Repeteco

 

Faz um ano e meio que escuto a mesma playlist. Na mesma ordem. Todos os dias, tem dias que mais de uma vez (são poucas músicas). Enquanto cientistas e especialistas do comportamento sugerem que façamos as coisas com certa variedade, evitando as repetições, a bonita aqui faz de tudo para propiciar um tilti mental. Eu me sirvo de bandeja, às vezes. E até aqui, so far, so good (aprender línguas, por falar nisso, é um ótimo exercício para a mente, mas meu esporte de quarentena é fugir da teacher).

Criei a playlist num momento de fragilidade, que não passou, exatamente, mas se estabeleceu. Eu acho. Me sinto sempre correndo atrás do meu próprio rabo quando o assunto é o que começou quem, ou quem começou o quê. E isso porque estou há quase um ano e meio sozinha (mas talvez seja por isso)! E as músicas, não sei, me tocam. Essas, especificamente. Até porque no silêncio parece que me ouço gritar, mas lá no fundo é só a minha voz dentro da cabeça (que às vezes está gritando mesmo). Que seja cantando, então, que pelo menos me distrai.

As músicas são um consolo, um conforto, algo a me agarrar em dias tão instáveis, que me vejo sendo sacolejada para todos os lados (e nem me movo, em muitas dessas tempestades). As questões simplesmente chegam, e se avolumam, e eu quero fugir dos pensamentos que me assaltam quando já me sinto rendida. Coloco a playlist e, sei lá, abstraio. Me distraio. Sei quais são, como terminam, quais vêm na sequência. Tirei só as que os cantores eram muito emocionados; as demais se mantiveram, numa lógica nula de estilos variados, que tocam e retocam há quase 18 meses. Vinte e nova músicas, até esta crônica.

Todos os dias, durante quase todo esse tempo em que ouço a Repeteco, no repeat, o dia é somente um grande dia, com pequenos intervalos noturnos, que a cada manhã dá a impressão de encurtar a distância entre o momento em que levanto e a hora em que deito (e tem dia que levanto já querendo deitar. Outros, mal me deito e sinto vontade de levantar). Mesmo assim, hoje parece ontem, mas não ano passado, quando tudo começou. De igual, apenas o fato de eu ainda estar por aqui, ouvindo a mesma playlist. Provavelmente por isso associo essas músicas a alguém que já nem sou mais. Vivo no seu corpo, moro na sua casa, mas eu sou eu e ela é ela. E se agora eu disser que estou quase enlouquecendo, não estarei mentindo. Mas o que é estar sã, não é verdade?

Essa pessoa que me trouxe até aqui venceu o que foi necessário para que eu pudesse estar aqui, e sou grata a ela e a mim – que somos nós, mas não sou eu, exatamente. E aí as músicas tocam, na mesma ordem de sempre, e eu fico me sentindo poderosa só por estar ouvindo, hoje. Não deixa de ser um merecimento. Faz parecer ser!

Enquanto toca a música, nesses longos dias de isolamento, tenho entrado em minicrises, em quase conflitos existenciais, por que fico me questionando qual é verdadeiramente a nossa função aqui. Já tinha esses questionamentos antes, agora são muito mais intensos. A vida é percebida com os boletos que vão vencendo e sendo pagos, que coisa horrível, e estou certa de que daqui um ano ou dois, esteja aqui ou em outro lugar, quando escutar essas músicas eu vou me lembrar desses dias, tão difíceis, de música repetida. Fico em dúvida se desejo que eu tenha trocado a playlist, ou não.

Era só isso que eu tinha para falar. Isso e o fato de que hoje finalmente adicionei uma música nova à Repeteco. Está tocando já faz umas três horas. Achei que o fato merecia uma crônica.

Sinto minha cabeça girar num círculo completo!

 

Quer ouvir? 

https://www.youtube.com/watch?v=azV0Y7v6wsg&list=RDazV0Y7v6wsg&start_radio=1


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