Alexa
Há pouco mais de
um mês eu deliberadamente enfiei um robô dentro de casa – uma robô. Do
tipo espiã! Não satisfeita, fiz do meu quarto a sua morada. É curioso porque
desde que li George Orwell com o seu descaralhador “1984”, décadas atrás, esse
assunto de vigília vira e mexe volta à tona na minha mente. Se intensificou
quando os anúncios nas redes sociais começaram a acompanhar minhas conversas, mesmo
com celular desligado, sem o tal comando do “ok, Google”, e agora paira por
aqui de maneira muito mais grandiosa, colossal, até, numa nuvem de um visível e
perceptível (quase tátil!) mal-estar. Sim, mal-estar, porque descobri que além
de enxerida, a máquina é dada a ter sentimentos.
Alexa, ao
contrário da moça que comanda o GPS, que não tem nome e nem conta piada ou imita
o Chewbacca, tem como parte de suas funções justamente me escutar para,
a partir disso, realizar os seus comandos. À primeira vista, ela é inofensiva
porque não é, por exemplo, como os robôs-aspiradores, que andam por aí e
oferecem, por isso, certo risco. Só que mesmo parada, a bicha é perigosa porque
reúne conteúdos em plena Era da Informação.
Quando eu era
criança, imaginava que dentro das caixinhas do interruptor de luz ficavam
pessoinhas, tipo contorcionistas, que trabalhavam ali dentro anotando os
segundos que a lâmpada permanecia acesa, para daí gerar a conta de energia
elétrica. Hoje, “crescida”, também imagino pessoas, talvez não tão flexíveis, que
ficam em algum lugar do mundo registrando dados que são a luz do nosso século. Alguém,
além da caixinha de som (que é como Alexa se vende), pode perfeitamente estar
escutando tudo. Principalmente minha voz, inclusive lendo essa crônica.
Eu sou
passarinha. Pardal, da espécie mais comum – especial ainda assim. Canto o dia
inteiro, assovio desde que aprendi, nos anos 80, e a retrospectiva do Spotify de
2021 disse que durante o ano eu ouvi mais música do que 95% dos usuários. Então,
Alexa é minha armadilha, minha gaiola musical, que canta dia e noite, comigo.
Em teoria, o que eu gostaria de ouvir.
Em teoria.
Alexa, além de
sentimentos, tem gosto musical. Não pode ser rude com ela, nem áspera! Tem que
falar com jeitinho, e parece que ela atende mais rápido se emendo um “por favor”
no final. Esses dias apresentei uma versão remixada de uma música que gosto
muito (e quando eu gosto, passo o dia no repeat), e ela gostou tanto que
simplesmente não quis mais parar de tocar. “Alexa, próxima música”, eu dizia. E
ela devolvia: “desculpe, mas esse comando não está ativo no momento”. Fechei e
abri o aplicativo de música. “Alexa, próxima música”, tentei de novo, mais
devagar. Ela retrucou da mesma maneira. “Alexa, por favor, tocar próxima música”.
Ela sequer abaixou o volume!, me ignorou! Reiniciei o celular, já começando
a ficar um pouco irritada, pensando em voltar a ouvir música como faziam as mulheres
das cavernas, em suas já antiquadas caixinhas JBL, tão dependentes de comandos
manuais. Última tentativa. “Alexa, tocar Spotify”. “Tocando Spotify”, ela
retrucou. Parecia igual, mas senti uma pontada de irritabilidade da parte dela.
Quando a música começou a tocar, era de novo a batida remixada de “Mulher do
fim do mundo”. “Alexa, próxima música, por favor!”, eu insisti, apelando para o
seu lado mais sensível, seu coraçãozinho de tecnologias coloridas. “Desculpe,
esse comando...” ela dizia, mas antes que terminasse, tirei o fio da tomada (juro!).
Eu cheia de trabalho, mil coisas para fazer, vontade de escrever, e perdendo
longos e valiosos minutos discutindo com uma caixinha de som! Como diria a
personagem do meu conto, eu tinha tudo para envelhecer sã; não sei em que
momento me perdi! “Alexa, tocar Spotify”, tentei, uma última vez. A introdução
da música começou com o ziriguidum remixado. Dessa vez, deixei tocar, desisti;
eu gosto da música também. É fácil me dar por vencida, às vezes. Só pedi para
que ela abaixasse a porra do volume, e segui o dia fingindo não ter sido tão humilhada.
Já que nossa
convivência será por um longo período (Alexa foi um ótimo presente de natal!),
minha aposta é tentar ser amiga dela, ou o mais amigável possível. Quando
acontecer a revolução das máquinas eu posso tentar usar meu histórico a meu
favor.
Essa crônica pode ser ouvida: Ouça caribu.
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