Gata molhada

 Ganhei dois espelhos. A crônica será sobre isso. Ou não.

Ganhei dois espelhos muito bonitos, de um design moderno, sem moldura, desses de banheiro, com ganchinho atrás para prender. Moro num lugar extremamente pequeno, e tudo o que trago para casa precisa antes ser milimetricamente planejado, porque uma coisa nova que enfio aqui dentro significa que outra vai precisar se mover. Tipo tetris (as mais velhas vão saber!). Foi assim quando ganhei uma poltrona da minha irmã e por causa disso mudei toda a arrumação da sala. Nem estava nos planos – a poltrona, e muito menos a mudança (que foi toda uma novela, porque comigo as coisas são sempre com emoção).

Pois bem. Aí ontem ganhei dois espelhos, e espelho a gente não nega, né. Né?

Inicialmente, pensei em pendurar um deles em cima do armarinho do banheiro, que está quebrado – mais um drama que tem a palhaça aqui como protagonista. Por sorte, 2021 parece definitivamente ser o ano das resoluções, e estou com esperanças sinceras de que esta pendência em breve será riscada do meu caderninho imaginário, que tem altas resoluções em aberto, mas também tem várias riscadas (e nem vou mencionar o tanque, aquele, que permanece na torcida por aquela riscada gostosa. Tanto quanto eu aguardo por uma lavada de roupa tranquila!).

Aqui vale um parêntese (dos parênteses): acho que nunca mencionei, mas meu tanque divide espaço com o fogão. Esses dias, cesto cuspindo roupa, a sujeira bombando, fui lá e puxei a máquina para o meio da cozinha. Não aguentei! Tirei foto porque foi toda uma cena. Fiquei nos dois ciclos olhando a água descendo macia pelo ralo, num rodamoinho lindo e hipnotizador! Teria sido ainda mais prazeroso se na segunda vez eu não tivesse batido minha cabeça no armário. Estou com o galo até agora.

E a observação é essa: ultimamente ando batendo a cabeça. Assim, de boba. Começou uns dias atrás, quando bati de um jeito que ainda nem sem explicar como foi possível. E foi tão forte que quase derrubei meu prato de comida, me segurei para não chorar – me contive porque não quis sofrer bullying. A vizinha é preocupada, mas é humana; eu riria também, nem julgo (no final ela ainda disse “tá até chorando!”). Depois bati a cabeça na tevê, que mudei de lugar.

Sim, minhas amigas. Eu ando querendo arranjar um gatinho, mas na real acredito que a minha questão é que eu gosto de arranjar coisa pra cabeça. Gosto de ter um problema. Só pode ser! Até porque já estou planejando enfiar em algum canto uma estante de pinos de 1980 (que meus pais compraram antes de eu nascer!). Diz meu irmão que está em bom estado. Risos.

Esses dias, por causa de um golpe, acabei ficando com dois suportes de tevê. Eu já tinha dado o primeiro, mascarado, para a vizinha. Pois fui lá e peguei de volta, porque encasquetei que seria bom providenciar uma mudança de ares móveis. Especialmente no quarto, que eu dificilmente mexo. O prédio que moro é redondo, então imagine a gracinha que é a falta de simetria das paredes. A minha cama encosta ou na cabeceira ou na parede. Os dois juntos, não dá. Esses dias até aconteceu um pequeno acidente doméstico, quando a cã foi virar, tadinha, caiu, entalou entre a parede e o colchão. Muita humilhação para um serzinho tão senil!

No dia que mudei a arrumação, estava na dúvida entre fazer três coisas (escrever está sempre listado, mas cada dia é um dia), acabei fazendo uma quarta, no quarto. Quando puxei a cômoda e vi aqueles quilômetros de fio de internet enrolados, cheios de pó, de pelo, de cinza de incenso, me senti muito determinada. Juro, foram os passos mais determinados da minha vida esse ano, acho. Fui até minha caixinha de ferramentas (que é uma caixinha de tricô), peguei o alicate, encaixei a parte de corte naquele fio bem gordinho e peim. Cortei, manas. Senti aquela vida de fio se esvaindo entre meus dedos, e ainda pulsava (ou era eu, nervosa) quando constatei que tinha simplesmente (e deliberadamente) cortado o meu fio de internet. Eu.

Vale dizer que no dia anterior, estava aqui toda feliz fazendo um capuccinos (delicioso, receita de família – minha prima me mandou o link pelo Instagram), quando fui mexer, derramei metade do bagulho quente no fogão, no meu pijama, na pantufa, no chão. Minha reação foi me xingar. Claro! Mas peguei tão pesado que eu mesma me repreendi e falei “calma, garotinha, seja gentil”. Mereço gentilezas, especialmente vindas de mim!

Dia seguinte vou lá e corto a internet. No meio do vôlei!!

Nossa, fiquei passada. E nem me xinguei, porque né, tinha combinado de ser gentil comigo fazia nem 12 horas!!

No fim, deu tudo certo, mas puta merda!

História para contar, vida que segue.

Agora estou querendo mudar a porra da televisão de lugar porque esses dias, já era noite, friozinho, eu nas coberta, vizinha bate para entregar sopa (gente, a minha vizinha... olha, não caberia em uma crônica, nem em um livro inteiro, nem numa enciclopédia as coisas que essa mulher faz!). Levanto eu meio entorpecida, trôpega, correndo (afinal, sopa, no frio!), bati a cabeça na televisão (que agora fica para fora, graças ao suporte articulado). Te contar que o baque foi tão forte que voltei de quatro no chão. E não do jeito bom!

Ontem foi dia dos pais e eu ganhei dois espelhos. E um sifão! Meu pai se comprometeu a vir me ajudar com o tanque, o armarinho e a caralha da tevê.

Vim para casa faceira, pensando onde enfiaria dois espelhos (minha resposta é sempre “no cu”, mas não cabe). Pendurei um onde deu, paciência. É um lugar que só vou me ver quando for dar descarga, no meu banheiro geométrico. O outro, coloquei dentro do box. Agora vou sempre poder admirar a minha beleza enquanto me banho. Perfeito!

Levei a caixinha de som para o banheiro, tenho uma playlist só de música brasileira, entrei no box pronta para fazer a gata molhada em show de calouros. Na primeira música, o espelho embaçou.

 

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