarem
comigo.
#leiacaribu
Essa crônica pode ser ouvida: ouça caribu
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